Foto: UFSC à Esquerda
Jussara Freire* – Redação UàE – 16/09/2019
Na última sexta-feira (13) ocorreu a primeira reunião do comando de greve estudantil, deliberado em Assembleia Estudantil na última terça-feira (10), como uma forma de organizar as atividades e deliberações aprovadas. E é preciso dizer: foi uma reunião extremamente difícil.
O que foi deliberado em Assembleia é que o comitê seria composto por um estudante titular e suplente de cada curso em greve e do Diretório Central dos Estudantes (DCE), além de quatro representações dos movimentos negros, quatro dos movimentos indígenas, dois do Grêmio do Colégio de Aplicação, um da União Nacional dos Estudantes (UNE), um da União Catarinense dos Estudantes (UCE) e um da União Florianopolitana dos Estudantes Secundaristas (UFES). Com a presença de cerca de 32 representações e sem nenhuma apreciação dos presentes sobre quem coordenaria a reunião, a representação do DCE e da UNE tomaram a dianteira.
Sob argumentos de ‘preocupação de segurança’ e que a ‘manutenção da presença da base atrapalha a reunião’, foi pautado primeiramente o impedimento da presença de estudantes que não haviam sido eleitos como representantes e encaminharam uma votação em seguida sobre a questão que não havia sido anunciada previamente e, portanto, muitos dos presentes, senão todos, não puderam discutir sobre o assunto com seus colegas de curso. Não se pautou inicialmente as questões mais urgentes dos cursos e centros que labutam a cada momento para manter sua greve localmente ou qualquer das dezenas de problemáticas que o movimento grevista tem enfrentado. Tal postura fez com que o espaço fosse bastante tensionado e que houvesse uma grande dificuldade em realizar os debates necessários à construção da greve, com ânimos exaltados do início ao fim. Ao final, o que se decidiu é que seria feito uma consulta às bases sobre a abertura ou não da reunião e que a questão seria votada em outra reunião do comando.
Muito provavelmente alguns representantes utilizarão como exemplo essa reunião para afirmar a impossibilidade da realização de reuniões abertas, como se estas necessariamente criassem tumulto e não possibilitassem respeitar a posição dos representantes. Alguns, inclusive, irão afirmar que colegas inoportunamente gritaram com eles, como se houvesse uma atuação proposital para interferir nos encaminhamentos fundamentais da reunião. Também acho muito complicado quando perdemos a capacidade de conversar entre nós a ponto de ser necessário levantarmos o tom da voz, mas uma primeira coisa que precisa ser ponderada é: o que leva pessoas que estão dispostas a compreender e construir uma greve precisarem gritar entre si?
Para tratar do conjunto da questão acerca do modo de funcionamento de um comando de greve é preciso retomar um pouco como chegamos até aqui, até a greve estudantil na Universidade Federal de Santa Catarina: Uma assembleia Universitária com mais de 5 mil presentes conclamou todas as categorias a construir uma greve na UFSC. Após essa assembleia massiva, a posição sobre a greve foi referendada pelas assembleias dos estudantes de graduação e pós-graduação e está em processo de construção nas demais categorias (professores e técnicos)¹. Essa Assembleia só ocorreu porque muitos daqueles que não possuíam cadeiras de representantes no Conselho Universitário – cujas sessões são fechadas e pautadas em soluções majoritariamente burocráticas para gestar a crise – insistiram na necessidade de ocupar esse espaço onde historicamente se decide os rumos da UFSC da forma que bem convém a alguns poucos senhores, para pautar politicamente a solução para a crise que assola as Universidades. O dia 27 de agosto foi um dos primeiros momentos onde pautamos que os rumos da UFSC deveriam estar nas mãos de toda a Comunidade Universitária, quando a Assembleia Estudantil do mesmo dia esteve presente na sessão do CUn forçando-a a ser aberta e pautaram a convocação de uma Assembleia Geral.
Pelo menos desde a Reforma de Córdoba de 1918 se coloca em questão o modo de funcionamento da suposta democracia Universitária, debates que ainda permanecem: os colegiados onde professores decidem os rumos dos cursos definindo os currículos, laboratórios e pesquisas da graduação e pós-graduação de portas fechadas e de acordo com os próprios interesses; Conselho Universitário (instância máxima de representação da UFSC) e sua adesão às políticas privatizantes às portas fechadas, que nos trouxeram até esse momento no qual é propício para este governo apresentar projetos como o Future-se. Porque então, quando estamos falando de uma reunião de comitê de uma greve que se consolidou em um cenário de enfrentamento com essa forma da política, onde as cúpulas decidem os rumos de todos, se pauta que tenhamos de ir na direção contrária?
