Jonathan F.* – Redação UàE – 25/05/2018
Nesta semana estamos sentimos o poder de uma paralisação relacionada a um setor ligado diretamente a produção e circulação de capital, das 6 horas da manhã do dia 21 até a manhã de hoje¹, vimos uma crescente escassez de produtos juntamente com a falta de combustível nos postos que paralisava pouco a pouco toda a produção no país.
A “eficiente produção flexível”, baseada em um pouco porém rotativo estoque, que leva a uma altíssima produtividade, sentiu imediatamente a greve e em menos de 4 dias a produção de setores chaves como a indústria automobilística já estava com seus parques parados. Ao que tudo indicava estávamos vivenciando uma Greve Geral forçada. Mas o que realmente está em jogo nessa greve? Em um exercício para entender um pouco este processo é necessário “pincelarmos” um breve panorama sobre as condições que se instaurou este cenário.
O que está acontecendo com o preços dos combustíveis?
Desde de outubro de 2016, a Petrobras realizou uma mudança em sua política de preços. Com o argumento de se tornar mais competitiva e fazer frente ao mercado externo, foi adotada a paridade dos preços internacionais dos combustíveis com base no dólar. Além disso a atualização dos preços passa ser diária seguindo o próprio mercado internacional.
Com este discurso de aumento da competitividade da Petrobras, seguindo a cartilha liberal, perdemos a possibilidade de atuar estrategicamente em prol do desenvolvimento do país passamos a “surfar” na onda do mercado internacional ficando a mercê de seus interesses. Com isso, em 2017 houve um aumento de 82% na importação de gasolina e 67% do diesel.
É neste cenário que vemos uma escalada dos preços dos combustíveis, desde o início desta política de preços houve um aumento de 58,76% na gasolina e 59,32% no diesel comercializado nas refinarias.
A adoção das novas políticas de preços está alinhada com o processo de privatização deste setor e da própria Petrobras. Essas medidas adotadas nos impele a assumirmos o papel de um mero produtor de petróleo bruto enquanto uma commodity. Com isso quem está pagando a conta por essas políticas acaba sendo todos os trabalhadores em prol do lucro das empresas deste ramo.
Desonerar os impostos sobre os combustíveis, assim como toda a cadeia energética é algo desejável pelo governo Temer, já que na onda de privatizações do setor energético significa desonerar e fortalecer os setores do capital envolvidos nessas aquisições. Segundo o próprio Ministro de Minas e Energia Moreira Franco:
“Chegou a hora de a sociedade debater a carga tributária que recai sobre os combustíveis. A decisão do governo federal de zerar a Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (Cide), que incide sobre o diesel, significa mais do que uma redução de R$ 0,05 no preço ou uma resposta ao movimento grevista dos caminhoneiros. O que estamos propondo é um esforço nacional para desonerar a cadeia energética.”²
O que esta greve representa?
Em primeiro lugar é necessário buscarmos entender qual é o caráter desta greve. Um bom ponto de partida é analisarmos a nota da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (ABCAM), esta entidade representa em torno de 600 mil desta categoria que está estimada em 1 milhão de trabalhadores. Nesta nota surge como pautas:
- A redução da carga tributária incidente sobre operações com óleo diesel a 0 (zero), sendo elas as alíquotas da contribuição para PIS/PASEP – e Confins – incidentes sobre a receita bruta de venda no mercado interno de óleo diesel a ser utilizado pelo transportador autônomo de cargas.
- E torne isentas da contribuição de intervenção no domínio econômico — cide, incidente sobre a receita bruta de venda no mercado interno de óleo diesel a ser utilizado pelo transportador autônomo de cargas.
Além dessas reivindicações a Abcam toma uma posição meramente contra o imposto evitando de travar os debates necessários para contextualizar a atual situação de extrema precarização e riscos que compõem a realidade dos caminhoneiros. Ou seja, as reivindicações estão no campo do liberalismo.
A mera isenção de impostos gera uma defasagem na arrecadação do Estado, neste caso a arrecadação prevista com a cobrança do PIS e do Cofins estava prevista para ser em torno de R$ 10,4 bilhões neste ano. Ou seja, a despesa será dividida por todos trabalhadores que terão menos recursos para as áreas sociais.
