Foto: Estudantes da UFSC no ato do 15M – Florianópolis/SC, 15/05/2019 – por UFSC à Esquerda
Marcelo Ferro – Redação UàE – 15/05/2019
Civil, Materiais, Elétrica, Eletrônica, Engenharia de Controle e Automação, Transporte e Logística, Aeroespacial, Mecatrônica, Engenharia de Infraestrutura, Metroviária e Ferroviária, Naval, Engenharia de Energia, Engenharia de Computação, Mecânica, Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Química, Engenharia de Alimentos, Sanitária e Ambiental, Ciência da Computação, Sistemas de Informação.
Os estudantes da maioria esmagadora dos cursos do Centro Tecnológico do campus Trindade, bem como os do Centro Tecnológico de Joinville e do campus Araranguá, decidiram pela adesão à Greve Geral da Educação, reivindicando o repasse integral das verbas para a Educação Pública, em resposta ao anúncio do MEC de cortes de pelo menos 30% do orçamento discricionário das universidades federais.
Para alguns, isso é uma enorme surpresa. Muitos enxergam o Tecnológico e as Engenharias como lugares atrasados, às vezes sob uma perspectiva superficial de Humanas vs Exatas ou ainda do lugar-comum Esquerda vs Direita. Nessa visão, o CTC seria sempre “do contra”: a favor dos cortes, a favor do sucateamento das universidades e do ensino público, avesso a debates sérios sobre o papel da Universidade Pública.
Convido os estudantes surpreendidos com o poder de mobilização do Tecnológico a abandonar os lugares-comuns, a análise superficial, e descer até a profundezas do problema das Engenharias. Nesse sentido, esse texto se propõe a abrir um diálogo com a massa dos estudantes das Engenharias, os independentes, que se encontram de súbito inseridos lado a lado com o resto da universidade em uma movimentação nacional em defesa da Educação e da Ciência brasileiras.
Passa longe do propósito deste debate convencer e buscar apoio do grupo de estudantes que está em acordo tácito ou declarado com a agenda de desmonte do Ensino e Pesquisa públicos, seja por disporem dos meios para continuar seus estudos em instituições privadas, seja por entenderem nesses compromissos políticos um caminho desimpedido para a autopromoção (com os seus conchavos) — esses estudantes não estão do nosso lado e com eles não poderemos firmar alianças. Ao contrário, eles serão, junto com muitos dos professores, a correia de transmissão da política do governo federal no interior desta universidade, desde que seus interesses egoístas sejam preservados. Logo chegará o momento de enfrentá-los. Antes disso, vamos ao debate!
Alguns fatos são normalmente invocados para lastrear a percepção de que as Engenharias seriam o “antro do atraso”, dos “fascistas”, de que ali nada de novo poderia surgir. Tomemos três: 1. A inércia do CTC nos momentos de ascenso da mobilização estudantil; 2. A votação expressiva do CTC nas chapas de direita do DCE; 3. A escassez de debates mais densos sobre “questões políticas” nas Engenharias. Seriam esses fatos a comprovação dessas percepções?
1. “Os estudantes das Engenharias são inertes e atrasados”
Afinal, onde estão os estudantes do CTC agora? Estão na linha de frente, reivindicando a Universidade Pública! À falácia de que são alheios às questões de seu tempo, os estudantes respondem que são sensíveis à realidade nacional e que não vão aceitar passivamente a destruição de suas perspectivas de futuro.
A Universidade Pública é para muitos a única oportunidade de uma formação superior. Quem veio de uma família em que os pais não tiveram as mesmas oportunidades sabe o quanto isso é precioso: não significa tão somente que poderá conseguir um posto de trabalho mais qualificado, com melhor remuneração, e não passará por tanta penúria na vida. Significa que poderá deixar sua marca no mundo, seja contribuindo com o desenvolvimento da pesquisa de ponta, como um grande cientista, seja com o desenvolvimento econômico e social do país, como engenheiro ou analista, na expectativa que proporcionará a todos melhores oportunidades.
Esses futuros e sonhos entram em xeque quando a Universidade Pública é ameaçada de forma tão brutal. Nada mais natural do que os estudantes se revoltarem. Mas a revolta sem um direcionamento é apenas uma demonstração de impotência, uma reação para que coisas voltem a ser como estavam. Qual tem sido, então, o direcionamento dos estudantes das Engenharias, e quais pautas colocarão à frente nessas mobilizações?
2. “O Tecnológico vota na direita”
As demandas reais dos estudantes, por assistência estudantil, segurança, reformas nos currículos, melhoria na infraestrutura da universidade e nos quadros de professores, espaços de lazer, de cultura, sempre fizeram parte das pautas estudantis nas Engenharias. Essas reivindicações imediatas são da primeira importância, pois foi sempre pela luta estudantil que se garantiu as condições de permanência e estudo na universidade. No entanto, enquanto essas demandas estiverem presas nessa dimensão imediata, de reivindicação unilateral dos estudantes, de luta política corporativa, elas nunca terão efetividade plena.
