Projeto Marina da Beira-mar – Fonte: Prefeitura de Florianópolis e escritório ARK7
Helena Lima* – Redação UFSC à Esquerda – 31/10/2021
O centro está lotado de homens, mulheres e crianças vivendo na rua e vendendo qualquer coisa para sobreviver. Multiplicaram ambulantes e pessoas pedindo dinheiro no sinal nos últimos anos, carregando placas: “não tenho comida e tenho filhos em casa”.
É visível a degradação rápida das condições de vida dos trabalhadores em Florianópolis. E não são só aqueles que vivem na rua: a maioria das famílias está com enormes dificuldades de comprar comida no mercado e pagar as contas. No início deste mês, o Procon-SC chegou a proibir a venda de ossos de origem animal em Santa Catarina.
Desde o início da pandemia do Covid-19, Florianópolis foi o município com maior aumento da pobreza no estado. Neste período, subiu de 17,2 mil para 22,4 mil o número de pessoas que vivem com menos de R$89 mensais, um crescimento de mais de 30%.
No mesmo período, a Prefeitura da cidade tratou as ocupações irregulares por moradia como invasão, respondendo com repressão policial, sem apresentar uma alternativa. Muitas vezes, os trabalhadores tiveram suas casas demolidas e a Prefeitura e suas associações parceiras (FloripAmanhã, Floripa Sustentável) trataram do assunto de forma midiática.
Neste cenário aterrador, a política da Prefeitura de Gean Loureiro para a cidade não pretende superar estas contradições, mas escondê-las dos mais abastados, para quem seu projeto é destinado. Apesar de sedutores, as obras desenvolvidas pela PMF são continuidade de uma política de repressão e expulsão dos mais pobres da Ilha.
Aqui, cabem dezenas de intervenções: Centro Sapiens, Centro Leste, Marina Beira-mar, Adote uma Praça, Rota de Inovação, Distrito 48, venda do aterro da Baía Sul, Floripa Airport etc.
Para ilustrar a situação, algumas áreas que anteriormente eram povoadas por sem-teto são hoje usadas apenas por donos de cachorro, como as praças “adotadas” por empresas privadas no centro. Enquanto em certos lugares existe uma aparência de que a pobreza diminui, na verdade as condições de vida só pioram nas margens da cidade, regiões sem visibilidade e distantes do centro.
O que explicita essa realidade é a presença massiva da Guarda Municipal e da Polícia Militar nas regiões “revitalizadas” do centro: na região próxima à Beira-mar Norte, na Hercílio Luz e no Centro Leste. O policiamento, normalmente, funciona para causar pânico em um grupo social e tranquilizar outro. Quando as tensões entre a cidade prevista pela Prefeitura, a cidade aburguesada, e a cidade real, permeada de contradições de classe, se intensificam, o policiamento também serve para reprimir usos diversos e expulsar a população mais pobre.
Como regra geral, trata-se de um plano que não visa qualificar o espaço público, mas modificar seu uso e seus ocupantes. Esta estratégia de convencimento, que tem funcionado com a população de Florianópolis, se utiliza de imagens e desenhos de arquitetura para a idealização de um projeto político. Com isto, faz parecer que as mudanças são medidas universais de interesse público, quando na verdade atendem a um grupo particular.
Cria-se, assim, um espaço público permeado de privilégios: por conta do policiamento e dos altos preços, existe um filtro constante de quem pode fruir das obras financiadas pelo fundo público. Enquanto isso, os problemas reais da cidade, como habitação e mobilidade, nunca são resolvidos. A prioridade desta política é a criação de uma rota que está constantemente driblando as contradições existentes na cidade, oferecendo, para parte da população, um espaço ilusório livre de conflitos de classe.
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