[Opinião] Como o caso do professor Fedrizzi, condenado por violação sexual, expõe a realidade do curso de Medicina da UFSC?

Estudante de medicina da UFSC* – para o UFSC à Esquerda – 20/12/2022

O caso do médico ginecologista Edison Fedrizzi foi amplamente noticiado: esse que, já condenado em segunda instância por violação sexual mediante fraude, ainda ministrava aulas no curso de Medicina da UFSC. No último semestre letivo (2022.2), todos os alunos boicotaram suas aulas. Poucos dias após a veiculação dos fatos, o professor foi afastado, assim como seu registro médico (CRM) cassado. 

Esse caso e seu desenrolar expõem o curso de Medicina enquanto estrutura rígida, apegada à hierarquia, distante da realidade dos alunos, pouco sensível às demandas desses e, sobretudo, reflexo do que é a categoria médica: corporativista acima de qualquer outro valor. 

Leia também: [Entrevista] “Foi absoluto, dessa vez ele não deu nenhuma aula”: ginecologista e professor da UFSC tem registro cassado e é afastado da docência na universidade.

Deve chamar atenção o fato de que, durante todo o primeiro semestre de 2022, Fedrizzi esteve escalado para ministrar aulas práticas sobre exame ginecológico, mesmo sob questionamento dos alunos; mesmo que nenhum aluno comparecesse; mesmo o departamento de Ginecologia e Obstetrícia e a Coordenação do curso estando cientes de todos os fatos e de sua condenação. Apegados à burocracia (tendo em vista que não havia impedimento legal à presença do réu na universidade), os professores/coordenadores lavaram as mãos: não acolheram os estudantes e suas demandas, não providenciaram reposição do conteúdo perdido, não agendaram sequer uma reunião para falar sobre o caso e, menos ainda, sugeriram qualquer mediação. Um curso de graduação que conta com Colegiado de Curso, reuniões regulares de departamento e estrutura suficiente para promover um diálogo exitoso com os alunos – escolheu a omissão. O silêncio do corpo docente só foi quebrado para cobrar os alunos de que seriam reprovados se atingissem o nível máximo de faltas permitidas.

O que os responsáveis pelo curso de Medicina na UFSC estão ensinando aos estudantes? 

Que a manutenção das normas burocráticas se sobrepõe ao processo de ensino-aprendizagem; que os professores não são aliados dos alunos em situações críticas; que a classe médica não se indispõe com seus pares, ainda que isso signifique submeter futuros médicos a um ensino de procedência, no mínimo, questionável. 

Mesmo assim, houve resposta dos alunos. Abstenção total – ninguém frequentava as aulas. Em algumas situações, as carteiras da sala de aula eram viradas para sinalizar a insatisfação. Talvez tenha faltado mais barulho, podemos pensar… Mas, não nos enganemos, esses gestos representam muito em um curso marcado pelo currículo oculto. O medo de retaliações e perseguição implícita sempre silenciam.

Currículo oculto é o termo que usamos para descrever situações e aprendizados a que somos expostos, que não estão discriminados no currículo formal, mas que moldam nossa maneira de pensar e agir na prática médica. Por vezes, pode estar marcado por preconceitos, desrespeito aos pacientes, condutas antiéticas e autoritarismo. Por outro lado, pode se dar através de interações que reforcem empatia pelos pacientes e respeito/consideração mútuos entre colegas. 

E este é o desenho da primeira etapa de um ciclo que se perpetua: ensinam os estudantes de Medicina que não devem subverter a ordem e a hierarquia e quem o faz pode pagar um preço alto durante a graduação (as retaliações sobre as quais comentei acima) e até depois dela; quando médicos, não nos critiquemos, não apontemos problemas de conduta de colegas. 

Não é sobre apontar dedos ou tentar encontrar o responsável pela manutenção desse professor na universidade por tanto tempo após os crimes cometidos; é sobre a necessidade de rever, com urgência, a estruturação do curso de Medicina e, sobretudo, que valores moldam a formação de um médico hoje no Brasil. 

* O estudante optou por não revelar a autoria do texto para a publicação.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *