Thiago Zandoná* – Redação UàE – 30/06/2018
O movimento estudantil universitário está arrefecido. Seu enfraquecimento aparece no seu afastamento cada vez maior das lutas e pautas que permeiam os estudantes e a sociedade. Esse cenário, resultado de anos de políticas conciliatórias, evidencia seu lado mais contraproducente justamente nos momentos de crise, em que a população demanda por alternativas e a categoria discente não se faz presente.
O arrefecimento do movimento estudantil parece ser resultado, fundamentalmente, da última década de conciliação e mediação de questões sociais pela via direta do Estado. No caso específico dos estudantes das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), o amortecimento das lutas reivindicatórias surgiu através das políticas de assistência estudantil criadas nos anos de governo do Partido dos Trabalhadores.
A história está repleta de exemplos que mostram o papel de destaque que cumpriu os estudantes em determinadas épocas. Com ascenso nos anos 90, decorrentes de fatores como o aumento substancial no valor da matrícula das universidades privadas, o movimento estudantil protagonizou diversas lutas universitárias e sociais. Foi marcante a interação dos estudantes universitários com as questões que emergiam no contexto social na década de 90 e início dos anos 2000.
A exemplo disso, em 2004, os estudantes universitários de Florianópolis – principalmente da UFSC – protagonizaram a luta pelo passe livre que culminou na conhecida Revolta da Catraca, mobilização que ganhou destaque e incentivou diversas mobilizações acerca do transporte público em todo o Brasil.
Nos últimos dez anos, entretanto, o movimento, que até então atuava de forma ativa, começou a arrefecer e se descolar dos grandes embates sociais. A novidade nessa época foi a implantação do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), criado em 2008 – primeiro através da portaria normativa 39/2007, pelo então ministro da educação Fernando Haddad; depois, em 2010, com o Decreto nº 7.234.
O PNAES surgiu como proposta para apoiar a permanência de estudantes de baixa renda matriculados em cursos de graduação presencial das Ifes. O Plano é executado pelo Ministério da Educação (MEC), que repassa às Ifes o recurso destinado propriamente aos programas de assistência da Instituição.
O que aparece primeiramente como uma garantia, pela mão do governo, de investimento na permanência estudantil, custa, em contrapartida, uma perda de autonomia universitária, que agora não mais tem liberdade para pensar seu projeto de universidade, de gestão dos recursos, de formas de investimento e etc. Enrijecendo e generalizando a forma de atuar de todas as federais, a perda de soberania destas se evidencia danosa quando aquele, que agora tem o domínio das formas de investimento nas instituições (o Estado), sufoca ao máximo os recursos destinados a tal fim.
Com a implantação do PNAES, os recursos passam a ser definidos por Lei-Decreto. São repassados às Instituições Federais que distribuem, conforme índice socioeconômico dos estudantes, através de bolsas de assistência, moradia, refeição, etc. Não há, nesse esquema completamente configurado, possibilidade de grandes mudança quanto a forma de gerir tais recursos, de pensar a permanência e de elaborar uma política de desenvolvimento científico realmente comprometida socialmente.
Sem que seja resultado de elaboração e luta política, a concessão feita via PNAES aparece como amortecimento das lutas reivindicatórias. Se uma ação política é aquela que busca mudança na estrutura do poder, a política assistencialista é a confirmação do poder. Desvinculada da elaboração popular, a mera resolução de problemas confirma que é apenas por intermédio de quem está no poder que se pode conseguir a resposta para nossas reivindicações, retirando, portanto, o poder da ação e criação social.
A educação de que o Estado lhe dá aquilo que lhe necessita é também a deseducação da ação popular; de tomarmos ações, por conta própria, perante as circunstâncias que nos são impostas. Limitando assim a ação, bloqueando a imaginação e retirando um histórico de lutas. Nenhuma outra ação, para aquilo que está dado, parece ser mais possível, pois se apaga da memória a produção de alternativas e, com isso, exclui-se a transformação do horizonte. Entrasse no jogo de escolher o menos pior.
Quando pensamos o papel da Universidade – como a instituição social capaz de produzir o conhecimento científico, artístico e filosófico em seu mais alto nível a fim de responder às demandas sociais – a realização de tal tarefa não deveria ser ancorada numa política de assistência, mas numa política de produção de conhecimento.
