Thiago Zandoná* – Redação UàE – 30/04/2018
É preciso deixar claro logo de início: uma outra esquerda é possível para movimento estudantil da UFSC, diferente desta que está no Diretório Central dos Estudantes (DCE).
Formada em agosto do ano passado, a Chapa Ainda Há Tempo foi constituída como uma frente ampla de esquerda. No entanto, tal amplitude da frente foi tamanha que logrou reunir, inclusive, aqueles setores que constantemente traem o movimento estudantil da UFSC e, por isso, a tornou esta unidade abstrata e, sem união real, ficou detida a uma unidade apenas aparente.
A construção desta chapa começou logo de início equivocada, pois, antes de uma convocação geral aos Centros Acadêmicos e aos estudantes, o que viria a ser a frente ampla de esquerda surgiu de reuniões privadas entre organizações, onde, inclusive, o jornal UàE foi impedido de participar, seja para compor, seja para cobrir e noticiar aos estudantes o que estava acontecendo.
Leia sobre a expulsão em: Por onde vai a construção de uma chapa de esquerda?
Apontando para a importância de construir uma chapa honesta e íntegra entre os estudante, o Jornal UàE denunciou a problemática de criar uma chapa com base num debate privado, sem a presença massiva dos estudantes e com uma consequente inclusão ilusória posteriormente.
Há, infelizmente, organizações que, hoje, estão ou permanecem extremamente afastadas do compromisso de construir um movimento estudantil pela base. […] O modo como este processo começou a ser construído está completamente equivocado. Não é com reuniões privadas entre as organizações que será construída uma mudança real no movimento estudantil, como hoje se encontra.
No cenário conflituoso em que nos encontramos é fundamental reunir forças, mas a construção da unidade não é algo fácil, necessita de um debate público e de fôlego sobre a elaboração de um programa, que vá além de enumerar a série de ataques que estamos enfrentando. A inexistência de uma formulação crítica gera uma unidade falsa, fictícia, abstrata, que não é capaz de romper o imobilismo e de propor mudanças realmente significativas para o conjunto dos estudantes.
Por consequência da debilidade programática da chapa que viria a ganhar as eleições no semestre passado, a gestão se mostrou completamente desarmônica logo de início sem conseguir construir efetivamente nenhuma pauta.
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No instante que a gestão tomou posse, o interesse de organizações (como da JCA e das Brigadas Populares – mas também das outras organizações que participaram deste processo) de ampliar seus quadros se revelou sobreposto a qualquer interesse factual de construir uma resistência no movimento estudantil, ao que está dado. O que afastou os militantes independentes que construíram a chapa até então e desarticulou qualquer possibilidade de devolver aos estudantes um Diretório Central combativo. Algumas comissões deixaram de se reunir pouco tempo depois de tomar posse a gestão e o contraste de interesse entre as organizações se revelou em diversos conflitos internos.
O problema, entretanto, não está nas organizações em si mesmas, mas no discurso que sustenta suas atuações políticas. Tratando-se de organizações e de suas atuações na Universidade Pública, para perceber nitidamente como atuam e porque atuam desta forma é preciso compreender qual é a concepção sobre Universidade que o programa político das organizações carregam. Para isso, a questão central diz respeito à possibilidade ou não, numa sociedade capitalista, de efetivar um papel emancipador para esta instituição¹.
Em muitos casos, a organização ou partido acredita que a disputa por essa instituição escolar é impossível no capitalismo ou decide não disputar uma instituição do Estado burguês, atuando na universidade para conduzir os processos de luta apenas como espaços de “escola de quadros” para a luta pós-universitária.
Essa posição, visível claramente na Juventude Comunista Avançando², auxilia as organizações a incorporarem membros às suas fileiras e formá-los para o partido. Mas a consequência de pensar sua autoconstrução como fim último é gerar profundo ressentimento e desânimo naqueles que militam de modo independente, pois as ações políticas, levadas quase sempre ao fracasso, não mostram outra saída.
