Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Thiago Zandoná – Redação UàE – 02/08/2019
A classe trabalhadora brasileira sofreu a maior derrota em décadas com a aprovação da Reforma da Previdência, no primeiro turno da Câmara dos Deputados. Sob um discurso de enfrentamento ao projeto de Bolsonaro, a oposição, na prática, não respondeu à altura. O que vimos foi uma aceitação das centrais sindicais ao projeto de desmonte da seguridade social. Por parte dos maiores partidos políticos, a disputa limitou-se ao parlamentarismo.
Tal como vimos nas grandes mobilizações de 2016 e 2017, antecedendo a aprovação da Reforma da Previdência, os principais instrumentos de organização dos trabalhadores, as centrais sindicais e partidos ditos de esquerda, encenaram uma organização de resistência e, quando foi possível e necessário, boicotaram e desmobilizaram a luta contra o governo Temer. Por detrás do discurso progressista, o que víamos era a articulação de reuniões entre os comandos do governo; o controle de atos e assembleias e articulações em benefício próprio.
Mesmo com o acirramento das disputas, já na posse do presidente Jair Bolsonaro, as centrais deixaram claro seu papel de amortecer a luta dos trabalhadores. Em carta em tom “respeitoso” ao recém presidente, as centrais CUT, Força Sindical, UGT, CTB, NCST e CSB se dispuseram a “construir um diálogo” com o intuito de estabelecer um “processo de discussão e negociação”. Conseguiram.
Assim como nos governos de FHC, Lula e Dilma, as centrais seguiram sentando do lado de lá do balcão, negociando com aqueles que deveríamos enfrentar. Lembremos que após uma série de negociações e “flexibilizações” na proposta da Reforma Trabalhista, as centrais sindicais boicotaram a grande mobilização que havia ascendido em 2016 e tomado corpo no começo de 2017, culminando na Greve Geral de abril do mesmo ano. Em junho, veríamos o chamado de continuação da luta sendo tolhido. Em novembro, veríamos a Reforma Trabalhista sendo aprovada no Congresso.
O mesmo mecanismo “de luta” daqueles que dizem estar do nosso lado continua. No dia 7 de fevereiro deste ano, os dirigentes da CUT e do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC sentaram-se ao lado do general e vice-presidente Hamilton Mourão. Na semana seguinte, foi a vez dos dirigentes da Força Sindical se reunirem com representantes de bancos, empresas de capitalização e com o ministro Paulo Guedes, na casa do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Em troca de benesses, tais dirigentes seguem fazendo as mesmas articulações que antecederam a aprovação da Reforma Trabalhista. Isso para não citar demais medidas nefastas dos governos anteriores, tais como a Reforma da Previdência, no governo Lula em 2003, fortemente apoiado pelas centrais, sobretudo, pela CUT.
No começo de julho de 2017, semanas antes do segundo chamado de Greve Geral, o governo Temer estabeleceu um acordo entre PMDB, PSDB, PT, PCdoB, entre outros partidos, em conluio com as centrais traidoras. Ao menos 200 itens da CLT foram modificados – destruindo direitos dos trabalhadores – meses depois com a aprovação da Reforma, no Congresso.
Não é de hoje que vemos as atuais direções desses instrumentos – historicamente importantes para a luta dos trabalhadores – se utilizando do ímpeto da mobilização de nossa classe para negociar com o governo pequenas concessões sacrificando a disposição de luta e resistência. Em 2017, foi a tentativa de manter alguma garantia de contribuição sindical, já que a proposta de reformar a previdência eliminava a contribuição compulsória. Passado um ano da aprovação da reforma, a receita dos sindicatos (e de suas respectivas federações, confederações e centrais) reduziu cerca de 90%. Para os sindicatos dos trabalhadores, onde houve maior perda, o repasse despencou de R$ 2,24 bilhões para R$ 207,6 milhões.
Na esteira da Reforma da Previdência de Bolsonaro, não podemos esquecer da atuação de governos do nordeste, encabeçados pelo PT, no apoio ao projeto de desmonte da seguridade dos trabalhadores – seja sinalizando o projeto como imprescindível, seja na tentativa de incluir, inclusive, os trabalhadores dos estados e municípios no relatório da reforma.
Neste ano, porém, um movimento massivo emergiu nas universidades e escolas levando a paralisações, debates, ações de rua, que culminaram nos grandes atos no dia 15 de maio. Com menor força os atos voltaram a se repetir no dia 30 de maio. O que poderia provocar um impulso para o chamado de greve geral do dia 14 de junho que, porém, acabou frustrado. A tentativa de Greve Geral de junho não chegou próximo ao que tinha sido em abril de 2017. Em menos de um mês depois da fracassada Greve Geral, veríamos a Reforma da Previdência sendo aprovada no primeiro turno da Câmara com massivos 379 votos (71 votos a mais do que o necessário).
No entanto, em meio ao decreto de fracasso dos maiores partidos políticos e centrais sindicais, inúmeras experiências acontecem desde ao menos as ocupações de 2011 e as jornadas de 2013. Trata-se de movimentos auto-organizados e espontâneos, que conseguiram lutar com a radicalização necessária para enfrentar a agenda de ataques da burguesia no ciclo recente.
É preciso lembrar que em junho de 2018, uma categoria de trabalhadores autônomos conseguiu fazer aquilo que nenhuma central jamais chegou perto de efetivar: os caminhoneiros conseguiram parar o país. Sob extrema fragilidade política, aquele poderia ter sido o momento, inclusive, de queda do então governo Temer. As centrais e partidos ditos de esquerda, porém, não só deixaram de disputar a greve dos caminhoneiros, como incentivaram a desmobilização – muitos compraram o discurso da CUT e do PT de que trataria-se de lockout, ou seja, que seria uma ação dos patrões e, por isso, não seria uma ação legítima dos trabalhadores.
Com o mesmo espírito renovado de independência das organizações e partidos corrompidos, uma série de paralisações surgiu em diversas universidades brasileiras em pleno período eleitoral de 2018. Demandando maior participação política no destino da vida nacional, os estudantes voltaram a se organizar nas bases, em seus cursos, em maio de 2019, após anúncio dos cortes orçamentários do Ministério da Educação (MEC), o que levou às grandes manifestações de 15 e 30 de maio.
A renovação que compartilham essas experiências de luta é que as instituições falharam, que a democracia brasileira é insuficiente e que aqueles que deveriam ter agido para impedir que as coisas chegassem até aqui não só foram inertes como também atuaram a favor da barbárie.
Esse descontentamento com as instituições, com os partidos e sindicatos que diziam ser aliados, empurra o movimento para algo completamente novo no imaginário político. Nos leva para uma disputa realmente radical, onde será possível confrontar um projeto de vida e sociedade substancialmente diferente do que está sendo imposto.
O caráter espontâneo e auto-organizado das experiências recentes parece ser o que pode nos levar a outro patamar de luta. Onde a radicalidade nos dará a força suficiente para poder disputar verdadeiramente nosso próprio destino.
A força comum que é preciso construir deverá passar por rupturas necessárias ao que vem sendo proposto, e tais rupturas só serão possíveis a partir dos movimentos abruptos e independentes de tais políticas pequenas (com as negociações de gabinete). Em suma, apenas organizando a luta para além do que representa a esquerda fracassada, será possível confrontar a reforma da previdência, disputar um novo projeto de universidade, depor o atual governo e, se necessário, demolir todo o sistema.
Leia também:
[Opinião] A esquerda (e não os liberais) é a verdadeira trincheira contra a tirania
[Debate] As consequências de um DCE aparelhado – Parte 1