[Debate] Para além destes muros

F. B. Velho* – Redação UàE – 17/08/2018

O Trote Integrado conseguiu, finalmente, fechar a UFSC. Levantou barreiras de metal em volta de toda a Praça da Cidadania. E o fez com declarado apoio da Reitoria, da Deseg e do Centro Tecnológico.

Não consigo acreditar que ninguém sente que tem algo profundamente errado acontecendo. A praça central da universidade, concebida para ser nosso espaço de encontro, o lugar de convergência da comunidade universitária com a comunidade externa, é encerrada com tapumes de dois metros de altura.

A mensagem está explícita nessas barreiras. Que se verbalize, de uma vez, que é pra expulsar da universidade pública aquelas “pessoas de fora”, os trabalhadores que moram nos morros, que se diga que eles não são bem vindos e que aqui não têm lugar!

Bem a Universidade, que deveria ser um centro de dinamização da cultura e da arte. É justo o contrário que acontece. Nesse “interregno” continuado de repressão das festas, é sempre um desgaste organizar atividades culturais na universidade.

Não são só os HHs que estão sendo barrados. Alguém ainda se lembra do Ufsctock, que enchia a universidade de vida? Um festival de música independente que reunia muita gente, vinham até os secundaristas. Nesse junho, teve ameaça para acabar com o Geosamba. As festas tradicionais de recepção dos calouros, que eram feitas dentro do campus, agora estão acontecendo em espaços alugados. É um enorme desgaste cada vez que os CAs vão organizar alguma coisa. O receio constante da segurança do campus aparecer e acabar com tudo, ou mesmo de ela chamar a polícia.

A UFSC já tem toque de recolher. Acabou a aula, vai pra casa.

Mesmo a Concha Acústica, que era lugar privilegiado pras atividades durante o dia, também foi posta abaixo. Era um espaço importante de reunião do movimento estudantil.

Não dá pra subestimar quanto nos custou perder não só a principal fonte de recursos dos CAs, mas também os momentos comuns de integração entre os Cursos, que eram os que, para além dos eventos acadêmicos, reuniam os estudantes no campus.

Contudo, pro Trote, que coloca cercas e cobra entrada, a Reitoria falou “manda ver!”. O Trote Integrado é, com todas as letras, uma festa privada. Já vinha fechando o espaço público da universidade com o cercado metálico de contenção; mas, neste ano, optou-se pelos tapumes, que barram inclusive o olhar de dentro e de fora.

As festas organizadas pelos estudantes têm tomado um rumo muito diverso daqueles momentos de integração no campus. De um tempo pra cá, consolidou-se o formato das grandes festas. Alugam-se as maiores casas de show da cidade para realizar festas com públicos de 3000, 5000 pessoas.

Os ingressos pras grandes festas não têm preço de estudante. Não é todo mundo que pode pagar 50, 60, 80 reais pra ir numa festa. Aí surgiram as formas de trabalho para dispensar o ingresso, que transformam os/as estudantes em garotos/as propaganda da festa. Criaram até funções fiscais que supervisionam o trabalho.

Delas se extrai um lucro gigantesco, desproporcional às necessidades do movimento estudantil de realização de eventos e custeio das passagens de palestrantes. Na realidade, mesmo essas funções são secundárias. As comissões organizadoras dessas festas se destacaram das bases do CAs e se tornaram verdadeiras equipes de produção e marketing.

A relação que se estabelece entre os que vão pra festa e os que participam da organização é altamente clientelista. O sentido original de festas no campus, de integração e de construção coletiva, foi apagado, e tomou seu lugar a venda alucinada de um produto. As grandes festas são um grande negócio. É evidente que a lógica dessas festas é fundamentalmente empresarial, não tem nada a ver com integração. O Trote, bem dizendo, é um enclave das grandes festas dentro da UFSC.

É certo que a repressão às festas esticou a distância entre as margens do córrego. Não vamos fingir que não dá pra enxergar. O machismo e a homofobia nunca deixaram de estar bem presentes nesse tipo de festa, e em especial, no Integrado. Não é com as ouvidorias e stands de denúncias que isso muda.

Já caiu no esquecimento o episódio no último semestre das estudantes lésbicas brutalmente agredidas por um aluno dessa universidade, do Tecnológico? Não dá mais pra continuar cultivando a ilusão de que isso não acontece nos nossos corredores, que a sensação de insegurança e a aflição não fazem parte do dia-a-dia das mulheres e minorias no CTC. É só com o movimento estudantil que isso vai mudar!

A Universidade está desumanizada. Nesses tempos sombrios que vivemos, é tão simbólico quanto sintomático que a nossa Praça da Cidadania esteja cercada, enfim, pelos tapumes.

*O texto é de inteira responsabilidade do autor e pode não refletir a opinião do Jornal.

A sessão de debate acolhe textos de autores com ou sem vinculação ao UFSC à Esquerda. Os textos relacionados ao debate aqui exposto podem ser enviados para: redacao@ufscaesquerda.com.br.

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