Imagem: Montagem UàE.
Publicado originalmente em Universidade à Esquerda.
Ana Júlia* – Redação UàE – 19/02/2020
Com o ensino remoto “assimilado”, por assim dizer, há um tempo considerável nas Universidades, paira no ar um silêncio ensurdecedor sobre o assunto que antes tomava ao menos uma pequena parte no movimento estudantil. Entretanto, não podemos esquecer que esse momento poderá deixar rastros devastadores nesta instituição, dos quais não podemos nos furtar a investigar, debater e contrapor com um outro futuro.
Se enganam aqueles que imaginam que, após ainda um bom tempo, num belo dia de sol, retornarão aos seus respectivos centros de ensino e o encontrarão da mesma forma que o deixaram, como apenas uma continuação. A universidade mudou e continuará mudando muito rápido; mesmo com o controle da pandemia e uma possibilidade de retorno presencial, o retorno não é uma porta para o passado, mas a entrada em um futuro áspero para estas instituições.
Será um retorno em universidades cujo conhecimento foi sublimado após uma experiência com lógica da distância, o qual que tornou-se apenas um conjunto de artigos esparsos, em que as aulas priorizaram que o aluno tire dúvidas no lugar da construção de debates densos, com opiniões que se confrontam o tempo inteiro; os debates foram transferidos para fóruns de discussão, como no Facebook se discutia em publicações.
Sem que os estudantes se dessem conta, as áreas de conhecimento foram incorporando a lógica e a dinâmica do aprendizado por ensino remoto de forma rasa, aceitando a precarização da educação, a flexibilização das cargas horárias (“faça como der e quando puder”), tornando a relação com o conhecimento e a produção deste cada vez mais estreitamente ligadas com os projetos, que já estavam em curso, da classe dominante.
Um exemplo que ilustra isso é a adoção, de forma muito positiva e rápida, dos atendimentos online nas áreas da saúde; sem que isso fosse debatido de forma ampla com a categoria sobre a qual recaem os efeitos desta decisão, que estrutura uma nova relação de trabalho, inclusive. E, com toda certeza, haverá pressão para que isso permaneça, não é atoa que explodiram os números de plataformas de atendimento oferecidas a esses profissionais com a promessa de atingir e poder ter contato com todo o Brasil.
Ou seja, de repente, quando voltarmos presencial para as aulas, algumas coisas poderão ter mudado a ponto de nós não mais reconhecermos o lugar em que antes passávamos quase o dia inteiro. O papel da universidade é uma dessas coisas, em que a precarização toma por nome a inovação e a universidade já vê muito remota a ideia de que seu papel é transmitir conhecimento científico, artístico e tecnológico dos mais avançados, aqueles que historicamente foram carregados por nossa sociedade.
Entretanto, há formas de combater isso! Uma delas é a possibilidade de que não deixemos o vazio da política instaurar em todos os espaços, que não deixemos o silêncio da incapacidade de significação desse momento dominar sob o discurso de “está tudo muito difícil”. Um discurso que amortiza os estudantes, os jovens, aqueles que esperamos ter mais disposição à criticidade e à luta.
Sim, está tudo muito difícil, logo, o que podemos fazer para quebrar com esse ciclo? Antes da pandemia as coisas estavam fáceis para nossa classe? Era fácil mobilizar?
Não é possível que o sofrimento pequeno-burguês seja tão valioso a ponto de dominar todos os espaços. Esse não é o sofrimento que expressa a situação da nossa classe! Não se sofre “porque está difícil”, “porque não consegue se concentrar”. Nossa classe sofre porque, apesar de difícil, precisa esquecer disso e ir trabalhar, mesmo que seus familiares tenham morrido fazendo exatamente a mesma coisa. Sente o desemprego, o desespero de ir cada dia ao mercado e voltar com menos sacolas, não consegue mais nem comprar feijão. Um sofrimento material.
É preciso deixar de lado essa posição passiva que ronda o movimento estudantil e, principalmente, as entidades estudantis, que creem quase como cristãos ferrenhos que não é possível mobilizar. Bom, face à incapacidade, que cedam o lugar para aqueles que têm capacidade e vontade, pois é ocupar o vazio, em todos os sentidos, que o momento exige, é o futuro da educação que está em jogo.
Temos, portanto, a tarefa, como estudantes de uma das instituições que ainda pode ser crítica, de questionar em nossas salas de aula o que nossas áreas de conhecimento têm produzido sob o nome de “ciência”, criticar a adoção não criteriosa de dinâmicas que constituirão o futuro de uma geração de trabalhadores, indagar os professores sobre suas pesquisas
De forma geral, a tarefa é ocupar as salas de aula, agora virtuais, com debates críticos – já que atualmente tem sido o local de maior encontro – requisitar nesses momentos aqueles autores, escritores, intelectuais de nossas áreas que foram retirados do currículo das universidades por cutucar nas principais feridas das áreas de conhecimento.
Talvez, assim, também indagamos nossos colegas e nós mesmos sobre aquilo que fazemos nos espaços que ocupamos, seja em nossos cursos ou no movimento estudantil. Será que nosso silêncio não abre espaço para que a classe dominante abra a boca e forme cada vez mais gerações de estudantes?
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