Clara Fernandez – Redação UàE – 28/04/2020
Publicado originalmente em Universidade à Esquerda
Na tarde de hoje o jornal The Intercept lançou uma reportagem que denuncia uma compra superfaturada de respiradores fantasmas pelo governo de Santa Catarina. Ao final de março, em um intervalo de cinco horas entre a decisão de realizar a compra e a escolha da empresa para fornecimento, foi autorizada a aquisição de 200 respiradores por R$33 milhões de reais em um processo que apresenta claros indícios de fraude.
Cada equipamento adquirido custou R$165 mil reais ao governo do estado. Porém, segundo o jornal, a média de preço que tem sido paga por estes equipamentos pela União e outros estados é entre R$60 mil a R$100 mil reais. Os aparelhos deveriam ser entregues no início de abril a 48 unidades de saúde catarinenses. A empresa fornecedora, Veigamed, sob alegação de problemas com o fornecedor, alterou tanto o modelo a ser fornecido para o estado por um mais barato, quanto o prazo de entrega das aquisições para junho deste ano. Os equipamentos têm sido cruciais no enfrentamento à Covid-19 para lidar com os sintomas de falta de ar.
Após a compra ter sido fechada pelo governo, a assessoria jurídica da Secretaria de Gestão Administrativa aconselhou que houvessem outros orçamentos que justificassem o preço. Foram apresentados orçamentos de duas outras empresas no mesmo dia: MMJS cobrando 45 milhões e JE Comércio cobrando 39 milhões, ambas pela mesma quantidade de respiradores, só que do modelo Medical C30. A primeira não possui registro de vendas de aparelhos hospitalares na Receita Federal. No mais, as duas empresas não possuem CNPJ, assinatura e nome de responsável e constam como alocadas no mesmo endereço em seus sites. Ou seja, aparentam ser empresas de fachadas apresentadas apenas para justificar o alto preço fechado pela secretaria de saúde do estado.
Os respiradores foram pagos de forma incomum antes da entrega – o normal é pagar após a realização do serviço – e deveriam ser recebidos no dia 7 de abril. Após o não cumprimento do prazo estabelecido e notificação do governo do estado, a empresa respondeu de forma atrasada modificando o prazo de entrega para junho e alterando os modelos de respiradores. Inicialmente seria adquirido o modelo Medical C35, de uma empresa panamense. O modelo novo trata-se de um Shangrila 510s, de fornecedor chinês e que custa um terço do valor do produto primeiramente negociado. Na documentação da compra não há nenhuma contestação do governo sobre as mudanças feitas ou mesmo mudanças no valor final do contrato firmado. Inclusive, nas fotos apresentadas no processo de compra, constam imagens do segundo modelo como se fosse o primeiro. Como aponta a reportagem, estes são indícios de que a intenção de fato era trocar o produto oferecido desde o princípio da negociação.
A Gerência de Desenvolvimento de Hospitais Públicos de Santa Catarina manifestou dúvidas com a capacidade de atendimento do respirador Shangrila 510S no dia 17 de abril, pedindo uma comissão de médicos para validar a capacidade técnica do equipamento. A superintendente da Secretaria de Gestão Administrativa, Marcia Pauli, respondeu que isto só aconteceria ao receber os aparelhos.
No mais, a empresa autorizada a fornecer os produtos apresenta diversos elementos suspeitos quanto à sua própria existência: a mesma não possui histórico de venda desses equipamentos; há divergência entre o endereço cadastrado junto ao governo e o informado no site da mesma; a imagem de sua sede disponibilizada no site é claramente adulterada; e os telefones encontrados para contato ou não são atendidos por ninguém ou dão em uma “casa de massagens”.
Ao entrar em contato com o CEO da Veigamed Pedro Nascimento Araújo, e com a assessoria do secretário de saúde Helton Zeferino, os jornalistas do Intercept obtiveram apenas respostas evasivas. Após o primeiro contato realizado com o governo pelo jornal, em 17 de abril, foi adicionada ao sistema uma notificação feita pelo procurador do estado Gustavo Canto, em 22 de abril, para que a entrega dos respiradores não ultrapassasse o dia 30 de abril. Na segunda (27) foi feito um parecer pelo cancelamento da compra pela assessoria jurídica de saúde, constando multa de 10% sobre o valor pago e suspensão de contratos com a Veigamed por seis meses. Não se fala em ressarcimento total do valor já pago pelo estado nos aparelhos. A reportagem investigativa completa pode ser acessada clicando aqui.
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