Imagem: Estudantes da Uniesp se acorrentam contra fraude no FIES. Foto: Reprodução.
Andrea L. Harada Sousa – para Universidade à Esquerda – 08/07/2021
- Histórico de Irregularidades e o cenário que levou à greve dos professores
A Uniesp, empresa do ramo educacional, é notícia frequente: já foi alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e da Polícia Federal por conta do programa “Uniesp Paga”, por meio do qual prometia aos estudantes se responsabilizar pela quitação do financiamento do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES)¹. Cobrava mensalidades questionáveis para alunos beneficiados pelo programa de financiamento estudantil com vistas a receber vultosos repasses do governo. Seu presidente, José Fernando Pinto da Costa, foi preso, assim como outros dirigentes da instituição, por fraudes no FIES, validação de diplomas e venda de vagas².
Além dos problemas por fraudar o FIES, acumulam-se problemas trabalhistas. Na Uniesp os salários dos professores estão congelados desde 2017, os professores não receberam férias, os atrasos de salários são recorrentes e a falta de pagamento de FGTS são exemplos de violações aos direitos trabalhistas conhecidos por todos os docentes empregados pelo grupo. Por outro lado, péssimas e perigosas condições de trabalho, especialmente nos cursos de saúde, também compõem o relato de professores e professoras.
É diante deste acúmulo, que greves estão sendo deflagradas em diferentes unidades do grupo e em diferentes regiões do estado, é o caso de Santa Bárbara D`Oeste, Ribeirão Preto e de Guarulhos que motiva este relato e esta denúncia. Algumas unidades simplesmente fecharam do dia para noite. Docentes da FAG – Faculdade de Guarulhos, unidade do grupo Uniesp S. A., iniciaram um movimento de reivindicação pelo cumprimento de seus direitos e também por condições de trabalho. Organizaram reuniões e assembleias para debater a situação com o Sindicato dos Professores e Professoras de Guarulhos – Sinpro Guarulhos.
A tentativa de diálogo foi logo frustrada pela falta de resposta inicial e posterior promessa não cumprida de pagamento dos salários atrasados, encaminhou-se então dissídio de greve para o TRT da 2ª Região e, em que pese, proposta apresentada naquela mediação, a Uniesp se manifestou pela abusividade da greve e na noite de ontem, dia 07/07/2021, demitiu quase a totalidade dos professores da unidade e a totalidade dos grevistas.
Emitiu na mesma noite comunicado, alegando que o fazia em nome do respeito à comunidade acadêmica para desmentir “boatos” sobre eventual encerramento das atividades. Reivindica o contexto da pandemia, a legislação educacional e seu “suposto” compromisso com a inclusão dos mais pobres e com o futuro do país para justificar o injustificável e para mascarar novas e velhas fraudes. Alega ainda que firmou parceria com “uma” instituição credenciada para oferta de ensino a distância (EaD) e que será este o meio de garantir a continuidade do calendário e do currículo, mesmo com as greves e as demissões. Garante aos estudantes que esta saída será suficiente para assegurar sua progressão no curso. O comunicado quando não é amontoado de evasivas, é amontoado de mentiras.
Senão vejamos: professores da área de saúde vêm questionando antes, e também no curso da greve, as condições sanitárias e de trabalho inadequadas ao curso de odontologia, por exemplo: faltam equipamentos e autoclaves que garantam a devida esterilização do material utilizado nas clínicas. Questionam também a possibilidade dos estudantes concluírem o curso sem a realização efetiva de estágios supervisionados obrigatórios exigidos pelo MEC para obter a graduação em odontologia. Apresentaram tal preocupação diante de arranjos que passaram a ser considerados para garantir a formatura dos alunos mesmo com a greve dos docentes e a impossibilidade de cumprimento de exigências mínimas para desempenho de atividade profissional que implica a saúde das pessoas.
As formas de sucateamento do trabalho docente tornam-se um traço a ser combatido por todos aqueles que se colocam contra o tratamento da educação como mercadoria.
- Uniesp : fraude institucionalizada
Ora, o desrespeito ao que restou da legislação trabalhista no contexto pós-reformas (especialmente Reforma Trabalhista e Lei da Terceirização) é flagrante, assim como a arbitrariedade. A demissão de professores em greve é a síntese do vale-tudo que marca a trajetória do grupo e sua “missão” do negócio da educação.
O uso sempre oportuno que grupos mercantis fazem do EaD e das diferentes formas de sucateamento da formação superior tem sido marca da expansão recente do ensino superior no Brasil. Substituir professores pelo uso de tecnologias aplicadas à educação é o meio em geral utilizado pelas empresas do setor para alavancar seus lucros com o enxugamento de custos e desapropriação do trabalho docente. Isso fica escancarado no caso da Uniesp.
Em que pese as inúmeras ilegalidades praticadas, a instituição em seu comunicado afirma: “Destaca-se que a UNIESP S/A, em nenhum momento, fere qualquer preceito legal” . No marco de suas arbitrariedades, a Uniesp pretende institucionalizar uma suposta legalidade ainda mais letal aos trabalhadores empregados pelo grupo e aos estudantes formados em seus cursos: negligência sumariamente quaisquer parâmetros legais, seja no campo trabalhista ou educacional.
Apesar disso, continua tendo autorização do MEC para emitir diplomas sem o cumprimento de exigências básicas, por isso mantém funcionando a fábrica de certificações vazias, de venda de vagas, de validação de diplomas e de espoliação dos direitos de professores. Mais do mesmo!
Há novidade, contudo, neste cenário modorrento de repetição de práticas fraudulentas da Uniesp S.A.: a resistência e a organização de professores dispostos a dar um “basta!”. Há tempos é preciso denunciar e reagir aos desmandos das empresas de ensino superior privadas que operam certo tipo de autorregulação – com a complacência do MEC e dos órgãos fiscalizadores. Reações aparecem aqui e ali, sacudindo o ambiente confortável em que se estabeleceram os conglomerados da educação privada. Isso não é mais do mesmo.
Andrea L. Harada Sousa, professora, presidente do Sinpro Guarulhos, doutoranda na FE Unicamp, pesquisadora do NETSS (Núcleo de Estudos Trabalho, Saúde e Subjetividade). As reflexões apresentadas neste texto são parte da tese em construção e das experiências e vivências no Sindicato dos Professores e Professoras de Guarulhos.
¹ Uniesp, a escola que é caso de polícia | Exame
² Fábrica de diplomas: PF prende dono da Uniesp/Universidade Brasil por fraude – PORTAL FEPESP