Foto: Pintura na parede do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFSC; por UFSC à Esquerda
Flora Gomes* – Redação UàE – 09/04/2019
Hoje o Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) amanheceu com cartazes de denúncia produzidos pelo Centro Acadêmico Livre de Psicologia (CALPsi). Sobre o papel pardo, os estudantes escreveram diversos eventos nos quais a reserva de espaço físico foi impedida. Além disso, espalharam diversas cartas pelo Centro sob o título: “Carta aberta contra a censura no CFH: por que estudantes não podem utilizar o espaço físico?”
Na carta, os estudantes descrevem quais eventos e espaços foram censurados tanto pela Direção do Centro quanto pela Coordenação do Curso de Psicologia, afirmando a gravidade desses posicionamentos autoritários na Universidade Pública perante a atual conjuntura:
“Defendemos que o cuidado com o patrimônio não se constrói a partir de resoluções autoritárias e exclusão da participação estudantil/comunidade, mas sim a partir da articulação coletiva das noções de pertencimento e seu cuidado consequente.
Essas restrições também ferem a lógica da Universidade pública. Não à toa as decisões significativas da universidade são tomadas em colegiados, conselhos, entre outros instrumentos dos quais participam todos as categorias. Ainda que a baixa proporcionalidade/representatividade dos estudantes possa ser questionada, esses espaços funcionam como o controle social da Universidade, nos quais todos podem discutir e propor os rumos da administração e política dessa instituição. Aqueles que ocupam os cargos administrativos nessa postura gerencialista, censurando espaços a partir de seus conteúdos, impedem que os estudantes possam exercer o princípio da autonomia da Universidade, nos excluindo de propor e participar ativamente de debates relevantes enquanto categoria autônoma.
Perante essa dura conjuntura, as censuras da administração aos nossos espaços estão banhadas de medo sobre a radicalidade das nossas lutas e suas possíveis consequências. Afirmamos que não rebaixaremos nossos debates ou deixaremos de pensar a realidade, afinal, essa é a função última da universidade e deve ser a preocupação fundamental para qual nossos esforços são direcionados.
Não nos amedrontaremos frente a um governo ilegítimo ou aos autoritarismos administrativos na Universidade!
Pela autonomia estudantil e liberdade dos debates!”
Desde o semestre passado, a Direção de Centro do CFH determinou que a reserva de espaço físico – como os auditórios – deveria imperativamente ser aprovada pela Coordenação de cada Curso. Desde então, os estudantes, que antes podiam realizar reservas de espaço físico, foram aos poucos recebendo a notícia de que ficariam à mercê da autorização – ou boa vontade política – da Coordenação de Curso. Nem sequer os técnicos, estão autorizados a realizar a reserva para os graduandos de Psicologia e os professores se negam alegando orientações da Coordenação.
A atitude autoritária primeira dessa problemática é protagonizada pela Direção de Centro, ao omitir do Conselho da Unidade do CFH essa decisão – instância na qual justamente debate-se para averiguar a validade dessas e outras propostas. Grande parte da autonomia universitária é resguardada por conselhos, colegiados e câmaras nas quais as três categorias que a compõe – estudantes, técnicos e professores – participam e debatem para garantir o controle social dessa instituição, ou, em outras palavras, para que as decisões não revelem o imediato autoritarismo daqueles que ocupam os cargos administrativos, transformando a gestão pública em política gerencialista.
Quando a Direção opta por impor autocraticamente sobre algo que impera nas dinâmicas de todo o CFH sem antes coletivizar essa decisão – quer ela saiba disso ou não – aqui reside um forte ataque aos princípios da Universidade Pública.
Ademais desses posicionamentos da Direção, a Coordenação de Curso soma-se ao exercício antidemocrático. Primeiramente, por repetidas vezes ter recusado-se a autorizar a reserva de espaço físico para eventos dos quais não participa ativamente da organização. Isso revela, além de uma tutela excessiva e incabível com alunos de um curso de graduação, uma forma de banir debates que possam abranger conteúdos divergentes dos produzidos atualmente pelo Departamento de Psicologia. Como os estudantes poderão ter contato com outras teorias se ficam à mercê de ambições científicas individuais da Coordenação e Departamento? Como fica a produção científica e política dos e das estudantes?
Se a proibição não é imediata, a Coordenação transveste o autoritarismo com diálogos, questionando acerca dos conteúdos dos debates para autorizar ou não a reserva. Oras, nessa atitude fica explícita a posição do Departamento. Para usar o espaço, primeiramente é necessário que a administração tenha ciência do quê será debatido e, dependendo do conteúdo político, o uso de espaço público está ou não autorizado. Aqueles que viveram duras lutas contra as censuras na história de nosso país devem sentir uma nostalgia repulsiva ao saberem dessas práticas.
É muito significativo que, no mesmo hall onde estudantes de história penduraram cartazes sobre os horrores da ditadura e no mesmo Centro em que diversos professores – inclusive de Psicologia – debatem sobre as terríveis práticas do período de 1964, esteja hoje pendurado, próximo àqueles, um imenso papel pardo expondo essas censuras. Em tempos de relativização das crueldades da Ditadura Militar e ressignificação da memória e da tortura, os estudantes de Psicologia deixaram um convite para que o Centro e a Universidade irrompam com a aparente democracia que os ares progressistas carregam como suposta bandeira revolucionária. Não há mais espaço para dissensos resolvidos em reuniões, comissões e diálogos de gabinete. Uma vez que o autoritarismo tão abertamente expresso não deixa brechas para o exercício da falsa democracia que pairava nos corredores, novas formas de radicalização das lutas podem surgir. Quando o autoritarismo obstrui a falsa democracia do CFH, a saída é sempre mais à esquerda.
*O texto é de inteira responsabilidade da autora e pode não refletir a opinião do Jornal.