Foto de Henrique Almeida/UFSC

[Debate] Proposta de Minuta institui limite de reprovação para estudantes da graduação da UFSC

Foto: Henrique Almeida/UFSC

Maria Alice de Carvalho – Redação UàE – 14/06/2018

Os professores do Centro Tecnológico da UFSC (CTC), com a justificativa de que há a necessidade de se regulamentar o acompanhamento do desenvolvimento dos discentes no curso de graduação e de fixar normas quanto à matrícula e integralização curricular do curso, estão propondo uma Minuta que institui limites para o número de reprovação em disciplinas nos cursos de graduação da UFSC e um programa de acompanhamento dos discentes.

De acordo com a proposta dos professores, que deverá ser apresentada no Conselho de Unidade do CTC na semana que vem, o estudante que, após a data final para lançamento das notas do período letivo, reprovar pela segunda vez em uma mesma disciplina, ultrapassar o limite de dez reprovações desde seu ingresso no curso,  reprovar em mais de 25% das disciplinas do referente período e ter Índice de Propensão à Conclusão (IPC)¹ inferior a 1,0 terá sua matrícula automaticamente colocada em observação.

Já, o estudante que: reprovar em todas as disciplinas em que estava matriculada no período letivo, reprovar pela terceira vez na mesma disciplina, ultrapassar o limite de quinze reprovações desde seu ingresso no curso, ter IPC menor que 0,5 e tiver menos que 50% do número máximo de períodos previstos para conclusão do curso; terá sua matrícula automaticamente bloqueada e somente poderá se matricular no período letivo seguinte após entrevista presencial, e terá, caso consiga se matricular, um professor tutor do próprio curso ou departamento que será indicado pelo Coordenador de Curso para acompanhar o desempenho do estudante durante o período letivo.

Será recusada, definitivamente, a matrícula do estudante que: ultrapassar o prazo máximo para integralização curricular, reprovar em todas as disciplinas em que esteve matriculado no período e em um outro período anterior qualquer, reprovar quatro ou mais vezes em uma mesma disciplina, ultrapassar o limite de vinte reprovações desde seu ingresso no curso e possuir IPC menor que 0,5 nos últimos três períodos cursados.

O professor tutor, o qual acompanhará o discente que possuir sua matrícula bloqueada, terá a função de orientar o estudante na escolha de disciplinas nas quais se matriculará no período letivo subsequente, de estabelecer um plano de atividades para que o estudante “dê conta” de seu período letivo, de acompanhar o cumprimento desse plano de atividades e de preencher um relatório final desse acompanhamento. Além disso, o professor tutor deverá ter acesso irrestrito à frequência e desempenho do estudante nas disciplinas que cursa e será alertado caso o estudante falte pela terceira vez consecutiva em uma disciplina ou atinja 15% de falta em qualquer disciplina.

Essa minuta, após ser aprovada pelo Conselho de Unidade do CTC, será encaminhada para a Câmara de Graduação, a qual poderá submeter a aprovação ou não da minuta ao Conselho Universitário; uma vez aprovada, essa minuta passa a valer para todos os estudantes de graduação da UFSC.

Em que isso pode acarretar?

Diante da possibilidade dessa minuta entrar em vigor na Universidade, alguns estudantes de Centros Acadêmicos do CTC se colocaram em alerta e começaram a buscar formas de como contra argumentar sobre essa minuta e buscaram, em outros Centros Acadêmicos, o apoio para isso.

Os principais pontos que podemos levantar sobre como a aprovação dessa minuta influenciará na vida dos estudantes e no processo de ensino e aprendizagem, são os de que essa forma de “controle de reprovação”, além de ser uma medida paliativa que nada resolverá sobre o que leva os estudantes, de fato, a reprovarem tanto, culpabiliza apenas esses por seu suposto fracasso, deixando de lado os professores, o currículo e a própria estrutura universitária.

Essa minuta não questiona, por exemplo: por que os estudantes, em especial os do CTC, possuem um índice de reprovação tão alto? O que esses estudantes estão de fato aprendendo e qual o rigor científico da produção de conhecimento no curso? Os conteúdos de ensino têm feito sentido e possibilitado os estudantes a enxergá-los na realidade? O que houve com o ensino dentro da universidade que chegamos ao ponto de precisar de um acompanhamento individual ao estudante para que ele dê conta de sua formação?

É interessante pontuarmos, também, que dentre os próprios professores que veem inicialmente a necessidade dessa regulamentação do número de reprovação dos estudantes, há alguns que chegam a reprovar 100% de uma turma e a interpretação deles, convenientemente, é a de que o problema está em cada aluno individualmente; a reprovação, nessa minuta, é interpretada como resultado da desorganização e displicência do estudante, o estranho é nos perguntarmos como uma turma consegue reunir, em seu total, apenas estudantes com essa mesma característica… não seria o fator em comum entre eles o docente e currículo ao qual estão submetidos?

