[Opinião] Nova minuta do Future-se: negociações e interesses daqueles que defendem o avanço do capital sobre o sistema de ensino

Maria Alice de Carvalho – Redação UàE – 14/11/2019

Publicado originalmente em Universidade à Esquerda

Ao fim do mês de outubro, o Ministério da Educação (MEC) lançou um novo texto do Programa Future-se para ser implantado nas universidades e institutos federais, após período de consulta pública e readequação do texto pelo Grupo de Juristas instituído pelo MEC em 30 de setembro. De acordo com o ministro Abraham Weintraub, em coletiva de imprensa no dia 18 de outubro, a nova proposta de minuta do Future-se deve ser enviada para análise dos parlamentares ainda no mês de novembro.

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As alterações realizadas no texto da minuta são fruto das negociações realizadas entre o MEC e representantes de setores da universidade, principalmente aqueles que ocupam cargo máximo nas reitorias. Assim que lançado em julho deste ano, o Future-se suscitou debate e grande rejeição das universidades através de Assembleias Gerais e Conselhos Universitários, sendo negado tanto por setores do Movimento Estudantil quanto por setores dos servidores públicos, incluindo as reitorias.

Em universidades onde houve mobilização massiva, como a Federal de Santa Catarina (UFSC) onde os estudantes permaneceram em greve por 37 dias contra o Future-se e os cortes na educação pública, ficou explícito como interesses e projetos de universidade totalmente distintos confundiram-se no processo de rejeição ao Future-se.

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Como estava redigida anteriormente, a proposta de minuta esbarrava com interesses até mesmo daqueles que defendem um projeto de privatização das universidades. Aqueles que defendem a parceria público privada através de convênios com as chamadas Fundações de Apoio já há anos nas universidades públicas, por exemplo, se viram incapazes de ser conivente com um projeto que não abre espaço para essas fundações participarem da gestão das universidades junto às Organizações Sociais (OSs). Na nova proposta de minuta elas encontram-se, então, presentes como entidades privadas participantes na gestão das atividades da instituição de ensino, alteração realizada para facilitar as negociações para aprovação do Future-se e que não altera em nada a essência do projeto.

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Arnaldo Lima, secretário do MEC, afirmou na última quinta-feira (7) que “a maior qualidade em um ser humano é reconhecer seu erro, porque errar é evoluir. Sim, errei em não ter colocado as fundações de apoio no Future-se e errei na forma de abordar os reitores. Mas errado mesmo teria sido continuar na inércia e não apresentar nenhuma proposta alternativa de financiamento para as universidades”, disse ele durante uma mesa no 2º Congresso de Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino e Pesquisa (Confies). Com certeza, nos próximos meses quando a comunidade universitária se deparar novamente com o avanço do Future-se sobre suas instituições, o jogo de forças será diferente, reitorias que antes se posicionaram contra o programa e se colocaram ao lado dos movimentos grevistas estarão em uma outra posição.

Apesar das alterações realizadas na minuta do programa Future-se que, além de incluir as fundações de apoio, altera também questões relativas à redução de despesa de pessoal, ao comitê gestor, à cobrança de atendimento em Hospitais Universitários (HUs), ao Fundo Patrimonial, aos eixos do programa, entre outros; o substancial do programa permanece intacto. Ele permanece sendo um projeto de avanço do capital sobre o sistema de ensino, através da diversificação do financiamento das universidade e institutos federais. Como forma de se reorganizar frente à crise pela qual passa, o capital transforma em bens de mercado direitos antes garantidos pelo Estado, como educação, previdência, sistema de saúde, entre outros; e o Future-se não se encontra descolado disso.

A captação de recurso privado pelas instituições permanece e é melhor detalhada na nova proposta de minuta. Haverá o “Fundo Patrimonial do Future-se” e o “Fundo Soberano do Conhecimento”, sendo o primeiro constituído por um conjunto de ativos gerido por uma instituição privada sem fins lucrativos com o objetivo de gerar recursos a longo prazo; e o segundo formado por diversos ativos financeiros, incluindo imobiliários, com objetivo de gerar receitas, o qual ficará como responsabilidade de uma instituição financeira. Aprofunda-se a relação promíscua entre as instituições públicas e privadas já presentes em menor dose em nossas universidades.

A minuta do Future-se apresenta como um de seus princípios a “obediência à autonomia universitária”, porém permanece destruindo-a brutalmente. A perda progressiva de autonomia das instituições de ensino é parte essencial da nova ordem de uma educação estritamente ligada aos interesses de mercado, seja a perda de autonomia financeira ou autonomia de crítica e livre pensar; enganam-se aqueles que pensam que estas andam separadamente.

Alterações secundárias no que tange a forma de gestão das instituições e falso discurso de respeito à autonomia foram realizadas para apaziguar os tensionamentos decorrentes das negociações para aprovação célere do Future-se, o que não alterou o fato de que assim que aprovado este estará anunciando a destruição total do que nos resta de produção de conhecimento crítico nas universidades.

Uma luta massiva contra o programa Future-se mostra-se fundamental e cada vez mais difícil de ser travada. Se antes a construção de uma Greve Nacional da Educação contra esse projeto foi segurada por direções representativas como União Nacional dos Estudantes UNE, Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (FASUBRA) e Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES/SN), agora com uma flexibilização nas negociações e com um programa que atende a interesses de um setor da universidade antes não contemplado por esse projeto de privatização, o processo de trâmite do Future-se será ainda mais rápido e maior repressão haverá sobre aqueles que posicionarem-se contra.

As reitorias, antes contrárias ao programa, agora mostrarão seu real projeto de universidade e de que lado estão. As bases do movimento estudantil e sindical deverão pressionar suas direções e, caso necessário, ultrapassá-las na luta por uma universidade autônoma e não alinhada aos interesses do capital, lutando contra todas as reformas que diariamente avançam de forma brutal sobre nossas vidas.

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*O texto é de responsabilidade dos autores e pode não refletir a opinião do jornal

 

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