É claro que há uma diferença substancial no fato de que esses representantes têm o compromisso de levar o que é debatido em suas bases para o comando de greve, que devem votar pautando-se no acúmulo que já se tem nessas. Mas, se isso está garantido, porque temer então que a base possa acompanhar se isso de fato está se cumprindo? Inclusive, foi assim que nos organizamos na última greve que ocorreu na UFSC, em 2015. O comando unificado de greve composto por professores, técnicos e estudantes, realizava reuniões que eram chamadas de forma aberta. Quem quisesse comparecer para acompanhar o que estava sendo debatido e votado ali, poderia ficar à vontade e no momento do voto, apenas os representantes dos cursos e categorias em greve votavam. E isso não se configurou em uma dificuldade organizativa de forma alguma.
Não me oponho ao fato de que há questões estratégicas e táticas que precisam de reuniões fechadas para serem organizadas, mas este não é o caso do comando de greve, não nesse contexto. Se for necessário debater questões de segurança que precisam de um certo sigilo, então que o comando de greve organize uma comissão com pauta única de segurança para fazê-lo ou excepcionalmente feche a reunião em possível pauta sensível. Este temor não justifica que as bases não possam acompanhar todas as demais questões que alí se encontram em debate. As pautas envolviam informes dos centros de ensino, calendário da semana seguinte e as dificuldades que alguns cursos estavam encontrando para mobilizarem-se na greve. Estas pautas de fato envolvem um sigilo tão absurdo. As próprias reuniões dos comitês de greve nos cursos já ocorrem de forma aberta, porque nesta precisaria ser diferente?
Outra questão é que quando se trata de ocupar as cadeiras deste comando, em diversos cursos, quem se dispõe a ir para esses espaços majoritariamente são os membros das mesmas organizações políticas que até então estavam se opondo à construção de uma greve na Universidade, que só mudaram seu discurso frente à inevitabilidade da mesma. Estas mesmas organizações são as primeiras a defender que a reunião do comando de greve seja fechada. Porque quem até dias atrás estava puxando o freio da greve, agora precisa de reuniões fechadas do comando?
E veja, isto não é mera suposição, basta olhar no sites e canais de comunicações de todas as organizações políticas que hoje se encontram na diretoria do DCE, a saber:
- União da Juventude Comunista (UJC), que constrói o Movimento por uma Universidade Popular (MUP), juventude do Partido Comunista Brasileiro (PCB);
- Juventude Comunista Avançando (JCA), organização do Polo Comunista Luís Carlos Prestes (PCLCP);
- Brigadas Populares, da Juventude sem medo, organização do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL);
- Afronte, juventude da Resistência que constrói a Juventude sem medo no PSOL;
- Alicerce, outra juventude do PSOL;
- União da Juventude Rebelião (UJR), que constrói o Movimento Correnteza e atualmente se institucionalizou como Unidade Popular pelo socialismo (UP);
- Juventude Revolução (JR), da Corrente do Trabalho no Partido dos Trabalhadores (PT).
Ao olhar estes canais é possível dizer que estas organizações estão efetivamente pautando e divulgando a greve na UFSC e uma greve nacional da educação? Quando procuramos nos sites e redes sociais de todos eles, é um ou outro que tem algum material sobre o que está ocorrendo na UFSC, e muitas vezes atrelado à promoção da fala de algum militante seu nos espaços que vêm ocorrendo. E tudo bem, essa é uma prática legítima, desde que se faça algo mais do que usar esses espaços para promover a própria imagem! Já a divulgação do debate sobre as movimentações na UFSC, que têm pautado a necessidade de dar visibilidade à greve e sobre a necessidade de construir uma greve nacional por tempo indeterminado é material quase escasso na grande maioria destes canais e até mesmo das entidades nacionais que muitos deles constroem, como a União Nacional dos Estudantes.
É claro que as expressões do movimento não se dão somente online, mas os estudantes que estavam presentes em espaços como a Assembleia do Centro de Filosofia e Ciências Humanas do dia 26 de agosto, que tirou a posição do Centro contrária ao Future-se integralmente e a Assembleia Estudantil do dia 27 do mesmo mês, da qual os estudantes tiraram a reivindicação de que toda a Universidade pudesse se posicionar sobre o Future-se, puderam presenciar militantes tanto da Juventude Comunista Avançando, quanto da União da Juventude Comunista se opondo à construção da greve e fazendo falas desmobilizadoras. Além disso, onde estavam esses militantes quando as primeiras movimentações estavam ocorrendo na UFSC? Quais desses militantes estiveram dispostos de fato a comporem as greves em suas bases? A ampla maioria deles só aceitaram a condição da Greve quando essa se tornou inevitável pela grande massa dos estudantes, cuja a radicalidade e força para a construção da greve causa temor nos burocratas que anseiam reuniões fechadas.