A mera assistência estudantil está limitada a “beneficiar” alguns estudantes pobres a se formarem no ensino superior. Tal política está confinada ao empreendimento ilusório de ascensão social. Quando, na verdade, a pesquisa e o conhecimento que aqui são desenvolvidos continuam completamente elitizados, desvinculados das demandas sociais. Portanto, o “benefício” de se formar (muitas vezes debilmente) não basta. É preciso pensar numa política de produção de conhecimento realmente renovada, que dê condições para que todos os sujeitos presentes na instituição possam usufruir da mesma e participar integralmente da aprendizagem e da produção científica e tecnológica.
Além disso, o discurso de que estudantes economicamente vulneráveis necessitam de assistência sustenta a ideia de que é cabível às universidades cobrar mensalidade daqueles que têm poder aquisitivo para tal. Discurso esse que sustenta, no plano de fundo, a proposta de privatização das universidades, acabando de vez com a potencialidade que esta tem.
O cenário atual comprova a debilidade resultante da falta de autonomia universitária. Atualmente, não é mais possível disputar pela assistência estudantil, pois vinculada a uma política nacional, qualquer mudança, exigência de mais recurso, etc, passa apenas pelo intermédio dos reitores das IFES com o Ministério da Educação. Pouco tem a ser reivindicado com a gestão da universidade, quando o recurso vem predestinado diretamente do Estado.
A vantagem ilusória de ter garantido, por cima, a assistência estudantil mostra a fragilidade da perda de autonomia, ficando a bel-prazer do Estado qualquer mudança nas políticas da educação.
Isso se ressalta atualmente por conta da aprovação da Emenda Constitucional 95, em 2016, que praticamente congela as políticas públicas voltadas para a sociedade. O corte de verba é brutal. O recurso para investimento nas universidades públicas é de ⅓ do que era em 2014. Falta recurso nas universidades para manter serviços básicos, como as funções prestadas pelos Restaurantes Universitários.
Reflexo disso são as diversas mobilizações que ocorrem nas universidades públicas em todo o lugar. Demissão de funcionários e elevação no valor das refeições servidas pelos restaurantes universitários (RUs) são fatores que levaram a diversas mobilizações, greves e ocupações em universidades por todo o país somente neste ano. Exemplo disso é a greve dos terceirizados na Universidade de Brasília e o aumento de 500% no RU da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).
As 63 universidades federais espalhadas pelo Brasil, com mais de 300 campins, são responsáveis por 90% da produção científica do país. A renda de ⅔ dos estudantes das Ifes (cerca de 800 mil alunos) é igual ou menor a 1,5 salário mínimo.
A política do PNAES solapou a radicalidade do movimento estudantil. O movimento deixa de pensar alternativas profundas com “ganhos” amortecedores como esse. Perde-se uma história de movimentos reivindicatórios, como as paralisações, greves e ocupações.
O movimento estudantil que antes ainda preservava uma solidarização social – seja com os movimentos da terra (da via campesina, como MST, MAB, etc) ou com lutas da cidade, como a luta pela tarifa zero – atualmente atua limitado a dinâmica corporativista, umbilical. Não disputa o direcionamento dos debates no Brasil, perde a capacidade de contribuir com qualquer coisa.
Essa característica dinâmica, de formular, disputar e inovar, que aparece rarefeita no movimento estudantil universitário, mantém-se preservada dentre os secundaristas, que demonstraram a capacidade de um setor dinâmico, com a grande onda de ocupações de escolas em todo o país.
Pautas importantes como a expansão de vagas nas universidades públicas deixou de estar em pauta nos movimentos estudantis universitários. Enquanto isso, só em 2017, foram destinados cerca de 50 bilhões aos capitais privados, via FIES. Atualmente, ⅓ das matrículas privadas é financiada pelo Fundo de Financiamento Estudantil (FIES). Estima-se que o recurso utilizado para isenção de cursos em universidades privadas pelo Programa Universidade para Todos (PROUNI), poderia aumentar cerca de 20% das matrículas nas instituições públicas.
As universidades privadas, com pouquíssimas exceções, não produzem nada de ciência. Porém, uma boa fatia do recurso público é destinado para esses setores privados, ao invés de estimular as universidades públicas. Esse é apenas um exemplo de pauta relevante que não está presente nas formulações estudantis.
Além dessa, pautas como RU, bolsas estudantis, moradia e tarifa de ônibus passam longe das mobilizações do Centros Acadêmicos, voltados quase que exclusivamente para as pautas referentes ao próprio curso.
Sob o histórico de formulações e atuações que marcam a categoria estudantil, faz-se necessário analisar as consequências dos anos conciliatórios para voltar a estar presente nas formulações cruciais que nos cercam.
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