PROCEDIMENTOS DE ALIENAÇÃO E AUTOFAGIA DISCIPLINADA: RELATO DE UM DOCENTE EM GREVE!

Por Issakar Lima Souza

Nossa percepção é ofuscada por atividades notariais resultantes do cada vez mais crescente número de regras que inventamos e, não poucas vezes, achamos que precisamos (re)inventar. Usamos nossa energia para evoluir em uma carreira que muitos de nós nem sabe que, desde março deste ano, inexiste. Imersos em preenchimento de papéis, novas planilhas e tabelas inúteis, como o PAAD, por exemplo, perdemos nosso precioso tempo e arriscamos nossa saúde e boa convivência em nome do funcionamento do cartório universitário, referendado por nós mesmos, nossas pró-reitorias, e o que denominamos de “sistemas” (como se fossem verdadeiras deidades).
Os tecnocratas do MEC e MCT sabem e apostam cegamente em nossa desmedida e irracional vaidade acadêmica, nos permitindo o exercício de uma autofagia em nome da sagrada “competitividade”, que seguramente nem resulta em melhores remunerações, nem nos torna melhores cidadãos (ao contrário), nem nos garante melhores índices de citações dos nossos artigos.
Como se já não bastassem as recorrentes trapaças do Governo Federal, “criando” novos cargos e ‘topos de carreira’ para, por exemplo, isentar ganhos aos nossos colegas aposentados, nós mesmos, por conta própria e cegos pela nossa vaidade, vamos inventando desvairadamente regras cada vez mais duras e desumanas para nossa ascensão/progressão (de ativos), dentro de nossas próprias Unidades, tomando por base, por exemplo, produções acadêmicas que requerem o exercício de mais de 8 horas de dedicação diária. Assim, o que denominamos requintadamente  de Excelência Acadêmica nasce descaradamente de um processo tosco de servidão voluntária, premiando “os que se sacrificam pela ciência” e condenando automaticamente os “demais”.
Em nome de nossa hipócrita e irracional dedicação, vamos acumulando pontinhos a partir de projetos de extensão para lá de suspeitos. Nos autoconvencemos que compomos um tripé institucional, só porque criamos um “sistema” que aceita um montão de outras atividades, e um ‘bobajol’, como se fossem extensão universitária.
Não somos…, como é que eu poderia dizer…,  …tão monstros assim. Somos passivos, alegres, felizes por não sermos uma categoria de trabalhadores comuns – somos professores universitários, letrados, concursados, cheio de saberes. Fazemos parte de uma autarquia, com autonomia até mesmo para o suicídio, se assim decidirmos (e não estamos longe disso). Somos a elite pensante desse país. Às vezes somos paraninfos, somos homenageados, amigos dos estudantes, comentados nas rodas dos pares. Nossas indumentárias e portas possuem siglas (MSc ou Dr ou PhD…). Alguns de nós até ganhamos anéis de promoção em fraternidades de “senhores de bem”. Somos arautos das Sociedades Científicas desse país. Fazemos parte das Academias de Ciências, Artes, Letras etc. Produzimos conhecimento e publicamos nossas descobertas, e a de nossos estudantes. Somos seres pensantes.
Enfim, somos muito “felizes”. Por isso temos dificuldades de aderir a uma greve nacional…

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