Ana Julia – Redação UàE – 17/08/2020
Publicado originalmente em Universidade à Esquerda.
Desde o início da pandemia do novo coronavírus, acontecimento que marca nosso século, a maioria dos países colocaram seus institutos e universidades a se debruçar em pesquisas e estudos sobre as características desse novo vírus que circula o mundo. Decifrá-lo, compreendê-lo e tratá-lo tem sido um enorme desafio. Seguindo nessa esteira, na semana passada a discussão sobre as vacinas passaram a prevalecer, impulsionada principalmente pelas mídias, com enfoque na narrativa de que a vacina pode chegar muito antes do que imaginávamos – até mesmo neste ano.
No início da pandemia, discutia-se que a possibilidade de vacina se daria em um futuro bastante distante; nenhuma vacina efetiva foi produzida na história tão rapidamente, há diversos estudos e estágios de testes a serem feitos, inclusive pelo fato de que por ser uma vacina que será aplicada amplamente na população, é necessário ter muito conhecimento sobre quais serão os efeitos colaterais. Átila Iamarino, biólogo e produtor de conteúdo, afirmava que deveríamos contar dois anos para uma vacina minimamente segura, tratando do histórico da produção de vacinas.
Porém, hoje, passados quase oito meses do primeiro caso de coronavírus na China, quatro países já anunciaram que estão avançados na produção de vacinas, sendo eles Reino Unido, China, Estados Unidos e Rússia, alguns já na fase de testagem massiva. Ao todo, existem quase 170 vacinas contra Covid-19 em estudos pelo mundo. Porém, será que sabemos o suficiente sobre o vírus para tratar de seu combate?
No estado de São Paulo, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e no Hospital das Clínicas de São Paulo, investigações estão sendo feitas em casos de pessoas infectadas pelo novo coronavírus há alguns meses e que recentemente apresentaram novos sintomas e tiveram novo resultado positivo para SARS-CoV-2. A reinfecção traz novos elementos para o estudo sobre imunização, tendo em vista que pensava-se até o momento que, uma vez infectado, o organismo produziria os anticorpos necessários para não sofrer mais uma vez com a doença.
Segundo o professor Fernando Bellissimo Rodrigues, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), os estudos realizados buscam compreender mais profundamente como a imunidade se comporta, estudo que contribui para o desenvolvimento das vacinas. Para o professor Afonso Diniz Costa Passos, da FMRP e coordenador do Núcleo de Vigilância Epidemiológica do Hospital das Clínicas da FMRP, essa é uma doença muito recente e nova, com aprendizado muito lento.
Essas novas pesquisas indicam que nem mesmo alguns estudos que precedem o desenvolvimento de vacinas foram concretizados, para que a vacina seja mais eficaz ou que demonstrem até mesmo outros comportamentos do vírus que até então não sabíamos. Não podemos ignorar o fato de que o avanço nos estudos contribuem para saber o que fazer contra o vírus: no início da pandemia pouco se falava sobre o uso de máscara, até que pesquisas demonstraram sua eficácia no combate a transmissão.
Ao longo da pandemia, foi possível presenciar dos mais diversos recursos que a classe dominante estava utilizando para a criação de um suposto clima de segurança em relação ao vírus. Assim foi com os diversos tratamentos e medicamentos: tratamento com remédio para artrite reumatoide e com remédio para malária, hidroxicloroquina, ivermectina, ozônio via retal… foram vários os medicamentos amplamente divulgados pelo presidente e por prefeitos que gastaram milhares de reais para medicar sua população, sem nenhuma comprovação científica e com efeitos colaterais.
É nesse sentido que a discussão sobre as vacinas se encaixa. Nessa corrida por vacinas, o objetivo da burguesia é o mesmo, mas dessa vez com uma resposta que é aceita amplamente, pois se espera uma vacina desde o início da pandemia. Além disso, jogando com as expectativas de que logo as coisas voltarão ao normal, apresentando que o retorno será feito apenas após a vacina e com segurança e que o retorno irá recuperar o país da crise econômica, a classe dominante esconde seu real objetivo, que é conseguir um retorno presencial a qualquer custo de todas as atividades, podendo deixar morrer quem for preciso para isso.
Inclusive, não é precisamente esse o funcionamento da ideologia? Segundo o filósofo Slavoj Zizek, a função da ideologia não é oferecer-nos uma via de escape de nossa realidade, mas oferecer-nos a própria realidade social como uma fuga de algum núcleo real traumático. Ou seja, oferecer a vacina como a solução de todos os problemas; até mesmo da crise econômica.
Portanto, no que tange o desenvolvimento tecnológico e científico no campo da Covid-19 e o retorno das atividade normais, não há como acreditar em perspectivas vazias. A crise é sanitária, mas acima de tudo econômica; nas crises, sempre quem paga é a classe trabalhadora e, em um contexto de pandemia, paga ainda mais caro, com sua vida e a de seus filhos. Portanto, o debate entre nós não deve ocorrer no nível de disputa entre vacina russa ou vacina chinesa, mas sobre o que está em jogo para os países, principalmente àqueles que não terão acesso a essas vacinas tão cedo.