Maria Alice de Carvalho – Redação UàE – 26/10/2018
Juazeiro do Norte. 23 de outubro de 2018. Uma terça-feira. Não lembro exatamente o horário, mas já era noite. A rua estava escura, disso eu me lembro.
Eu estava saindo de casa. Indo pro trabalho. Era uma noite comum como todas as outras. Não fosse pelo momento em que eu escutei um carro se aproximando. Três homens dentro dele. Gritavam ferozmente. Comigo. Foi aí que eu percebi que aquela não seria uma noite comum. E o medo percorreu todo o meu corpo.
Na minha cabeça, eu já me despedia da minha mãe. Desculpa por tudo, mãe. E desculpa por estar partindo sem te dizer adeus. Eu sempre fui muito pessimista. Mas felizmente não foi nessa noite que eu morri. Quer dizer, na verdade eu nunca mais serei o mesmo.
“Comunista safado!”. Eles gritaram. Eu corria. Comunista? Me perguntei. E corria mais. Então lembrei que possuía em minha camiseta um adesivo do Partido dos Trabalhadores, que uma amiga tinha me dado naquela manhã. Como eu ia votar no PT mesmo, não vi problema em usar o adesivo. Agora eu me arrependia. Só não entendi porque isso fazia de mim um comunista.
Pobres comunistas… Mas enfim.
Isso tudo ficou passando na minha cabeça. Enquanto eu corria. Deve ter sido uma questão de segundos. Até eu sentir o primeiro golpe de um fio contra a minha pele. Pode ser que fosse uma corda. Eu não sei ao certo. Só sei que doía. Doía muito. Ardia na minha pele. E foi também quando a primeira lágrima caiu dos meus olhos. A lágrima também ardia. Quente. Era de dor.
Os três homens haviam descido do carro. E quando eu dei por mim eles já haviam me atirado no chão. Eu estava ofegante. Nem sei como respirava. Recebi o primeiro soco. “Por favor parem!” Eu gritei. Um pontapé. Outro soco. Fios contra a minha pele. E aí eu desisti.
Socos. Pontapés. Socos. Fios. Mais fios. Sangue. Dor. Pontapés. Desespero. Por que você está fazendo isso comigo? Gritos. Meus braços. Socos. Minhas costas. Chutes. Meus joelhos. Sangue.
Eu só quero voltar pra casa.
“Parem com isso”. Eu escutei ao fundo. Parecia a voz do meu pai. Mas não era não. Talvez seja o efeito do desespero. Eu queria falar com ele, pelo menos uma última vez. Mas também não queria que ele me visse daquele jeito. Sangrando e impotente no chão. Enfim, coisas da minha cabeça.
Era um senhor que passava de carroça. Ele foi me ajudar. “Quando Bolsonaro ganhar, vamos acabar com esses viado tudo”. Eles gritaram. Os três homens. Entraram novamente no carro e saíram. Cantando pneu. “Bolsonaro Presidente”. Eu escutei. Até cair aos prantos.
“Como você está?”. Me perguntou o senhor. Eu nem sabia dizer. Tudo doía. Todo o meu corpo. Mas a dor que eu mais sentia era uma que tinha dentro. Sabe? Acho que era angústia. Eu nem sei o que eu fiz. Por que me agrediram mesmo?
Agora vem o pior. Tenho que ligar e avisar minha mãe. Ela vai chorar. Pra caramba. Não queria isso. Dói muito quando ela chora. Talvez eu nem conte.
Será que eu já posso voltar pra casa? Ué. Eles já foram? Mas parece que ainda dói. Parece que eu ainda sinto tudo sendo espancado.
“Rapaz! Você está bem?”
*Texto de ficção escrito com base no caso de Mateus Lira de Souza, de 21 anos, que registrou Boletim de Ocorrência na Delegacia Regional de Juazeiro do Norte.