Foto: UFSC à esquerda - Assembleia da pós graduação que deflagrou greve em 11 de Setembro de 2019

[Opinião] A necessidade de lutar pelas bolsas na Pós-Graduação

Foto: UFSC à esquerda – Assembleia da Pós-Graduação que deflagrou greve em 11 de Setembro de 2019

Ana Zandoná e Mariana Nascimento* – Mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFSC), atuam na Associação de Pós-Graduandos da UFSC
Redação do UFSC à Esquerda – 07/04/2021

 

Imagem: APG/UFSC- Chamado para reunião ampliada 08/04 (quinta-feira)

Na próxima quinta, dia 08 de abril, a Associação de Pós-Graduandos (APG) da UFSC realizará uma reunião que visa formar uma articulação pelas bolsas de Pós-Graduação na Universidade. O encontro ocorrerá às 19h em plataforma online. O link da sala será disponibilizado através de formulário de divulgação do evento enviado na lista de email da APG. 

A ideia é fruto de um espaço de debate sobre a situação das bolsas, ocorrido em dezembro do ano passado. Naquele momento, estudantes da pós debateram sobre a necessidade de envolver os diversos programas na pauta para que ela pudesse ganhar corpo. Antes do evento, foi realizado um levantamento da situação de bolsas à época, por meio do contato às representações discentes nos programas, com o intuito de melhor dimensionar a situação da UFSC. Foi possível identificar que as bolsas disponibilizadas pela CNPQ já se encontravam bastante defasadas na UFSC e alguns buracos na insuficiência de bolsas eram precariamente supridos por programas estaduais de fomento científico que distribuem recursos públicos tanto para Universidades Públicas, como comunitárias.

No encontro online do ano passado, foram debatidos aspectos da distribuição de bolsas nos programas da Universidade e das políticas nacionais de financiamento. Houve relatos de estudantes sobre a entrada em programas sem perspectiva de recebimento de bolsas, sobre situações nas quais as bolsas eram prometidas em processo seletivo e ao se matricular no programa o estudante se deparava com a inexistência da perspectiva apresentada, dificuldades para mudança de cidade para realizar os estudos e até mesmo da manutenção alimentar em meio à pandemia.

Abordou-se os cortes de bolsas e outras verbas das Universidades Públicas como uma política que já ocorria nos governos petistas e que foi aumentando progressivamente, até que em 2019 tomaram uma maior dimensão, junto às tentativas de censura de críticas realizadas nas Universidades Públicas e levaram à inúmeras mobilizações e atos de rua pelo país, além de fazerem parte da pauta da greve contra o Future-se que ocorreu na UFSC naquele ano.

Nessa toada, a discussão das bolsas nos faz colocar em questão o que significa a inexistência de autonomia da Universidade para receber estes recursos e destiná-los aos programas. Isto porque trata-se de uma política de investimento no desenvolvimento na pesquisa e na ciência brasileira, ou seja, de um elemento basilar da função da Universidade Pública. 

A política de distribuição de bolsas por agências de fomento permite que estas instituições externas apliquem à Universidade critérios de produção que nada tem a ver com as reais necessidades de desenvolvimento de pesquisas científicas. Os termos do produtivismo apenas fazem com que docentes, discentes e programas concorram ferozmente entre si e que a produção acadêmica fique cada vez mais descaracterizada. Estes critérios priorizam a apresentação de  mais “resultados”, mas não se qualifica o debate sobre quais resultados são esses, se de fato apresentam algo novo ou permitem um desenvolvimento científico ligado às necessidades e dilemas da população brasileira. Um sintoma disso são as produções nas quais trabalhos de dissertações e teses são fatiados para que se tornem um amontoado de artigos, pesquisas são realizadas de forma fragmentária, auto plágios acabam se tornando uma constante na busca por crescer os números. 

