[Opinião] De junho de 2013 aos dias atuais: a esquerda e o medo das contradições

Clara Fernandez* – Redação UàE – 11/06/2018

Faz 5 anos que um dos maiores levantes da história desse país iniciava. Um levante que começou com a pauta contra o aumento da tarifa e que foi se ampliando em corpos, vozes e demandas. O grito de guerra virou “Não é só por 20 centavos!”. E não era mesmo, era demanda por saúde, educação, moradia, mobilidade e outros direitos com qualidade padrão fifa, era pedido que os serviços básicos tivessem a mesma atenção e investimento que os megaeventos. Mas além de tudo isso, era também um rompimento com a ordem estabelecida. A partir daquele momento a política no país não se reencontraria mais com a “paz social”, não era mais possível estabelecer uma dinâmica de conciliação.

E quando se rompe com o véu de ilusões, as contradições são gritantes e duras de enfrentar, todos estavam e ainda estão indignados com as condições de vida no país e a responsabilização da esquerda é inevitável, afinal o PT foi o projeto de esquerda prometido ao país, ainda que pudessem haver outros. Mesmo que uma série programas sociais tivessem se desenvolvido, as ocupações militares nas favelas, as remoções de populações para dar espaços a estádios e usinas hidrelétricas, a não integralização da implementação dos direitos sociais, entre outros sintomas sociais, demonstravam que algo estava errado.

O desvio de recursos públicos visando inflar o crescimento de setores muito específicos da economia “nacional”, os acordões por cima e a ilusão de que esse era o horizonte capaz de nos retirar da nossa condição de país de economia dependente não são o tipo de traição da qual se possa passar batido pelo crivo da história. Não quando a promessa era de emancipação dos trabalhadores, mas o que se viu foi uma melhora gradual das condições de vida com  prazo de validade. Enquanto isso, o enriquecimento do empresariado nunca foi colocado em risco, em nenhum desses momentos. A esquerda foi rechaçada nas ruas porque não podia mais sustentar a política econômica do projeto de conciliação. Mas antes disso, não teria sido a classe trabalhadora rechaçada por esse projeto de esquerda?

Ainda que Dilma e Lula não tenham sido condenados por nada disso, mas sim por uma série de acusações obsoletas e sem provas, ou seja, tenham sido tratados em termos que nada abalam as estruturas da classe dominante, há quem culpe Junho de 2013 por todos os males conseguintes que vivemos, como se fosse a revolta que possibilitasse à classe dominante estabelecer suas formas políticas mais perversas. Para esses, é preciso lembrar que tudo do que vimos nos episódios seguintes da história nacional, teve seu terreno preparado pela própria política de conciliação.

Há quem diga que o Junho de 2013 virou uma briga entre “coxinhas” e “petralhas” que se estende até hoje, mas há outras formas de compreender tal rompimento. Quem levou e ainda leva consigo a bandeira verde amarela para rua é necessariamente “classe média privilegiado”? Necessariamente quer Bolsonaro no poder? E quem defendeu o direito de levar a bandeira vermelha é necessariamente um petista?

Estas são perguntas que nunca podem ser respondidas de forma totalizante, a única coisa da qual se pode ter certeza através delas é que os extremos voltaram a ganhar espaço na política. E quando eles voltam à cena, não é porque repentinamente surgiram, mas porque sempre estiveram lá ainda que se tentasse acobertá-los. Esses extremos não são uma demanda da classe trabalhadora, eles nos são impostos por aqueles que nos colocam em uma guerra ainda que nós não queiramos estar nela.

Há poucos dias de Junho de 2013 completar 5 anos, uma greve de caminhoneiros foi capaz de parar o país, com uma abrangência muito superior a qualquer um dos chamados das centrais sindicais para greve geral no ano passado. Enquanto a esquerda majoritariamente só sabia gerar desconfiança sobre o movimento, este aos poucos foi mostrando como os patrões e o pedido por intervenção militar não eram necessariamente a sua faceta. Ainda assim, o papel que CUT e CTB se prestaram, foi o de se dispor a “auxiliar o governo nas negociações”. No seu limite, essas centrais e a intersindical foram às ruas para fazer um ato para si mesmas, que não conseguia falar com ninguém mais além daqueles que fossem capaz de levar e compreender as suas pautas e bandeiras, se escondendo atrás da greve dos petroleiros para tentar não ser cobrada por sua traição à classe.

Uma esquerda que tem medo de povo e de suas contradições, se coloca justamente no lugar em que acusa esses trabalhadores de estar: o lugar da intolerância. Uma esquerda que só sabe falar para si mesma não serve para a nossa classe, pois nunca será capaz de verdadeiramente se comprometer com uma transformação social profunda. É possível fazer uma esquerda diferente dessa e há mais espaço para estas na rua e ao lado dos trabalhadores do que a imaginação política de muitos permite acreditar.

*O texto é de inteira responsabilidade do autor e pode não refletir a opinião do Jornal.

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