Maria Alice de Carvalho – Redação UàE – 26/05/2020
Publicado originalmente em Universidade à Esquerda.
No Hospital de Campanha do Anhembi, adaptado na Zona Norte de São Paulo para tratar dos casos de baixa e média complexidade de coronavírus, profissionais da área da saúde reclamam de carga excessiva de trabalho, situação de risco por falta de equipamentos de proteção individual (EPI) e chegam a desistir de plantões.
Em reportagem realizada pelo jornal Folha de S. Paulo, os médicos e enfermeiros alegaram que os EPIs disponibilizados não seguem os padrões recomendados, como por exemplo os aventais que não são impermeáveis e possuem uma gramatura abaixo do que é recomendado, colocando esses trabalhadores em risco.
Foi relatado, também, problemas estruturais que interferem diretamente no trabalho e saúde tanto dos profissionais quanto dos próprios pacientes lá internados, como um episódio de falta de água, o qual resultou na impossibilidade de banhar os pacientes e de realizar a higienização do ambiente. As luzes do complexo nunca se apagam, de forma que é impossível saber se é dia ou se é noite. É difícil para os pacientes terem noção sobre o passar dos dias e das semanas.
As luzes também permanecem acesas no espaço de descanso dos trabalhadores, o que dificulta que possam dormir e de fato descansar. Além disso, pela insuficiência do espaço, muitas vezes precisam dividir colchões, o que facilita a contaminação pela Covid-19. Sem espaço suficiente, os profissionais acabam também dormindo de forma totalmente desconfortável em cadeiras, após um longo plantão de trabalho desgastante tanto física quanto emocionalmente.
Até segunda-feira (25), 24 pessoas já haviam morrido no hospital móvel instalado no Anhembi.
A sobrecarga de trabalho é um ponto bastante ressaltado pelos trabalhadores, os quais alegam que cada médico tem ficado responsável pelo cuidado de mais de 15 pacientes, ultrapassando o recomendado pelo Ministério da Saúde – 10 pacientes por médico -, além de precisarem assumir também funções burocráticas. Por não mais suportarem essas condições tão precárias e de risco, os trabalhadores têm desistido de trabalhar no hospital.
“Já passei alguns para frente, pela quantidade de problema que deu. E não sei se vou pegar mais em junho. Tem muita gente boa se esforçando muito, dando o máximo, mas, nessas condições, não tem como trabalhar, tanto pela parte física quanto pela parte emocional”, declarou uma médica.
Mesmo após as graves declarações dos trabalhadores da saúde sobre a situação no hospital de campanha, a prefeitura e as duas Organizações Sociais responsáveis por administrar o espaço negam o conteúdo das denúncias e acusam os médicos e enfermeiros de mentirosos.
O hospital no Complexo do Anhembi foi montado com 1.800 leitos. A prefeitura de São Paulo contratou para administrá-lo duas empresas, o Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (IABAS) e a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), organizações sociais que gerem equipamentos de saúde da rede pública.
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A prefeitura insiste em afirmar que a carga de trabalho dos médicos e enfermeiros segue de acordo com o recomendado pelas autoridades em saúde, e que cada médico tem ficado responsável por no máximo 10 pacientes, além de que afirmam que os profissionais se sentem totalmente seguros com os EPIs fornecidos, apesar de os mesmo alegarem o contrário.
A SPDM também se pronunciou colocando que as afirmações dos médicos são mentirosas; de que não há falta de EPIs e que estes estão dentro dos padrões exigidos pela Anvisa. A organização social apontou também que as salas disponibilizadas para descanso dos profissionais são confortáveis e apropriadas. A IABAS se pronunciou no mesmo sentido, colocando que há oito pacientes por médico nos leitos de estabilização e 18 a 20 pacientes nos leitos de baixa complexidade.
Diante dessa situação, os médicos recorreram ao Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), alertando sobre sobre sua situação de trabalho e inadequações do espaço e dos equipamentos. Porém, a entidade que deveria estar à serviço dos interesses desses trabalhadores se limitou a acionar o Ministério Público do Trabalho e a notificar a prefeitura em uma reunião. O presidente do sindicato, Victor Valela Dourado, se pronunciou dizendo que São Paulo tem uma estrutura muito melhor que outros estados e que, se não cuidarem, a situação ainda pode piorar.
Os trabalhadores da saúde, os quais se colocam em risco diariamente para tentar salvar tantas outras vidas, ao publicizarem sua insalubre situação de trabalho e as dificuldades enfrentadas pelos pacientes nesse momento de pandemia, são acusados pela prefeitura e pelas empresas, ditas organizações sociais, de caluniosos. E pelo seu sindicato, são largados à sorte.