Artur Gomes de Souza – para UFSC à Esquerda – 06/03/2023
Um convite a um passeio pela ilha da magia, com música de fundo e imagens cotidianas.
Logo cedo, no caminho para o trabalho a primeira fila no ponto de ônibus que ao entrar nos mostra que o
Espaço é curto quase um curral
Na mochila amassada uma vidinha abafada
Meu troco é pouco, é quase nada (https://www.youtube.com/watch?v=z4x1uNCQqtk)
Em meio às trocas de ônibus em terminais e rotas que parecem querer postergar a chegada no destino… Mas, como o dia começa um pouco mais fresco, em alguns lapsos do caminho é possível ler nos ônibus, biarticulados, mais novos, e com melhores amortecedores. Da baldeação vamos aos ônibus menores e mais antigos, nesses a leitura cede espaço para o equilíbrio em meio ao navio em mar agitado. Os pulos são frequentes e para quem não sabia, logo descobre para que servem os ferros do banco da frente, eles ajudam a manter o corpo no pequeno espaço do banco, mesmo que “por aqui não tem jeito. Todo mundo se encosta”.
Depois de uma longa jornada o retorno.
A cidade está à venda, compra quem pode
Para chegar ao ponto de ônibus, mais poeira e mudanças em obras que começam sem ter sentido e que não terminam não se sabe porquê. Ao sair da Servidão Três Marias, vemos a diferença em ritmo acelerado. A prioridade da segurança dos pedestres foi posta à venda. Há quatro meses a obra parecia que aumentaria o trecho de ciclovias, mas depois desse tempo as ilusões com alguma melhoria se foram. Para quem depende de seus pés e do transporte coletivo para a labuta cotidiana restou o gosto amargo da raiva.
No canto direito da foto há um ponto de ônibus, agora espremido pelo asfalto que quase toca os passageiros que aguardam sua minhoca de metal para voltar à casa. Vemos um pai disputar o asfalto com os carros ao levar seu filho em seu carrinho. Esse ponto de ônibus é o mais próximo das unidades educativas; Escola Básica Municipal Professora Herondina Medeiros Zeferino, EBM Neuza Paula da Silveira (que juntas somam mais de 2500 alunos) e do Neim Ingleses I (com aproximadamente 500 crianças de 0 a seis anos).
Para priorizar os carros o prefeito tirou a lomba faixa, na semana seguinte tirou também as ciclovias que disputavam o espaço com a calçada dos pedestres, na outra foi embora toda a calçada. O ponto de ônibus ficou espremido em meio ao asfalto. Os caminhões tiram fino dos pais levando seus filhos ainda tão pequenos que vão em carrinhos de bebê. Os cadeirantes para esse prefeito precisam ficar em casa, haja vista não ter sobrado espaço para rodinhas na calçada que não mais existe.
Isso mostra como a ideologia tem base material. O americanismo, um carro para cada pessoa, o carro como conquista da liberdade e a venda de tudo. A cidade está à venda? O Plano Diretor deve ser votado em breve e a retirada de uma ciclovia e calçada de um ponto central do bairro dos ingleses mostra quem pode e quem sofre. A disputa é desigual!
Como diria o poeta Felipe Pessoa
Edificou-se a tristeza concretando ideais
O gosto humano por praças verdes calmante se vai
Desgosto humano sem praça empilhado em gaiolas verticais
Se vai, alma se vai
Em Florianópolis quem manda anda de carro ou iate. Quem depende de ônibus têm o tempo roubado nos deslocamentos e sente-se boi no curral humano dos terminais de ônibus. No TICAN (Terminal de Integração de Canasvieiras) as filas gigantescas impedem a caminhada apressada para tentar pegar a conexão de outro ônibus. As minhocas de metal veem lentas, são muitas pessoas para entrar em cada ponto e poucos ônibus para levar tanta gente trabalhar. As linhas são pensadas para aumentar o lucro de alguns capitalistas do transporte e não há um ônibus direto de canasvieiras até a trindade. Enquanto os trabalhadores viajam pela via lateral da SC-401, parando a cada tanto, o trânsito dos carros flui pela principal. Logo todos param porque um motoqueiro está caído no asfalto. Pouco depois o ônibus para novamente e dá espaço para passar a ambulância de mais um trabalhador acidentado.
O cheiro pela manhã é forte no ônibus, da comida na mochila, do suor de quem precisa, mas não consegue tomar um banho, do bafo e da agonia em ver as janelas pequenas para a circulação do ar entre tanta gente. É um ambiente insalubre!
No meio do caos eis que surge o imponente sol que se põe lindo e toca o mar. Há algo de belo e a vida vale a pena. Que essa raiva seja coletiva e consiga mudar o que nos desumaniza.
Termino com as esperanças do poeta local que sintetiza o misto de sentimentos de quem sofre as agruras de esquecer que é humano e ao ver a bela paisagem no final do passeio por ônibus e com a barriga doendo de fome e as costas cansadas de tanto sacolejar lembra que há mais, que nas belezas desse
[…] pôr do sol que presenteia,
Dorme no mar com a lua cheia
Para um novo amanhã