Foto: Praça da cidadania cercada para realização do trote integrado – UFSC à Esquerda
F. B. Velho* – Redação UàE – 31/03/2019
Chegaram nas primeiras horas de quinta. Estáveis, são obstinados obstáculos para o olhar, e um incômodo para as pessoas, que são obrigadas a desviar seu trajeto do espaço central da UFSC, a Praça da Cidadania. Estão de volta as barreiras metálicas, de dois metros de altura, do Trote Integrado do CTC.
Sete meses atrás, neste jornal, publiquei um texto de opinião sobre o fato então inédito de cercar-se a Praça da Cidadania com tapumes e cobrar-se entradas, para um evento que supostamente visava a integração dos calouros do Centro Tecnológico. O recurso aos tapumes seria uma concessão às determinações da Reitoria para realizar uma festa daquele porte dentro do campus.
A maioria das críticas sinceras ao texto — desconsiderando, então, as que não passavam de latidos raivosos do último bastião da intelectualidade universitária, os estudantes de direita — contornava a questão com essa justificativa, de que a exigência da Reitoria para permitir a realização do Trote seria a de colocar as barreiras e contratar os seguranças.
Contudo, essa crítica esquece a responsabilidade pelo cercamento e não apanha o essencial.
Essa é a determinação da Reitoria para todas as festas no campus. Inclusive para os eventos de integração abertos para a comunidade universitária, realizados pelos Centros Acadêmicos e pelos coletivos de estudantes, que na maioria das vezes sequer têm recursos para contratar seguranças, muito menos a dinâmica para conseguir, 10 dias antes dos eventos, as licenças exigidas junto aos órgãos fiscalizadores (FLORAM, Bombeiros, Polícia Civil).
Aliás, essa questão é muito cara para o movimento estudantil, pois as festas são uma das principais fontes de recursos dos CAs — senão a principal —, viabilizando atividades como as Semanas Acadêmicas, o custeio de passagens de representantes para Congressos e Encontros, a confecção de materiais etc.
Por não se sujeitar às determinações da Reitoria, os CAs se encontram em uma situação de fragilidade: muitas dessas festas acabam com a repressão da Polícia Militar, que dispersa os estudantes na bala de borracha. E nem é preciso partir para o debate sobre a gravidade da Polícia bater em estudante dentro da universidade (o que implicaria discutir a Autonomia Universitária). Basta enxergar como isso vai cultivando receios no movimento estudantil e desmotivando os CAs a realizar atividades de cultura e lazer, que dão vida ao campus. Restam cada vez menos espaços de encontro. Quem sai ganhando com isso? É bom, sem dúvida, para os bares superlotados do entorno da UFSC, e sobretudo para as grandes festas, com ingressos de 40 ou 50 reais, que marcam cada vez com mais força sua presença no dia a dia do estudante.
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Quando o Trote se apassiva frente ao mando da Reitoria, não apenas dá legitimidade à prática da Administração de enxugar a autonomia dos estudantes, que deveriam ter liberdade para ocupar os espaços da universidade, ter suas próprias idéias, formular seu projeto de Universidade, ter concepções próprias do que é certo e do que é necessário. É cada vez mais banal que os estudantes precisem pedir autorização dos professores para reservar salas, tenham que dar satisfação à Coordenação de Curso, à Direção de Centro.
É mais do que isso. Ao acatar a determinação da Reitoria, o Trote se torna, efetivamente, cúmplice da política de cercamento do campus, de esvaziamento da Universidade, política que é denunciada por este Jornal desde sua criação, em 2013.
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Quão pouco efetiva nos últimos anos tem sido essa política em aumentar a segurança no campus, seu motivo professo? O que vemos é um aumento geral da violência urbana. Tanto é esse o caso, que o debate da segurança pública foi um dos nós da campanha presidencial. A Universidade afastou de si a responsabilidade de travar esse debate, ela deixou de pensar nos problemas reais da sociedade brasileira.
Há sim o que se melhorar na sociabilidade, na humanização do campus. Torná-lo mais dinâmico, com mais pessoas circulando, qualificar os espaços de permanência e de encontro. Mas não basta encontrar as soluções de gestão. O problema da violência dentro da UFSC é o problema da violência urbana. A Crise achatou as condições de vida dos trabalhadores (e dos sem emprego). A “nova era” vem com a epígrafe: bellum omnium contra omnes — a guerra de todos contra todos.
Mas a instituição universitária é aquela da liberdade de idéias, e onde os debates da sociedade devem ser travados no seu mais alto nível. Não para encontrar o caminho da destruição mútua, nem tampouco as soluções individuais, parciais, mas aquelas idéias que efetivamente transformam a realidade, aquelas que provocam as transformações sociais. Ou criamos o novo, ou estamos perdidos!
*O texto é de inteira responsabilidade do autor e pode não refletir a opinião do Jornal.
A sessão de debate acolhe textos de autores com ou sem vinculação ao UFSC à Esquerda.
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