Imagem: Canecas do trote integrado do Centro Tecnológico; UàE
F. B. Velho* – Redação UàE – 02/04/2019
No domingo foi lançado um texto que se propôs a iniciar um debate na comunidade da UFSC sobre as concessões feitas para realizar o Trote Integrado do CTC, que chegou a sua 28º edição no último sábado. Este é um texto de sequência que repõe algumas das questões sugeridas no primeiro, e procura dialogar com as respostas sérias ao mesmo. Tomou-se por irrelevantes aqueles comentários feitos para “lacrar”, muitos deles da direita, mas não só — a ignorância está longe de ser um monopólio da direita.
Esta sessão de debate acolhe textos enviados para e-mail da redação (redacao@ufscaesquerda.com.br), escritos também por autores sem vinculação ao UFSC à esquerda, que consideraram a relevância da discussão sugerida aqui.
Leia a primeira publicação sobre o debate proposto: “as concessões de uma festa”
O Trote Integrado do CTC surgiu em 2005. Hoje, é a maior festa organizada por Centros Acadêmicos da UFSC, atividade final dos vários momentos de recepção dos calouros. O TI promove a arrecadação em massa de alimentos, peças de roupas e sangue para doação. Isso é fruto do estímulo que vem sendo dado à gincana solidária, uma atividade que acontece também nas semanas de recepção de outros Cursos. O volume de arrecadação do TI, que lhe conferiu o título de maior evento solidário do sul do país, se deve ao fato de concentrar as doações do Centro Tecnológico, o maior da UFSC. Nessa 28º edição, participaram as bases de 11 Centros Acadêmicos: CAECA, CAEE, CAEL, CALEC, CALEQA, CALESA, CALICO, CALIPRO, CAMAT, CAME e CASIN.
No texto publicado no domingo, dei ênfase a um aspecto da realização das últimas edições do TI: qual é a concessão que fazem os estudantes quando acatam a exigência da Reitoria de fazer uma festa no campus dentro de grades, cobrando entrada?
Esse aspecto é anterior ao problema de realizar eventos privados em um espaço público. Ele remete a questões mais concretas: 1. O que os estudantes têm a ver com a política da Reitoria? 2. O que está em jogo com essa política?
Responde um de nossos leitores: as determinações impostas para realização do Trote são uma decorrência da solução da Reitoria para a questão da segurança (que é, diga-se, o esvaziamento, a segregação do campus); os CAs aceitaram as determinações da Reitoria para poder realizar o maior evento solidário do sul do Brasil; o cercamento da Praça da Cidadania com tapumes metálicos se justifica pelo TI ser um evento solidário.
A clareza da resposta expõe o núcleo do problema: o TI se propõe a ter um pezinho “social”, e isso basta. O Trote é a correia de transmissão da política de cercamento do campus, mas basta que exista sua contrapartida filantrópica para que o saldo moral seja positivo.
O lado “social” do Trote afastou de si o conteúdo político, isto é, deixou de refletir sobre as idéias que animam a prática real, as ações concretas, o cercar-se a Praça com barreiras de 2 metros. Liberadas do peso das idéias — o que significa dizer: desconsiderado o processo, o sentido, a política — as decisões passam a ser uma questão de gestão. O “social” deixou de ser uma questão política e é agora medido em toneladas.
No que efetivamente isso implica?
Ao mesmo tempo que os Centros Acadêmicos do CTC tomaram esse acesso de filantropia dentro da Universidade como papel “social” cumprido, os estudantes em geral afastaram de si a responsabilidade de refletir com seriedade e densidade sobre o papel social da Universidade. Na verdade, o que fazem é incorporar em sua prática, como que por instinto, as idéias dominantes sobre a Universidade, que a querem ver reduzida a uma prestadora de serviços para a sociedade. Essas são, a rigor, as mesmas idéias que orientam tanto as empresas juniores como os grandes projetos de parcerias, como as Parcerias Público-Privadas, com o empresariado (o projeto para a UFSC Joinville) e mesmo as parcerias com entes públicos como a Petrobrás ou o Ministério da Saúde (que giram milhões de reais).
Leia: [Opinião] O Novo campus da UFSC em Joinville e o Futuro da Universidade: afinal, quem decide quais sementes plantar?
Leia também: [Debate] Um comentário sobre a pequenez. Ou, sobre o empreendedorismo universitário
Nas idéias dominantes, a Universidade é alienada de seu papel histórico: o de refletir e dar respostas sobre os grandes problemas da sociedade brasileira, de pensar o Brasil, de ser um agente ativo da transformação nacional. Fica, de resto, como que apenas uma lembrança disso, minimizada, apequenada: prestar serviços para o interesse privado, achar tal ou qual solução técnica para um problema na indústria ou nos serviços.
Não estão em perfeita sintonia com isso o par de idéias: “arrecadar para a assistência social alimentos, roupas, sangue”, “seguir a regra da Reitoria para poder realizar o Trote”?
Os CAs precisam atrair para si o papel de formular uma política independente, que não se submeta à tutela de ninguém: nem à linha política de um partido, nem às idéias disfarçadas das associações privadas, nem aos desmandos da Reitoria.
Isso não significa que os enfrentamentos que o movimento estudantil terá de fazer serão no plano das idéias, da crítica, ou melhor, não serão apenas aí. A disputa real será, naturalmente, no plano da política, das ações imbuídas de idéias, das ações com consequência. Não das ações que ignoram as consequências. As idéias do movimento estudantil não podem ser aquelas que querem ver a Universidade apequenada!
Esse papel tem que ser retomado pelo movimento estudantil. Os estudantes são o pólo mais dinâmico na universidade, aquele que está em constante renovação de suas fileiras. Não significa que será sempre o pólo progressista: esse é precisamente o panorama hoje, no qual o imobilismo e a falta de direção — que se expressam na prática viciada, no aparelhamento de entidades, nas lutas desagregadas, no apassivamento frente às “regras”, na aridez dos debates — colocaram o movimento estudantil como um gigantesco passivo para a transformação da Universidade, e, por consequência, das transformações sociais. Se não vier dos estudantes, não virá de outro lugar aqui dentro: nem do movimento dos técnicos nem dos professores, que regridem cada vez mais às pautas corporativas, ao egoísmo de categoria.
Em oposição a esse egoísmo, às idéias avessas ao nosso local de estudo, de pesquisa, de lazer, os estudantes não precisam da filantropia. Precisam é da verdadeira solidariedade: a solidariedade de classe. Os CAs precisam voltar a pensar e reivindicar um Projeto de Universidade, um projeto efetivamente comprometido com a imensa maioria dos brasileiros, os trabalhadores, os milhões de explorados que sequer têm condições de estudar nas cadeiras dessa instituição.
*O texto é de inteira responsabilidade do autor e pode não refletir a opinião do Jornal.
A sessão de debate acolhe textos de autores com ou sem vinculação ao UFSC à Esquerda.
Os textos relacionados ao debate aqui exposto podem ser enviados para:
redacao@ufscaesquerda.com.br.