Marcelo Ferro* – Redação do UàE – 22/11/2019
22 de outubro
Era uma manhã abafada em São Paulo. Os representantes dos grandes players internacionais levantaram cedo, tomaram café preto e se dirigiram à Rua XV de Novembro, número 275, onde fica a moderna Brasil, Bolsa, Balcão, a bolsa de valores brasileira.
O pregão da B3 já tinha início, e as expectativas com o futuro do Brasil estavam em alta. A cotação da soja e do milho subiam diligentemente, com a circulação das notícias sobre o reajuste das safras, rompendo novamente os recordes. Os contratos futuros de boi gordo, negociados em dólar, disparavam. O índice Ibovespa batera 107.000 pontos. O mercado acordou excitado, pois era dia de leilão, e o comprador já tinha sido arranjado.
A “raspadinha”, como é conhecida a Loteria Instantânea Exclusiva (LOTEX), administrada pela Caixa, foi arrematada em lance único por R$96,9 milhões pelo consórcio formado pela italiana International Game Technology e pela estadunidense Scientific Game International. A Caixa não participou do leilão.
O consórcio espera faturar R$112 bilhões ao longo dos 15 anos da concessão. As duas empresas, juntas, já detêm 80% do mercado de loteria instantânea no mundo. Com o resto do mercado saturado, a oportunidade de expandir o negócio para o Brasil veio na hora certa. O Brasil está honrando o compromisso de ser um país parceiro dos investidores.
1º de novembro
A comitiva presidencial está de volta de Riad, capital da Arábia Saudita. Trazem grandes notícias. O príncipe herdeiro saudita firmou compromisso de investimento de 10 bilhões de dólares americanos no Brasil, dirigido para o Saneamento Básico.
O Brasil foi uma das grandes atrações do Future Investment Initiative, fórum que acontece anualmente na capital da monarquia absoluta saudita, que trata das perspectivas para o ambiente global de investimentos. O evento ocorreu na última semana de outubro, congregando os players internacionais, gestores de fundos de investimentos, chefes de Estado e analistas dos mercados financeiros.
O título do painel brasileiro era sugestivo: “Return to prosperity: can a new global investment put Brazil back in business?” [Retorno à prosperidade: os novos investidores globais poderão pôr o Brasil de volta nos trilhos?]. O presidente não titubeou em sua apresentação: “O Brasil está de volta! Para o nosso bem, e para o bem da Arábia Saudita.”
A equipe apresentou a nova carteira de oportunidades para os investimentos no Brasil: ferrovias, rodovias, terminais portuários, aeroportos, redes de transmissão elétrica, direitos de mineração, direitos de exploração de gás e petróleo, armazéns de alimentos, empresas de transporte urbano. O governo está trabalhando para incluir também os Parques Nacionais e despachar a privatização da Eletrobrás. Já somam 74 itens no portfólio.
“Saneamento e Infraestrutura”, apontou Bolsonaro. O anseio do governo é que essas sejam as áreas prioritárias para os global investors. A equipe está confiante. Uma das secretárias disse à imprensa: “ouvimos de importantes players que o Brasil está fazendo o dever de casa e atrairá muitos investimentos”.
O Presidente da Câmara Federal ficou feliz com as notícias da missão Brasil – Oriente Médio. O novo Marco Legal do Saneamento (PL 3261/19) é um dos 5 itens da assim chamada “Agenda Social” de Rodrigo Maia. A pressão dos investimentos irá impulsionar a aprovação mais rápida do projeto, que passou por Comissão Especial no dia 30, e já se encontra nas mãos de Maia. Ele defendeu a versão mais radical do projeto, que encurta os prazos dos contratos preferenciais com as estatais e proíbe que novos sejam celebrados. “Tem força para passar como está”.
19 de novembro
Foi apresentado o balanço das entregas de 2019: 35 ativos leiloados, com outorga de R$90 bilhões para o Governo Federal. Os contratos prevêem a contrapartida de R$422 bi em investimentos modernizantes, que deverão ser realizados pelos novos parceiros privados do Erário Público.
Reunidos, posaram para a foto sorridentes o Presidente da República, Jair Bolsonaro, seu Super-Ministro Paulo Guedes, o Ministro-Chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e a Secretária Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (o PPI), Martha Seillier, junto com os outros 8 membros titulares.
“O @ppinvestimentos, em parceria com o @bndes, está estruturando uma carteira de ativos sem igual!”, tweetou Seillier. “Aprovamos + 18 projetos na carteira! O Brasil tem pressa!”
O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI/Casa Civil) foi encarregado, no governo Bolsonaro, de atrair investidores e qualificar ativos da União para venda. Até o momento, foram leiloados 12 aeroportos, 13 terminais portuários, um trecho de 1.537km da Ferrovia Norte-Sul, um trecho de 437km das rodovias BR 364 e BR 365, direitos para exploração de minério em Palmeirópolis/TO, a LOTEX da Caixa, além de dois leilões de energia e 3 rodadas de concessões de áreas de exploração de petróleo e gás. Esses ativos representaram a arrecadação de R$19,8 bilhões.
No dia 6 de novembro, somou-se a estes o “leilão dos leilões”, o do Volume Excedente da cessão onerosa na Bacia de Santos. Havia 17 petrolíferas habilitadas para o leilão, mas houve apenas um lance, do consórcio formado pela Petrobrás (90% de participação) e as estatais chinesas CNODC e CNOOC (cada uma com 5%). Total arrecadado: R$69,9 bi. O leilão, tão aguardado, “micou”. As petrolíferas estrangeiras não demoraram a se pronunciar: não havia interesse de entrar no Regime de Partilha. As petrolíferas querem que as porções mais valiosas do Pré-sal sejam oferecidas sob regime de concessão, para que possam se apropriar de parte mais significativa das riquezas.
Mesmo com aparição modesta no debate público, as privatizações correm a todo vapor. Além dos leilões, as grandes estatais também se desfazem de ativos estratégicos, sob o eufemismo de desinvestimento. A União se desfez de R$10,6 bilhões de ativos do Banco do Brasil e R$9,8 bilhões da Caixa Econômica Federal. O próprio presidente do BB, Rubem Novaes, defendeu a privatização da companhia.
A Petrobrás vendeu por R$3,6 bilhões as subsidiárias no Paraguai e em Pasadena, vendeu por R$33,5 bilhões a Transportadora Associada de Gás, TAG, para um consórcio liderado pela francesa Engie (hoje a segunda maior empresa de energia do país, atrás da Eletrobrás), vendeu o controle acionário da BR Distribuidora por R$9,6 bilhões, e no dia 19/11 vendeu a Liquigás, por R$3,7 bilhões, para a gigantesca Itaúsa, holding controladora do Banco Itaú.
O governo chega na última semana de novembro já tendo realizado a sua “Black Friday” de ativos da União. Não importa se os ativos produziam ou não lucros. Basta que eles sejam vendidos, oferecidos à valorização privada. O discurso de que se está ampliando a concorrência, de que o Estado irá ceder espaço a diversos empreendedores privados, pega. O governo faz algum dinheiro em caixa, pouco mais de R$160 bilhões, mas não o suficiente para que o discurso de Crise Fiscal possa ser colocado em questão. Cumpre, assim, seu primordial compromisso, transformar o Brasil num país “amigo dos investidores”.
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