Como pensar o significado das terceirizações em busca de uma pauta de lutas combativa em defesa da Universidade Pública?

A política de reforma do Estado dirigida pelo Governo Fernando Henrique Cardoso contribuiu significativamente para o desmonte dos parcos direitos que haviam sido formalizados pela Constituição Federal de 1988.

Um de seus principais elementos foi buscar obliterar as questões relativas ao que era direito social, sobretudo no que diz respeito à prestação de serviços sociais. Esse conjunto de políticas, parte da avalanche neoliberal que se particularizou no Brasil em sua expressão dependente, logrou, infelizmente, entre outras coisas, a efetivação da ideologia de ineficiência do trabalho e do serviço públicos. A maior expressão, talvez, desse processo foram as incontáveis iniciativas de desmantelamento e privatização das instituições estatais e a terceirização de funções públicas.

Foi com essa justificação ideológica que muitos cargos e funções públicas deixaram de ser concursados nas universidades federais e foram gradualmente, na medida em que os servidores públicos se aposentavam, sendo terceirizados. De acordo com os ideólogos da terceirização, essa política eleva o grau de empreendedorismo, competitividade, eficiência e economia no serviço público. Tudo isso, claro, justificado ainda sob o ranço daquilo que Collor tratava como “caça aos marajás”, ou seja, a perseguição aos servidores públicos, como se fossem menos eficientes devido à estabilidade no cargo, aos compadrios, conchavos etc.

Passados 20 anos desde o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, podemos fazer uma avaliação empírica do que representou esse processo gradual de extinção de cargos e funções públicas e as conseguintes contratações de empresas terceirizadas. Basta ver como funcionam hoje na UFSC os serviços de manutenção da estrutura e dos materiais permanentes. Enquanto se extinguiram as contratações de vidraceiros, eletricistas, cozinheiros, seguranças, pintores, marceneiros etc., hoje para conseguir qualquer tipo de manutenção os servidores da universidade precisam enfrentar um verdadeiro monstro burocrático que vai da solicitação do serviço até a execução do pedido. Aberrações como recentemente foram constatadas na UFSC – em que uma empresa terceirizada é responsável por instalar o soquete das lâmpadas e outra é responsável por colocar a lâmpada no soquete – resultam em enormes dores de cabeça para realizar tarefas que poderiam e deveriam ser simples e eficientes no cotidiano da universidade.

Não apenas esses tipos de contratos nos mostram que são absolutamente ineficientes em relação ao trabalho de servidores públicos, são também economicamente terríveis para a universidade. Pelos dados estimados da Pró-reitoria de Administração, apenas como exemplo, foram contratados nesse ano 120 porteiros terceirizados para atuarem na UFSC. Esse contrato custou algo em torno de R$ 6 milhões em nosso orçamento. Sendo assim, cada trabalhador custa para a UFSC pouco mais de R$ 4.160,00 por mês, embora recebam salário muitíssimo inferior a essa cifra. A universidade poderia pagar um salário maior se concursasse esses trabalhadores, ao invés de remunerar os proprietários dessa verdadeira indústria de cercamento de trabalhadores terceirizados, oferecendo um serviço melhor e regular efetivamente como o fluxo de procedimentos de manutenção ocorrem dentro da universidade. Isso nos mostra apenas uma fagulha do que é, verdadeiramente, o enorme custo social desse tipo de política de desmonte do Estado.

Este debate é importantíssimo, pois as universidades brasileiras vivenciam hoje um extenso e sistemático ataque às suas condições fundamentais de existência. Vale destacar, nesse sentido, que enquanto a classe trabalhadora se mobilizava para tentar barrar o PL4.330 (Projeto de Lei das Terceirizações), que foi aprovado pela Câmara dos Deputados e agora está no Senado Federal, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da Ação direta de Inconstitucionalidade 1923, que questionava a Lei 9.637/98, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais e a criação do Programa Nacional de Publicização, bem como o inciso XXIV, artigo 24, da Lei 8.666/93 (Lei das Licitações). Na prática, o resultado desse julgamento indica que o Estado poderá contratar trabalhadores “terceirizados” por meio das Organizações Sociais (OSs) ao invés de concursar servidores públicos, inclusive como professores, conforme afirma matéria da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC): “No modelo proposto pela Capes, os professores e pesquisadores seriam contratados de forma autônoma pelas instituições de ensino, e não passariam mais por concursos públicos, como é feito atualmente. Seriam regidos ainda pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que não prevê, por exemplo, dedicação exclusiva. Ouvido pela Agência Brasil, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) critica a proposta”.

Além disso, tanto o Ministério da Educação como várias secretarias estaduais e municipais de educação já começaram a estudar como realizarão a contratação de professores da educação básica e ensino médio por meio de Organizações Sociais.

De nosso ponto de vista essa é uma situação absolutamente grave, capaz de encerrar qualquer possibilidade de um projeto educacional nacional de nosso povo. Combater políticas como essa é parte essencial de uma estratégia de reorganização das possibilidades de construção de uma sociedade justa, coletiva, consciente, livre e igual. Por isso, em meio a um contexto de ascensão das lutas no interior da universidade – como as recentes greves nacionais de servidores docentes e técnicos-administrativos em educação, além das greves estudantis espalhadas por universidades em todo o país – é essencial que se retome pontos importantes de pauta de reivindicação, como o reestabelecimento de cargos extintos, unicidade e recomposição das perdas nas carreiras públicas universitárias, condições de trabalho, condições de permanência justas e igualitárias e a defesa ampla e irrestrita do caráter público da educação nacional: nenhuma terceirização, pela ampliação progressiva e constante do aparelho do Estado nas áreas dos direitos sociais.

Fontes:

VIEIRA, Isabela. Capes defende contratação de professores por organizações sociais. Disponível em: <http://www.ebc.com.br/tecnologia/2014/09/capes-defende-contratacao-de-professores-por-organizacoes-sociais>. Acesso em: 18 jun. 2015.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *