Competências Socioemocionais, segundo o Instituto Porvir

[Opinião] O que há por trás das fachadas das Escolas de Inteligência e das competências socioemocionais?

Morgana Martins* – Redação UàE – 28/06/2018

Anunciada no dia 07 de julho, a parceria da Prefeitura de Florianópolis com a Escola da Inteligência, implementada somente em escolas municipais – principalmente naquelas em locais que têm uma tendência a vulnerabilidade social –, precisa ser analisada com mais calma e cuidado. Então, o debate suscitado no texto busca levantar alguns dados sobre a Escola da Inteligência para dar uma outra perspectiva sobre as mesmas.

A Escola da Inteligência é um modelo educacional vendido pelo Grupo Educacional Augusto Cury e busca desenvolver a educação socioemocional nas escolas. O objetivo dessa reestruturação, segundo a Prefeitura de Florianópolis, seria melhorar os índices de aprendizagem e melhorar relações interpessoais, ao passo que diminuiria a violência o uso de drogas e a evasão escolar.

Ver mais em: https://ufscaesquerda.com.br/noticia-prefeitura-de-florianopolis-implementa-escola-da-inteligencia/

Em primeiro lugar, é importante destacar que a educação busca formar os sujeitos que são necessários para a forma de sociabilidade vigente, essa questão não pode de forma alguma estar descolada dessas implementações e mudanças nas escolas. Em um segundo momento, é preciso lembrar que a educação constitui uma esfera fundamental para a valorização do capital, isso quer dizer que por trás dessas “inovações” educacionais estão os interesses dos grandes capitais em se auto valorizar.

Com isso em mente, a primeira questão levantada é de que as competências socioemocionais possuem íntima relação com a entrada de testes psicométricos nas escolas, os quais medem as capacidades socioemocionais dos estudantes.

Um desses testes foi aplicado em 2013, o qual teve apoio da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro. Cerca de 25 mil estudantes do 5º e do 9º ano do ensino fundamental e do 3° ano do ensino médio participaram da aplicação piloto desse instrumento, denominado de sistema SENNA (sigla em inglês para “Avaliação Nacional de Socioemocionais ou Não-cognitivas”).

Cenários como esse foram discutidos por algumas autoras da Psicologia Escolar já na década de 90, como Maria Helena de Souza Patto, a qual realiza uma crítica de forma precisa a avaliação dos alunos através de medidas psicométricas, pois os testes realizados são incoerentes com o vocabulário e o cotidiano a qual os estudantes da classe trabalhadora estão inseridos, por exemplo.

Então, podemos desconfiar dos dados lançados pela Porvir – uma agência de comunicação sobre as inovações na área da educação –, de que através da aplicação desses testes foi possível estabelecer que “jovens com competências socioemocionais mais desenvolvidas tendem a ter melhor desempenho escolar”.

Em um texto para a Istoé, Mozart Neves, diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna e que foi também presidente executivo do Todos Pela Educação, já no ano passado discute a “revolução silenciosa da Educação em Santa Catarina”, texto que nos indica alguns elementos a serem considerados também sobre as alterações na educação em nosso estado.

Nesse artigo, Mozart deixa claro que, em Santa Catarina, juntaram-se a FIESC (Federação das Indústrias de Santa Catarina), o poder público da Educação, as federações do Comércio, dos Transportes e da Agricultura de Santa Catarina, o Instituto Ayrton Senna e o Instituto Natura com o objetivo de reestruturar a educação no estado.

A primeira implementação realizada por esses grupos foi a de um projeto de educação “inovador e que tem como objetivo maior desenvolver o pensamento crítico e a criatividade” – com o auxílio também da OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – nas escolas de Chapecó, redes municipais e estaduais, e também nas escolas do Serviço Social da Indústria (SESI) no município.

Ou seja, iniciou-se a entrada de elementos como o desenvolvimento cognitivo, intrapessoal e interpessoal nas escolas juntamente com o ensino integral, um passo de entrada para as competências socioemocionais. Essas competências foram elaboradas mais recentemente, tratadas em documentos da Unesco, do Instituto Porvir¹, do Instituto Ayrton Senna² e do Movimento Pela Base Nacional Comum³ como as “habilidades essenciais para o século 21”.

O que há de comum entre essas instituições é sua relação com o grande capital, o qual reorganiza e reestrutura a educação sem que seja possível realizar um acompanhamento de todos os seus interesses de forma completa. É possível apenas realizar uma pequena relação entre as mais diversas esferas que disseminam essa “forma educativa”, desde as Federações da Indústria até Institutos como o da Natura, que agora também investe em educação, e o Ayrton Senna, que possui como maior financiador o Banco Itaú.

Ou seja, a Escola da Inteligência, tratada como uma alteração normal pela Prefeitura de Florianópolis, está relacionada às mais diversas esferas do capital, o qual pretende difundir sua compreensão de mundo e possuem um projeto bem organizado para a educação e para a sociedade. Tanto que suas teorias sociais estão ligadas sempre à análises teóricas sobre a produção das condições materiais da vida social, sendo capazes de realizar um deslocamento argumentativo e colocar os problemas, que são do próprio modo de produção capitalista, na educação, e é nisso que embasam suas alterações nos modelos educacionais.

Enfim, é preciso nos questionar sobre essas alterações e implementações de desenvolvimentos de competências socioemocionais, as quais não se limitam somente às escolas, possuindo um campo de extensão também para as formações universitárias. Alterações que contribuem cada vez mais para retirar da centralidade dos processos educativos os conhecimentos e conteúdos fundamentais e densos produzidos historicamente pela sociedade e que nos auxiliam a compreender a realidade e o mundo que nos cerca.

¹ http://porvir.org/especiais/socioemocionais/

² http://www.institutoayrtonsenna.org.br/pt-br/Atuacao/Atuacao2/edulab-21.html

Livro “Tomando Nota! Sobre o Desenvolvimento das Competências Socioemocionais nas escolas” http://institutoayrtonsenna.org.br/content/dam/institutoayrtonsenna/atua%C3%A7%C3%A3o/centros/edulab21/Livro_TomandoNota_Final.pdf

³ http://movimentopelabase.org.br/acontece/competencias-gerais-de-bncc/

*O texto é de inteira responsabilidade do autor e pode não refletir a opinião do Jornal.

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