“Estamos montando aqui uma estrutura de guerra, porque nós estamos entendendo que nós estamos sendo abandonados à própria sorte”.
Luiz Costa – Redação UàE – 09/04/2020
Sem qualquer ação por parte do Estado e com as piores condições de vida para sobreviver à pandemia do coronavírus, os moradores da favela de Paraisópolis, na zona sul da capital paulista, começaram a se auto-organizar para garantir sua segurança e conter as infecções.
Os moradores têm enfrentado dificuldades para cumprir o isolamento social na segunda maior favela da cidade de São Paulo, epicentro da pandemia no Brasil. Escassez de itens de proteção, falta de água, pouco espaço e perda de empregos levaram os trabalhadores de Paraisópolis a montarem comitês dos bairros para mapear a comunidade, identificar demandas e promover doações e cuidados médicos.
As condições de moradia, de não acesso à água e aos produtos de higiene são algumas das preocupações dos moradores — condições favoráveis à disseminação de doenças respiratórias.
Em Paraisópolis, a média por casa é de 5 a 7 moradores, o que torna inviável o isolamento de casos suspeitos ou daqueles que, de fato, venham a contrair o vírus.. Além disso, há cerca de 25 mil moradores acima dos 60 anos de idade.
“Como você vai manter uma família com oito pessoas em uma casa de cinco metros quadrados? Com idoso, com criança, tudo junto?”, questiona um dos moradores.
A aparição do Estado na favela é esporádica. Numa das últimas ações do governo, com a intervenção da Polícia Militar no baile funk Dz7, nove pessoas morreram sufocadas e pisoteadas.
“A gente percebeu que o governo não iria lançar nenhum programa específico para as favelas, e nesse sentimento de abandono saiu a construção de um programa que é uma rede de solidariedade entre moradores de Paraisópolis”, explicou Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores.
A ação dos trabalhadores que moram em Paraisópolis já conta com uma equipe de sete pessoas (dois médicos, dois enfermeiros e três socorristas) equipadas com três ambulâncias, sendo uma delas com UTI para remoção dos pacientes mais críticos.
Até o momento, já havia 15 casos confirmados do novo coronavírus na favela, além de sete morte, sendo quatro deles com sintomas de insuficiência respiratória.
A equipe e as ambulâncias foram contratadas pela associação de moradores para sanar a falta de um serviço de resgate eficiente dentro da favela. O custo é de R$ 6 mil por dia. O SAMU, o serviço público de atendimento às urgências pré-hospitalares, não atende a favela do mesmo modo que outros bairros de São Paulo.
“Tivemos um paciente que eles [do SAMU] vieram e se recusaram a tocar nele, apesar de estar com baixa oxigenação e 38,5 ºC de febre. A associação nos acionou e o socorremos. Ele agradeceu por estarmos salvando sua vida”, conta um dos enfermeiros.
Além do atendimento médico, os moradores estão se organizando para fornecer comida às famílias mais vulneráveis. Uma cozinha montada em um centro comunitário prepara diariamente entre 1,5 mil a 1,8 mil marmitas. As marmitas são distribuídas diariamente por duas vans, que oferecem também mantimentos e materiais de higiene.
A organização engloba centenas de moradores. Além dos comitês dos bairros, há cerca de 420 “líderes de ruas” (pessoas voluntárias). Cada um cuida de 50 casas em média e tem a tarefa de monitorar se algum morador tem sintomas da Covid-19 ou precisa de atendimento. Além disso, cabe aos líderes conscientizar os moradores sobre os riscos da doença e ajudar a entregar doações para que a família possa permanecer em casa.
Com essa organização, os moradores buscam cuidar da segurança de seus 100 mil habitantes distribuídos em cerca de 20 mil domicílios.
“Nós estamos nos organizando através dos comitês dos bairros, dos presidentes das ruas, criando uma conexão cada vez mais forte e uma rede de solidariedade entre a nossa comunidade para um proteger o outro”, relatou Gilson.
Os moradores também estão adaptando escolas que neste momento estão sem aulas para abrigar pessoas enfermas numa eventualidade de não ter hospitais, UTIs ou qualquer lugar para ficar. O presidente da união dos moradores ressalta que o espaço seria apenas para acolher emergencialmente os que precisassem, mas que não seria como um hospital.
“Estamos montando aqui uma estrutura de guerra, porque nós estamos entendendo que nós estamos sendo abandonados à própria sorte”.
A favela conta também com uma operadora de celular, a Paraisópolis Celular, que vai distribuir chips aos moradores para facilitar a comunicação. A União dos Moradores pretende com isso mandar informações diretamente por SMS para os trabalhadores da comunidade.
Para ajudar a conscientizar a população, um carro de som passa pela comunidade. Faixas e cartazes têm sido colocados pelos moradores alertando os riscos da doença.
O conjunto de ações faz parte de uma tentativa de organização das favelas independente do governo e do Estado para assegurar a vida da comunidade. As atividades, que podem servir de modelo para outras favelas no Brasil, são promovidas através da União de Moradores e a Associação das Mulheres de Paraisópolis em conjunto com o G10 das Favelas (organização que reúne líderes comunitários das 10 maiores favelas no Brasil).
Os moradores correm para pagar o investimento na equipe médica somado aos custos dos salários das cozinheiras das marmitas, da compra de equipamentos de proteção individual, além da compra de cestas básicas.
A população de Paraisópolis tem financiado essas ações por meio de uma vaquinha online e pela contribuição de comerciantes e moradores. Até a manhã desta quinta-feira (9), havia sido arrecadado 1.223 doações que somam um valor de R$ 273.888,00.