Sabe-se, vulgarmente, que estas organizações são orientadas por suas linhas políticas e ao pesquisar em seus meios de comunicação e acompanhar como estavam atuando até poucas semanas atrás é visível que o que estamos fazendo aqui não está contemplado nessas linhas. Então até que ponto são capazes de se compromissar com a greve na UFSC, se esta não servir às compreensões estratégicas de suas próprias organizações? Mesmo que a compreensão de suas organizações esteja equivocada, terão coragem de ir além delas e construir até as últimas consequências o que o conjunto da comunidade universitária têm pautado? Já tivemos experiências onde ocupações por permanência foram encerradas por algumas dessas organizações após atuarem constantemente para gerar polêmicas e esvaziamentos desses espaços. Em 2015, tivemos uma experiência onde o Polo Comunista Luiz Carlos Prestes (PCLCP) chegou ao ponto de sentar com a Reitoria de Roselane para entregar nomes de trabalhadores em greve.
Essas experiências não podem ser esquecidas. Não para que se crie um clima anti-partidário ou qualquer coisa do gênero, mas que se possa saber exatamente a gravidade das práticas de determinadas organizações e quais problemas históricos não podemos deixar serem repetidos em um momento tão decisivo para a Universidade. Inclusive, penso que não seja possível confiar em uma organização que claramente tem consigo o histórico de traição do movimento grevista na Universidade e segue até hoje com discursos que apaziguam o papel das Reitorias frente à consolidação de projetos como o Future-se. E para os demais organizados, resta perguntar se realmente estão dispostos a disputarem a linha de seus partidos ou a sobreporem-na ao que o movimento da UFSC tem apresentado.
Por fim, é preciso lembrar qual o papel de um comando de greve: permitir que os diferentes integrantes dos diferentes espaços possam trocar informação entre si e se organizarem para atuar de forma conjunta, assim como ajudar os cursos que estão com dificuldades frente à construção da greve, para que possam concentrar a força social necessária para realizar a tarefa da greve: barrar os cortes da educação, derrubar o Future-se e mobilizar os demais setores da população para um embate verdadeiro contra o Governo Bolsonaro. A exclusão não pode ser o nosso princípio diante das enormes tarefas que temos. É preciso ter em mente que construir uma greve é sempre um caminho imprevisível. Se queremos manter a magnitude deste movimento, temos muitos desafios pela frente, de fato, e por isso as coordenações dos espaços precisam estar preparadas para os diferentes contextos de reuniões que cada momento da greve irá apresentar para nós, ao invés de cercear e truncar o seu funcionamento a priori.
A unidade precisa parar de ser um bordão frouxo em nome do qual se tenta deslegitimar toda e qualquer reflexão/crítica necessária sobre as tarefas que temos a cumprir e virar uma prática fundamentada em uma atuação sólida, que precisa ser construída para ontem, com a massa da comunidade universitária e sem mais ilusões de vias estratégias burocráticas fracassadas e traidoras. Aqueles que adoram gritar que é necessário organizar a luta na UFSC precisam urgentemente parar de atuar para desorganizá-la, seja criando polêmicas para não deixar que o comitê de greve de fato cumpra um papel de concentração da força da luta na UFSC, seja setorizando e isolando os movimentos de greve em seus próprios centros. Mas, caso queiram levar a cabo as mobilizações com cinismo, alardeando que constroem a greve enquanto atuam para destruí-la, terão de se haver com os estudantes que não estão mais dispostos a aturar práticas de dogmatismo e fragmentação tão baixas quanto essas que temos assistido nos últimos dias.
¹ Para esta segunda, 16/09, está prevista uma Assembleia dos Professores convocada pela Associação de Professores da UFSC, após pressão de docentes em reunião ampliada convocada pela associação no dia 10/09. O grupo docentes em movimento, em Assembleia realizada também no dia 10/09, já deflagrou estado de greve. Os Técnicos Administrativos em Educação da UFSC reunidos em Assembleia na última quinta-feira, 12/09, deliberaram por estado de greve e um dia de paralisação na próxima segunda-feira, dia 16/09. Além disso, nesse final de semana, em Plenária da Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos das IFES (Fasubra Sindical), que ocorreu em Brasília, foi aprovado que as bases discutam Greve por tempo indeterminado até 04/10.
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