A Universidade está profundamente enraizada nas dinâmicas e relações sociais. Essa instituição cumpre um papel de formação de quadros e de produção, sistematização e socialização dos conhecimentos. A cada momento histórico esse papel sofre mudanças de orientação e de conteúdo, para ser funcional ao projeto de sociedade em vigência; se esse papel entra em descompasso com o projeto mais geral de sociedade, a Universidade sofrerá transformações. Quando nós, estudantes independentes, articularmos as mudanças que desejamos em nossa vida universitária com um projeto de transformações mais geral da instituição universitária e da sociedade, essas pautas terão transcendido sua dimensão imediata e se transformarão em luta política consequente. Assim, ganharão força e efetividade.
As votações expressivas do Tecnológico nas chapas de direita do DCE — nomeadamente, nas chapas de composição do campo liberal com a União da Juventude Socialista (UJS) que foram eleitas consecutivamente de 2013 a 2016, e, mais recentemente, na chapa Zero — tiveram as demandas reais dos estudantes como pano de fundo. Mas, afinal, não foi por estar em desarticulação com um programa mais geral de transformações que as quatro gestões do DCE foram um fracasso na transformação da universidade e da vida dos estudantes? Já há algum tempo o CTC não aposta na capacidade das mobilizações coletivas para conquistar suas reivindicações.
Arrisco apontar os dois fatores que contribuíram para isso. Por um lado, está o pouco caso com a luta pelas demandas reais dos estudantes que têm feito as organizações do movimento estudantil de esquerda, para além da verborragia. Este Jornal aponta isso desde sua criação, em 2013. Quantas vezes não ficaram desamparados os moradores da Casa do Estudante da UFSC? Ou os coletivos de independentes que buscavam espaço e apoio para realizar atividades culturais, como o Geografia Paralela? As demandas por melhoria nos espaços físicos no CFM? Os cursos que ensejam reformas curriculares, mas são atropelados pelo autoritarismo dos professores? Quantas organizações, na posição de direções estudantis, estiveram nesses momentos do lado dos estudantes, procurando articular suas reivindicações, ou o que é pior, quais estiveram do lado oposto, aliados com a Reitoria? À medida que essas direções se afastaram das demandas reais dos estudantes, a massa de independentes se afastou do movimento estudantil de esquerda.
O outro fator que contribui para o estreitamento dos horizontes reivindicativos dos estudantes independentes são os espaços de cultivo do empreendedorismo estudantil. Eles viraram uma verdadeira forma de ser dentro da universidade: estudantes que constróem seus círculos de amizades e percursos formativos através das Empresas Juniores, Associações Atléticas e as assim chamadas Festas Universitárias. Nesses espaços, mesmo a luta corporativa por demandas reais dos estudantes é secundarizada e passa a se dissolver nos interesses de aperfeiçoamento e lazer mais individuais, privados. Essa forma de vida inevitavelmente iria entrar em crise quando a universidade fosse colocada no paredão. O momento chegou: o conjunto dos estudantes é chamado à luta coletiva, para defender sua perspectiva de formação e de vida.
Os estudantes das Engenharias se lançam na luta de massas ao lado dos universitários, secundaristas e trabalhadores da Educação do Brasil todo. A força dessas manifestações não vem das suas direções estudantis, mas da grande maioria, os independentes.
3. O CTC é avesso à “Política”? ou O problema das Engenharias
Não podemos deixar de considerar que o que vivemos é uma realidade nova de fato. A expectativa é que as mobilizações de hoje tomem proporções colossais, e talvez deflagrem uma nova dinâmica nas lutas sociais no Brasil. Essa nova disposição para luta coletiva se refletiu no enorme poder de mobilização do Centro Tecnológico. Resta ainda a pergunta: continuará o CTC “avesso à Política”?
De fato, com o que se relaciona a formação nas Engenharias? A questão sobre Política no Tecnológico tem de ser curto-circuitada: qual é o problema das Engenharias? É o de que a produção de Ciência & Tecnologia está diretamente vinculada à principal dinâmica social, a de reprodução econômica! Os currículos dos cursos de Engenharia, de C&T, são definidos por essa dinâmica; a atuação profissional dos engenheiros, analistas, técnicos, está diretamente vinculada ao sistema produtivo. As mudanças profundas que passa o Brasil terão um impacto duro nas perspectivas de vida desses estudantes.
A crise econômica de ordem mundial força a readequação da posição do Brasil ao subdesenvolvimento, à posição de dependência no cenário internacional. Isso significa: não mais desenvolvimento científico, não mais incremento tecnológico, cada vez mais compra de patentes e tecnologia do estrangeiro, cada vez mais intensificação do trabalho. Nisso, a Universidade Pública, enquanto formadora de quadros científicos e técnicos, produtora de Pesquisa de ponta, deixa de ser funcional.
Farão frente a essas mudanças os estudantes das Engenharias? Estará essa massa estudantil disposta a reivindicar um projeto autônomo de C&T para o país?
O cenário mundial lançou na mesma trincheira a luta em defesa da Educação Pública com a luta pela nossa independência científica e tecnológica. A agressividade da estratégia política do governo de esmagar de uma só vez as universidades soldou as demandas reais dos estudantes com a reivindicação da Universidade Pública, da produção autônoma de Ciência e Tecnologia, da independência científica, tecnológica, energética, econômica, social do País. É uma nova hora para as Engenharias e seus quase 8000 estudantes!