O atendimento de metas quantitativas predomina sobre as urgências da realidade brasileira, sobre o aspecto que a produção de conhecimento precisaria tomar como prioridade. No momento da maior crise humanitária que assola nosso século, uma das instituições estratégicas para enfrentá-la atua de forma muito debilitada, tentando pesquisar sobre vacinas e o desenvolvimento do vírus em meio às pressões para manutenção de patentes das grandes farmacêuticas e ainda amarrada por falta de recursos e outras limitações que vivemos como país de capitalismo dependente. Nesse cenário temos presenciado exaltações de atuações que envolvem a produção de insumos como face shields e álcool gel e embora elas sejam importantes, são muito pouco perto do que a Universidade poderia e precisaria estar fazendo se houvesse uma política séria de desenvolvimento científico no país. Além disso, tendências que já vinham se expressando há anos, agora tomam um caráter ainda mais aberto, como a desvalorização das ciências humanas e de produções que possuem maior aproximação com o campo crítico.

A ausência de uma política de bolsas que de fato permita aos pesquisadores investir em sua formação e consolidar um campo de estudo em sua área, contribuiu para o aumento do fenômeno conhecido como “fuga de cérebros” entre pesquisadores que realizam pesquisas fundamentais. Tal fenômeno leva-os a só verem perspectiva de carreira em vagas de institutos de pesquisa de países de capitalismo central, assim migram do país e levam consigo toda a formação e conhecimento desenvolvidos até então em nossas Universidades Públicas. É uma enorme perda em termos de patrimônio nacional. 

Esses elementos levam a refletir também sobre o fato de que as instâncias de representação máxima da instituição, a reitoria da Universidade e a Pró-Reitoria de Pós-Graduação, não vão além de constatar e buscar gerir os danos, sem fazer cobranças efetivas ao Ministério da Educação e ao Ministério da Ciência e da Tecnologia sobre os constantes cortes orçamentários e de bolsas. Já as coordenações dos programas e as instâncias colegiadas parecem corroborar com a apatia que toma a Pós-Graduação, sem cobrar as direções da instituição ou buscar fazer articulações entre os programas que busquem enfrentar esse cenário desolador que inviabiliza condições adequadas de formar aqueles que deveriam ocupar os seus lugares no futuro.

Ou seja, para além de políticas instáveis, como ocorre com as bolsas que sofrem ameaças de cortes constantemente ou mesmo com o orçamento total das Instituições de Ensino Superior Públicas, nos enfrentamos também com um obstáculo na forma política com que os quadros da Universidade têm lidado com os efeitos dos cortes e das pressões externas. Pressões essas que vêm desde os órgãos de fomento, grupos empresariais, etc, que encaminham a Universidade brasileira para um aprofundamento da dependência científica e para um produtivismo acadêmico que desrespeita o tempo necessário para a produção de conhecimento desvinculado de interesses externos. A função de quadros, como a figura de um Reitor, não é de mera gestão – ou gestão da crise. Estes cargos deveriam ter um papel intelectual e político profundamente arraigado no compromisso de manter essa instituição viva, deveriam ser ocupados como uma função de direção para pressionar no sentido contrário dos interesses que a desmantela, por isso deveriam estar ao lado da defesa da autonomia das Universidades, seus departamentos e programas de pós-graduação.

Por tudo isto, são necessários espaços abertos às reais possibilidades de enfrentamento dos processos que hoje já apresentam muitos danos à pesquisa brasileira e que se paute o financiamento científico como um instrumento de análise e intervenção em nossos dilemas mais profundos como nação. Isto também envolve um debate e atuação capazes de superar as naturalizações que hoje tomam a UFSC. Para sobreviver e interromper a tendência de cortes e precarizações, a Pós-Graduação precisa firmar um compromisso político em defesa de sua autonomia e em defesa da Universidade, caso contrário estará fadada aos ditames de governos que querem encerrar o seu sentido de existir.

*Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, as posições do Jornal.

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