São esses os professores que acompanharão aqueles estudantes com matrícula “em alerta” na construção de seu período letivo. O programa de acompanhamento do discente proposto pela minuta dos professores do CTC, o qual podemos denominar aqui como tutela, permite, dentre outras coisas, que a autonomia estudantil na construção de sua formação,  a qual já é uma luta dentro da universidade, seja definitivamente destituída. O estudante passará a cursar apenas aquelas disciplinas que seu professor tutor julgar como as necessárias e as que possibilitarão a conclusão de seu curso o mais breve possível. O que deveria ser a construção de um sonho que cada estudante possui ao entrar na universidade passa a ser o mero cumprimento de uma lógica produtivista, que nenhum sentido possui para aquele que está estudando. Nos perguntamos, diante disso, qual a função pedagógica dessa tutela? Impedirá ela que próximas reprovações venham a ocorrer? É dessa forma produtivista e ausente de um sentido no processo de aprendizagem que utilizamos de forma racional, como defendem os professores, os recursos humanos, materiais e financeiros da nossa universidade? Ou não seria utilizar, de fato, de forma racional esses recurso investido-os na construção de uma universidade na qual formamos sujeitos capazes de aprender e de aplicar um conhecimento científico rigoroso na realidade na qual nos encontramos?

Para respondermos a essas perguntas é preciso que nos encontremos, enquanto categoria estudantil, na construção de espaços de discussão nos quais possamos pensar sobre como estão nossos currículos, como se organiza hoje a universidade, qual o papel que tem sido atribuído historicamente ao estudante e como podemos mudá-lo na construção de uma universidade a qual queremos dar a nossa própria cara.

Onde está o Movimento Estudantil?

Diante disso, é importante retomarmos a importância de o Movimento Estudantil nesse momento estar unido e lutando contra essas formas de ataque a sua autonomia, a sua formação de qualidade e a produção de conhecimento dentro da universidade. É preciso estar contra essas formas de controle que dizem sobre absolutamente todos os estudantes e  que ainda nada levam em conta com relação às questões de permanência que nos assolam diariamente.

Inclusive, nessa minuta que regulamenta as reprovações, não são consideradas plausíveis justificativas relacionadas a atividades profissionais, em particular as que impliquem conflito de horário ou de interesse com atividades e eventos acadêmicos previamente agendados, ou seja, o que acontecerá, diante desses problemas, com os nossos estudantes que necessitam trabalhar para se manter diariamente na universidade?

No último Conselho de Entidades de Base (CEB), uma estudante representante do CTC esteve presente para dar um informe sobre a existência dessa minuta e alertando ao Movimento Estudantil que se volte para isso. Portanto, fica o questionamento: onde esteve o Movimento Estudantil e quais pautas ele tem priorizado até o momento e quais lutas ele traçará daqui em diante?

¹ Mede a tendência do discente de integralizar o currículo dentro dos prazos definidos nos Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC). Varia entre 0 e 2, sendo que o valor acima de 1, tendendo a 2, indica propensão à integralização curricular no tempo mínimo, enquanto que um valor abaixo de 1  indica tendência de conclusão do curso em tempo superior ao máximo previsto no PPC.

Um comentário

  1. Boa noite, lamentável ver professores com este posicionamento, não tendo o mínimo de empatia e apenas apontando dedos. Professores sem a menor didática, “professores” que se formaram para serem engenheiros, matemáticos, físicos e etc ou seja, não se formaram para serem professores, na maioria das vezes não se esforçam para aprender a ensinar, transmitir conhecimento, direcionar o aluno ou qualquer esforço que rume a formação de um novo profissional de maneira minimamente adequada. Se colocam em uma posição decisiva na hora de julgar o estudante. Cada estudante enfrenta a universidade na sua maneira e ao seu tempo…. muitos estão há quilometros de distância de sua casa e estão apenas começando a vida, outros são chefes de família e se quebram para tentar obter sucesso na família e universidade. Mas estes doutores são os juízes sobre a continuidade na universidade. Sugiro que reúnam os absurdos que todo aluno mesmo aqueles que nunca reprovaram já ouviram da boca de um professor, como “Se você reprovou duas vezes, nem deveria tentar passar de novo” ou mesmo experiencias “didáticas” que tiveram e levem estes testemunhos aos responsáveis pela decisão sobre esta minuta e sua continuidade. Além disso, a reflexão a estes professores, que existem alunos que reprovam por fatores totalmente ligados a eles mas não de sua responsabilidade ou capacidade para correção, como em casos de doenças e afins.

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