Imagem: Raíces – Frida Kahlo (1943)
Lara Albuquerque* – Redação UàE – 29/10/2018
(1 silêncio) Como escrever? Como usar as palavras? Como saber o que é momento de ser dito ou não? Silêncio! Silêncio! Silêncio… Shh… Melhor sussurrar certas coisa… Shh… Melhor não dizer outras… Deixa o peito apertar. Shh… Levanta a cabeça!
(2 um turbilhão no peito) Por dentro um vulcão explodindo, por fora aparente calmaria de olho de furacão. Não sabia o que dizer aos companheiros que assistiam comigo a cena toda. Saí da sala, saí da vista, engoli o choro, não era hora pra isso. No peito, aperto. Preocupação que todos estivessem em segurança agora, não era hora de ninguém se arriscar, só esperar baixar a poeira. Uns outros bebiam em casa e cantavam bêbados que “tenho vinte e cinco anos de sonho e de sangue e de América do Sul” – jovens, pensei sorrindo.
(3 lembrança dos meus) Marcaram todo mundo numa imagem que dizia pra gente não soltar a mão um do outro. Um outro dizia que eles combinaram de nos matar, mas a gente combinava de não morrer. Outro mais dizia “mais amor, por favor”.
(4 ódio) Lembro que na última semana um moço falou que nessa luta não era com amor que a gente ia mudar as coisas, mas com ódio. Eu acho que concordo com ele. Mas meu ódio não cabe nessa sala com as pessoas que estou agora, nem com os que me chamam ao telefone pra saber como estamos. Sei lá, entre amor e ódio prefiro ficar com raiva, minha mão até se fecha às vezes sem eu perceber, só percebo quando as unhas machucam a palma da mão.
(5 raiva da realidade) Raiva desses projetos de poder que rifam nossa vida, a vida de todo um povo a beira do abismo – quem nos conduziu até aqui? Mas não há um só passo atrás, jamais irão engolir um “eu avisei” – de novo, quem nos conduziu até aqui? Raiva dessa gente neurótica insatisfeita, hipnotizadas por gente paranóica¹, que juntas não alcança nada além dos seus próprios umbigos. Raiva do fato de que muitos não se preocupam, nunca se preocuparam se tão matando negros nas cidades, atirando contra índios nas aldeias, espancando gays, estuprando lésbicas, destilando todo tipo de ódio sobre os corpos trans, se mulher tá apanhando e morrendo na mão do marido bêbado.
Não dá pra romantizar o Brasil. É por isso que é tão difícil virar o voto e mostrar o absurdo disso. Já banalizou, as pessoas almoçam e tomam café da tarde com a perseguição policial servida à mesa pela televisão, horas dela, sensacionalismo gratuito diariamente. Não há importância que as mães choram as mortes de seus filhos, nem que os poetas escondam seus poemas.
O ódio já nos levou muito. Talvez a gente não faça bom uso dele agora, por ora.
(6 o corpo dói) Foi um outubro difícil, me doem músculos que eu nem sabia que existiam, mas defender o #elenão talvez tenha sido a parte mais fácil até aqui. Teremos um presidente analfabeto político, escória do militarismo e ignorante – o tal do fanático. Com respostas que preenchem os umbigos vazios de quem não olha pro lado. A gente realmente não pode se largar agora. Nem deixar urubuzar por cima de nós os que dão ecos oportunistas ao medo que insistem em gritar nos nossos ouvidos, apontando um só caminho e direção.
(7 a calma) Lembremos de deixar a poeira baixar, que há o momento de analisar os fatos, não é tempo de resposta fácil e simples. Não seria de qualquer jeito, não se tratava da escolha de um aliado, mas alguém para lutar contra. Aqueles que já tinham começado o arrocho no nosso lombo.
(8 ainda é semente) Do lado de cá há uma semente no solo, ainda não fincou suas raízes, ainda não brotou suas folhas, mas já arrebentou a casca. Ódio e raiva tem endereço, àqueles que não querem deixar brotar.
*O texto é de inteira responsabilidade da autora e pode não refletir a opinião do Jornal.
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¹ Sobre Paranóia de massa: “A falta de divisão subjetiva e a certeza de suas convicções (político ou religiosas), além de sua determinação de impor suas ideias, faz do paranóico um atrativo hipnótico para o neurótico, sempre dividido, incerto, à busca de respostas para suas questões, insatisfeito com seu desejo, sua vida e seus amores. Assim, o neurótico encontra nas formações de grupo lideradas por paranóicos o ideal no lugar da causa perdida, o que pode levá-lo ao pior. Assim, o paranóico coletiviza os neuróticos divididos, sempre a procura de alguma certeza, de alguém que lhe dê respostas e indique o caminho a seguir, […]. O paranóico é um messiânico por estrutura. […] Ao ser o paladino do ideal, o paranóico coletiviza em torno de si e produz a ‘paranóia de massa’”. (Psicose e Laço Social, 2009. Antonio Quinet)
*O texto é de inteira responsabilidade da autora e pode não refletir a opinião do Jornal.