Também vale lembrar que essa é uma quantia ínfima se compararmos as isenções fiscais e as dívidas perdoadas aos bancos privados e empresários. Mas o debate da reforma tributária passou longe reafirmando valores ligados ao uma via liberal de pseudo superação dos problemas. Neste sentido não foi uma greve que apontava para um avanço das condições de vida da classe trabalhadora.
Esta categoria em outros momentos também adotou uma postura conservadora ao fazer paralisações contra a corrupção, também em um caráter liberal, apoiados por setores do agronegócio pró-golpe em 2016. Mesmo assim não podemos cair em simplificações colocando esta categoria como inimiga da classe trabalhadora, pelo contrário, esta categoria é fundamental para o avanço das lutas contra o capital. Em outros momentos históricos, setores relacionados a circulação dos produtos foram fundamentais nos processos revolucionários.
Justamente por ser estratégica, as disputas pela direção das entidades e da categoria como um todo perpassa por travar um embate ferrenho com os setores patronais que dirigem as entidades relacionadas a esta categoria. A ausência de um processo de mobilização e disputa dos debates acerca dos problemas do país garantem um campo tranquilo para a consolidação de uma leitura liberal sobre os problemas nacionais. A prova disso foi a força e a adesão da categoria à greve e especialmente a força da ABCAM em sua direção.
Por que é necessário defender a greve?
Apesar dos elementos colocados até agora, é na análise das contradições desse processo que podemos identificar alguns vetores da atual luta de classes no país. Certamente com a possível vitória, mesmo com viés em que está, mostra a todas e todos a potência de uma greve com grande adesão de um setor relacionado diretamente a produção e circulação de capital. Por mais que as pautas não estavam orbitando diretamente no campo da esquerda, o que testemunhamos foi a luta de milhares de trabalhadores que não suportam mais as condições de vida a que estão submetidos.
Mesmo sendo reflexo de uma luta intra capital, mostra a fragilidade dos setores patronais em lidar com as alternativas da crise que estão na mesa. Esta greve representa as fissuras da classe burguesa chegando ao ponto destes comporem junto aos setores da classe trabalhadora para lutar por seus interesses. Na história sabemos o quão explosivo pode ser a entrada dos trabalhadores como fiel da balança dessas disputas.
Apesar dos termos em que a greve começou, seu sentido ainda está em disputa. Cabe a nós trabalhadores nos solidarizamos com esta pauta e tencionamos uma guinada à esquerda. Alguns sindicatos já sinalizam greves em solidariedade, o tensionamento para uma greve geral certamente é uma força que pode alterar o sentido desse movimento. Por outro lado, também vemos uma atuação da extrema direita em capitanear o sentido dessa mobilização, setores ligado ao pré-candidato Jair Bolsonaro e a um intervenção militar também estão prestando apoio a greve.
O que podemos aprender com esta greve é que a luta de classes está se abrindo cada vez mais, o futuro de degeneração das relações de trabalho e, consequentemente, de nossas vidas leva ao crescente acirramento dessas lutas. Os trabalhadores e trabalhadoras continuarão buscando alternativas para resolver seus problemas. Certamente este movimento fragiliza o governo Temer e abre possibilidades de tensionamento de outros setores da sociedade. Cabe a nós socialistas criarmos coletivamente os caminhos para que estas lutas conduzam à emancipação da classe operária.
*O texto é de inteira responsabilidade do(s) autor(es) e pode não refletir a opinião do Jornal.
¹ Houve uma sinalização que todos os pontos serão atendidos, no entanto, ainda há uma parcela dos trabalhadores que estão dispostos a manter a greve até a aprovação da isenção dos impostos no senado. Veja sobre: https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2018/05/25/governo-anuncia-tregua-apos-dia-tenso-mas-fim-da-greve-de-caminhoneiros-e-duvida.htm
² Acesse: https://www.mdb.org.br/artigos/nao-e-apenas-pelos-r-005/