Montagem: UàE.
Nina Matos – Redação Universidade à Esquerda – 11/02/2021
Desde o dia 17 de janeiro de 2021, quando a primeira pessoa no Brasil foi vacinada contra o Covid-19, 4,1 milhões de doses foram aplicadas, sendo cerca de 4 milhões apenas na primeira dose e 49.546 já receberam a segunda dose da vacina.
Em comparação com demais países, as expectativas para uma “imunização de rebanho” no Brasil ainda estão muito distantes. A dificuldade do país na aquisição de insumos para fabricação própria, na negociação de aquisição de novos lotes e na falta de um plano nacional de vacinação levaram que cada estado se responsabilizasse pela gerência da vacinação, com governadores buscando negociar por conta própria com as principais empresas e países detentoras das vacinas e seus insumos.
Dados fornecidos pela Our World in Data, em números absolutos de doses de vacinas administradas, o Brasil encontra-se hoje na sétima posição, sendo superado pelos Emirados Árabes Unidos, Israel, Índia, Reino Unido, China e Estados Unidos. Em compensação, tratando-se de porcentagem da população vacinada, o país ocupa a décima nona posição, com 1,94% da população vacinada.
Doses de vacinas contra COVID-19 administradas, 10 de fevereiro de 2021. Número total de doses de vacinas administradas. Conta-se como uma única dose, e pode não ser igual ao número total de pessoas vacinadas, dependendo do regime de doses específico (por exemplo, pessoas que receberam múltiplas doses). Fonte: dados oficiais coletados por Our World in Data – Última atualização em 11 de fevereiro, 8:40 (horário de Londres).
Doses de vacinas contra COVID-19 administradas a cada 100 pessoas, 10 de fevereiro de 2021. Número total de doses de vacinas administradas a cada 100 pessoas na população total. Conta-se como uma única dose, e pode não ser igual ao número total de pessoas vacinadas, dependendo do regime de doses específico (por exemplo, pessoas que receberam múltiplas doses). Fonte: dados oficiais coletados por Our World in Data – Última atualização em 11 de fevereiro, 8:40 (horário de Londres).
Para além das questões internas da política brasileira, onde o governo federal manteve seu compromisso com o “tratamento preventivo” — composto pela cloroquina e ivermectina — até que a corrida pelas aquisições das vacinas se tornasse um jogo político inevitável, há também países que não apenas adquiriram vacinas suficientes para vacinar toda a sua população, como também estão adquirindo largos estoques.
Os casos mais marcantes são da União Européia (UE) e Canadá. Para a UE, a quantidade de doses adquiridas já é o triplo do total de sua população, isto considerando a aplicação completa da vacina (duas doses). Já no Canadá, a quantia é equivalente ao quíntuplo de sua população.
Entretanto, ter comprado a vacina hoje não significa tê-las em mãos imediatamente. O desenvolvimento atual da indústria tem mostrado não dar conta de tamanha demanda, gerando atrasos e tensões políticas entre os países de capitalismo central.
O Reino Unido e a UE, por exemplo, têm trocado acusações de retenção das vacinas. A própria UE ameaçou a AstraZeneca de bloqueio das suas vendas para demais países caso as datas de seus acordos de vendas com a União não fossem cumpridos.
Vacinação no Brasil
De acordo com os cálculos realizados por microbiologistas brasileiros, se o país continuar com o ritmo atual de vacinação, a chamada imunidade de rebanho só seria atingida após cerca de quatro ou cinco anos. A previsão é que, até o final do primeiro trimestre, apenas um quarto dos grupos prioritários sejam imunizados.
Apesar da possibilidade de fabricação dentro do próprio país, através do Butantã e da Fiocruz, a dificuldade de aquisição dos insumos necessários para a produção das vacinas têm diminuído a quantidade de doses diárias que podem ser aplicadas. A título de comparação, a capacidade de vacinação do Brasil contra a gripe no ano passado foi de 54 milhões de pessoas em cem dias. Atualmente, se seguirmos a média diária da vacinação contra o Covid-19, levaríamos 270 dias para vacinar a mesma quantia de pessoas.
Outras situações também estão provocando atrasos na vacinação. Denúncias de filas sendo furadas em Manaus chegaram a suspender a vacinação por um dia, levando o Ministério Público a abrir investigações em diversos estados para monitorar o atendimento único aos grupos prioritários.
Problemas com o armazenamento das vacinas também têm sido relatados, gerando perda de doses. No Paraná, por exemplo, as doses de um lote separado para a aplicação acabaram congelando — situação na qual a OMS orienta o descarte das vacinas. No Rio de Janeiro, por sua vez, houveram relatos de doses precisarem ser descartadas pois os frascos abertos não puderam ser completamente utilizados no tempo de validade da vacina (seis horas após aberta).
A entrada de capitais privados na vacinação brasileira
Tendo a vacina como promessa para “reaquecer” a economia, capitais privados têm se articulado para garantir a vacinação em seus próprios termos.
Em um primeiro movimento, 12 empresas — Vale, Gerdau, JBS, Oi, Vivo, Ambev, Petrobras, Santander, Itaú, Claro, Whirlpool e ADN Liga — iniciaram um processo de negociação de 33 milhões de doses com a AstraZeneca, mediado pela DASA, empresa do ramo de diagnósticos clínicos.
O acordo que o grupo levou ao Ministério da Saúde, liderado por Eduardo Pazuello, era de que metade dessas doses fossem doadas ao SUS e as demais fossem administradas nos próprios funcionários das empresas, sem serem comercializadas.
A notícia da negociação repercutiu mal e Pazuello recusou a proposta. Em nota, o Santander, o Itaú, a Vivo, a JBS, a Vale e a Ambev negaram estarem participando das negociações. A DASA também comunicou à imprensa que não estava liderando tal negociação.
Entretanto, há outra movimentação dos capitais privados para a aquisição de vacinas, desta vez liderado por Luiza Trajano, presidente da Magazine Luiza. A proposta oferecida ao governo federal é de que o grupo apenas auxilie a compra e a aplicação das vacinas a fim de acelerar o processo.
Antonio Carlos Pipponzi, presidente do conselho da Raia Drogasil, em entrevista à Folha de S. Paulo, declarou que as farmácias poderiam ser utilizadas pelas prefeituras para “distribuição, aplicação, auxílio na vinda de insumos”. Segundo Pipponzi, “temos farmacêuticos e ambiente disponível. É muito prático. É um processo em fase inicial mas que já começa a ser relevante”.
A entrada desses empresários na vacinação não deve ser vista como uma esperança contra o fracasso do programa de vacinação do governo federal, mas justamente seu complemento. A fim de garantir as reformas necessárias para o capital — como a reforma administrativa e o andamento das privatizações — a vacina tem sido usada no jogo político, negociando a saúde da trabalhadora, como fez a classe dominante durante toda a pandemia.