[Debate] No marasmo do movimento estudantil, um congresso?

Augusto Fabro – Redação UàE – 21/08/2018.

Na última terça-feira, dia 14/08/18, ocorreu uma nova reunião do Conselho de Entidades de Base (CEB) convocado pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) com o intuito de debater uma proposta de congresso estudantil e como se daria o encerramento da atual gestão “Ainda há tempo”. A justificativa apresentada para a proposição do Congresso Estudantil é a necessidade de alteração do estatuto do DCE, que só pode ser realizado nesta instância, o que viria a viabilizar a regularização da conta bancária da gestão.

O Congresso Estudantil é a instância superior máxima ao DCE, dessa forma, está acima do CEB e até mesmo da Assembléia Geral e realiza deliberações de grande abrangência para o Movimento Estudantil, entre elas a mudança do próprio estatuto que rege a entidade.

De fato, o estatuto vigente está em desacordo com a legislação atual, que é o código civil de 2002 e precisa ser alterado, assim como é necessário regularizar a situação financeira da entidade. Na verdade, o congresso para mudança estatutária está previsto para ocorrer desde 1989. Desse modo, soa como um grande descaso que estes problemas ainda não tenham sido resolvidos e que isto esteja atravancando há cerca de um ano um caixa à disposição das demandas da entidade, o que poderia possibilitar que suas ações fossem realizadas de forma melhor assegurada. Porém, chama a atenção que no primeiro momento de debate sobre a possibilidade de realizar o congresso estudantil, figuraram propostas para realizá-lo estendendo a atual gestão do DCE ou sem uma gestão de DCE de forma concomitante ao processo eleitoral e até mesmo com a possibilidade de não ter um quórum mínimo de participantes para além dos delegados – isso sem que a direita raivosa, que adora falar em legitimidade de comparecimento às urnas, dê um pio de protesto.

É preciso ir além do canto da sereia e pensar que um congresso não possui somente um sentido prático-resolutivo. Neste tipo de instrumento há inegavelmente um papel político. Isto porque um congresso não nasce da noite para o dia, ele diz respeito a um momento no movimento estudantil em que faz sentido que determinada ferramenta seja construída e convocada. Por isto, não há como escapar do seguinte questionamento: como um espaço pensado para ter grande abrangência entre os estudantes pode ser realizado em um contexto de refluxo do movimento estudantil e no fim de uma gestão? Por acaso é a convocação dessa instância que fará urgir a massa dos estudantes que até então está desmobilizada?

Podemos pensar que a normalização da conta bancária pode viabilizar melhores condições para que se retome as práticas e espaços de mobilização no movimento estudantil, mas tal argumento só faria sentido como prática de início de gestão, com uma suposta proposta de retomar a entidade para a luta, com uma ampla campanha realizada ao longo de no mínimo um ou dois meses possibilitando uma real articulação da realização do congresso às questões mais cruciais da vida do estudante na Universidade. Este, talvez, seria o contexto adequado para que tal proposta conseguisse de fato tentar cumprir uma função prática e política de organização e mobilização estudantil minimamente coerente. Contudo, pelo contrário, essa gestão que está encerrando passa longe do que havia prometido em sua campanha, sem que ninguém tenha sinceras esperanças em uma reeleição do grupo atual.

E essa é mais uma característica da questão que vêm sendo central em todas as grandes polêmicas sobre as resoluções propostas a um movimento estudantil sem vida nos últimos anos: quando foi que começamos a acreditar que há resoluções parciais, sem se desdobrar sobre os problemas centrais? Quando normalizamos a noção de que nossos grandes dilemas serão resolvidos de cima para baixo? Que crença é essa na qual nos agarramos de que há de haver uma saída mágica e fácil, onde só discutimos com aqueles com quem concordamos, para a necessidade de reorganização do movimento estudantil?

Um congresso estudantil precisa ter a cara de uma parcela significativa dos estudantes da Universidade. Este não pode ser realizado apenas visando o suposto caráter representativo dos delegados das entidades. Se assim o for, no máximo as suas resoluções terão a cara das linhas das organizações que delas participam e jamais incorporará os grandes anseios que sequer têm tido espaço para serem compartilhados. O ascenso das lutas estudantis que dá fôlego para os estudantes repensarem suas pautas políticas e as formas de se organizarem. Pode-se até catalogar uma série de pautas que tentam simular um caráter “político” como forma de tentar escapar das críticas pelo caráter descontextualizado da proposta, mas sem um processo de lutas e mobilização dos estudantes, um congresso estudantil não é nada mais que um clube de troca de interesses particulares.

Com estes apontamentos, a pretensão deste debate não é deixar de lado a necessidade de atualizar o estatuto e de recursos financeiros para reorganizar até mesmo processos básicos que contribuem com o funcionamento da entidade, como a impressão de carteirinhas. Mas se hoje temos um problema de estatuto e de caixa da entidade que a atual gestão ainda não conseguiu resolver no tempo que teve de posse, assim como não executou sua proposta de congresso estudantil no tempo hábil da gestão, o máximo a se fazer é assumir que fracassou e passar a bola.

Se há um problema de necessidade de regulamentação estatutária e de recuperação financeira da entidade que ainda não foi solucionado, esse precisa ser um debate que deve nortear as propostas de campanha das chapas que concorrerão nas próximas eleições, permitindo inclusive que outras alternativas possam ser formuladas e apresentadas. Esta é uma questão que deve estar articulada a carta programa e projeto político de quem irá assumir a entidade nas próximas gestões, pois é assim que um mandato funciona. Ou só reivindicamos o respeito à democracia e ao trânsito dos processos quando convém? Não há argumento de boa intenção que me faça acreditar que exista uma justificativa plausível para aceitar um congresso sem base, sem processo de lutas e que ocorra nas condições de estender uma gestão ou até mesmo sem nenhuma gestão do DCE. Isto é uma aberração política. Que preço histórico pagamos quando assumimos um processo assim?

Nesta terça, dia 21/08/18, ocorre novamente a reunião do CEB que visa dar continuidade a este debate. É preciso chamar a responsabilidade dos Centros Acadêmicos nesse momento: o critério de avaliação da proposta precisa ir além de ela ser realizada pelo DCE ou pela oposição dele, vai além da óbvia importância de atualização do estatuto e de regularização da questão financeira. Esse tipo de proposta precisa ter um caráter estratégico em um contexto de ascensão real de lutas e estar amparado por uma parcela significativa dos estudantes, caso contrário se trata de mero corporativismo e política de compadres que tanto rechaçamos na política tradicional. Pensar diferente do que as forças políticas que compõem o DCE está defendendo não significa dar força para a direita, até porque os próprios problemas dessa gestão já fizeram isso por si só, doa a quem doer. Se deixar levar por esse tipo de falso dualismo só nos leva a seguir neste lugar terrível e insatisfatório que todos estamos e demonstra um descompromisso com aquilo que insistentemente afirmamos ser o mínimo: trabalho de base.

Por fim, a gestão atual do DCE deveria encerrar no dia 09 de Setembro. O início do debate de um congresso nesse momento, independente do seu resultado, acaba por atrasar o início das eleições. Se há a necessidade de atrasar o início das eleições por outros motivos quaisquer que sejam, como por exemplo as eleições presidenciais, não é mais prudente e sério trazer este debate de forma honesta à tona?

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*O texto é de inteira responsabilidade do autor e pode não refletir a opinião do Jornal.

A sessão de debate acolhe textos de autores com ou sem vinculação ao UFSC à Esquerda. Os textos relacionados ao debate aqui exposto podem ser enviados para: redacao@ufscaesquerda.com.br.

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