[Debate] A linha de montagem da criatividade

Foto: UFSC à Esquerda

Ariely S.* – Para o UàE – 05/09/2019

 

Há algum tempo me perguntaram onde Design se relacionava com marxismo visando a percepção abrangente que seria uma profissão de cunho totalmente capitalista. A falta de teoria aplicada nessa área traz essa ideia até mesmo para quem o cursa e o tem como profissão. Muitas pessoas ligam a profissão a softwares, tornando o processo técnico, porém a discussão de torna muito mais profunda ao se descobrir que existe design em tudo e com isso a pergunta: “O que é design? E o que é ser designer?” se torna muito difícil de ser respondida. Somos, então, artistas? Projetistas? Por que isso é um bacharelado se não tem alguma produção cientifica principalmente na área de humanas?


“Se você não gostar do capitalismo, ou é louco ou está na graduação errada.”
É o que se houve ao entrar no Design. Uma graduação fortemente pautada em parâmetros liberais ilusórios. A grade contendo disciplinas obrigatórias como Empreendedorismo e Gestão de Design é pertinente ao dizer que qualquer um pode criar uma startup e empreender. É patético ver o egocentrismo passado aos estudantes da romantização de uma profissão que não seria nada sem os meios de produção, não existe quase nenhum estudo do materialismo histórico das mercadorias. Até não compreendermos como profissionais que não somos burgueses e sim, uma massa trabalhadora explorada continuaremos sendo apenas manobrados por ideais fracassados. A exemplo da neoliberaridade proveniente do Design Thinking, utilizado não somente no design, mas em várias outras profissões como uma “solução” (paliativa) para projetos. Engolimos tanto tais processos de precarização profissionais, que parecem absurdos em outras profissões tais como jornadas de trabalho gigantescas, que parecem normais/ usuais pelo campo do design. Com essa não produção teórica/ literária é incumbido ao estudante procurar outros meios de aprofundamento de pensamento e critica, ao tempo de não ser somente mais um reprodutor mecânico de uma individualidade pseudo criativa.

Ora pois, voltamos a pergunta inicial de como o Design se integra a teoria e prática marxista, quanto a mercadoria e todo o seu caráter de fetichismo e ressignificação mantedora e reprodutora do sistema que ela mesmo engendra, por exemplo, podemos pautar com exemplos práticos. Ao chegar a considerada de departamento, como a Renner, CEA, versus entrar em outra loja da Dior, Chanel, Gucci em um shopping de luxo. Em um deles, um serviço quase completamente automatizado (mesmo que você possa perguntar sobre a maioria das pessoas trabalham sozinhas fazendo apenas manutenções funcionais), já no outro existe toda uma preocupação com o bem-estar e experiencia do consumidor. De tal forma, o que se economiza em poucos trabalhadores em uma, se estabiliza na outra com o alto custo da mercadoria mesmo que se para produzir um produto como o que é vendido não se custe tanto. E a forma que essas marcas se posicionam são opções para alcançar determinados seguimentos no mercado. Essas supostas “personalidades” que marcas tem, são concebidas de escolhas propositais e dentro do Design essa área é chamada de Branding. Ele nasce nessa ideia de generalização de personalidade do indivíduo. E essas pessoas passam a se tornarem indivíduos ao mesmo tempo que se passam essa questão generalizada de pertencimento dentro do capitalismo em algum determinado período. O indivíduo sendo essa figura dentro de uma dinâmica econômica faz suas escolhas e essas escolhas seriam guiadas por necessidades. A superação do capitalismo nesse âmbito se torna, então, a superação dessa ideia de indivíduo.

Todo esse conceito quase que místico do campo criativo, de suas belezas e a possível transformação mundial de táticas projetuais não vem de superstições tem a ver com o conjunto de práticas reais do capitalismo que distorcem e invertem papeis.

Romper ideais que não encontram no real (material) suas manifestações é elementar para um segmento de autocrítica. Quando estamos em uma graduação que mesmo sendo bacharel tem teor fundamentalmente técnico, e que de suma, vem carregada de epifanias, temos que voltar todos os dias e nos questionar o que é palpável ou não. Bem como nos colocamos como profissionais ativos em um meio comunicativo.

Pois se o design emerge de um capitalismo a sua importância é muito mais do que apenas ser objeto reprodutor. De tal forma, o que podemos fazer para mudar as bases? Para sermos não somente mais críticos e trazer viés na nossa profissão?

 

Textos para leitura: 

Ribeiro – Gênese e Estrutura da Estética da Mercadoria

Valentim – As origens neoliberais do design thinking

Matias – Projeto e Revolução

 

*O texto é de inteira responsabilidade do autor e pode não refletir a opinião do Jornal

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