Por isso, tais organizações dificilmente se importam consideravelmente com o destino das lutas ou com os acordos que fazem, afinal os movimento são fins em si mesmos, ou seja, a universidade é apenas um terreno de treino e incorporação de estudantes. Esta estratégia é grave principalmente àqueles cujo fim seja a luta por uma instituição universitária efetivamente comprometida com o conhecimento e com a emancipação social.
Um exemplo de atitudes corrompidas foi a traição da JCA ao se incorporar à Reitoria de Roselane e priorizar blindar esta de críticas, aos movimentos que colocavam em evidência uma gestão comprometida em sujeitar a Universidade às políticas de precarização do MEC e abrir as portas para as parcerias-público-privadas. Para isto, atuaram sistematicamente contra movimentos de defesa da Universidade Pública, e, o mais evidente deles, foi a desmobilização da ocupação que lutava por condições adequadas de permanência já em 2015, que ficou expressa na reunião com a Reitoria para organização da campanha de reeleição exatamente um dia depois do fim da ocupação.
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Por conta da falta de comprometimento sério, por um lado, com as questões que permeiam as Universidades e, em especial, a UFSC, o resultado da gestão atual do DCE dificilmente seria outro. A única ação, até o momento, que ganhou destaque entre os estudantes foi a mobilização pela abertura do RU nas férias.
A notoriedade da pauta, no entanto, não foi consequência da mobilização feita em cima da hora e com pouca adesão dos próprios membros do DCE, mas sim, porque esse era o assunto que talvez mais atormentava e atormenta a maioria dos que estudam hoje na UFSC.
Afinal, o Restaurante Universitário, meio de assistência estudantil mais abrangente da UFSC, é insuficiente perante sua atual demanda. Hoje em dia o RU serve mais que o dobro de refeições para o qual foi projetado inicialmente, gerando, por consequência, filas quilométricas. Além disso, o intenso uso dos equipamentos e da infraestrutura do RU provoca consecutivos problemas estruturais e danos nos equipamentos levando ao fechamento de suas portas em determinados meses do ano, como ocorreu nas férias de verão dos últimos anos.
Essa é de fato uma pauta importante que o DCE tem que tocar. Mas foi tocada tardiamente, motivada pela informação de que o mesmo iria fechar em algumas semanas. Ou seja, a pauta não permeou a gestão com a devida atenção desde o ínicio. Não se tomou ação mais organizada e com horizonte da resolução efetiva do problema – neste caso, a ampliação do RU. E, ainda por cima, dependeu da adesão voluntária de diversos Centros Acadêmicos para conseguir garantir a refeição dos estudantes durante o período de recesso. Voluntária pois não foi uma iniciativa do DCE, o contato da gestão com os Centros Acadêmicos não aconteceu nem na formação de chapa, nem durante a gestão.
E, possivelmente a “vitória” dessa mobilização fraca e apurada, foi resultado, com maior relevância, da instabilidade que atravessava a reitoria somado a projeção do então reitor pro tempore Ubaldo C. Balthazar de lançar sua candidatura no semestre seguinte.
A falta de mobilização eficaz do DCE não está refletida apenas no fracasso de sobressair as pautas importantes que permeiam a universidade no momento presente (como a moradia estudantil, empresariamento da educação através de Empresas Juniores, parcerias-público privadas, abertura de um campus dentro de um parque industrial, relação do poder policial na universidade, corrupção imanente do gerenciamento de recursos das fundações de apoio, etc.).
O DCE sequer conseguiu garantir o mínimo, como a emissão de carteirinha estudantil. E, como se não bastasse, mentiu consecutivas vezes, nos Conselhos de Entidade de Base e através de notas públicas, que estaria resolvendo o problema, que conseguiria emitir as carteirinhas antes do final da gestão. Quando sabemos que, na verdade, isso não é mais tão possível, pois a empresa com a qual a gestão entrou em contato para a criação de um sistema de certificação digital (SERPRO) muito provavelmente não conseguirá finalizá-lo até o fim desta gestão.
Por conta disso, os Centros Acadêmicos, que já estavam sem o repasse de uma importante fonte de financiamento, afinal normalmente o DCE repassava aos CAs uma parcela do valor arrecadado com a emissão de selinhos para os estudantes de seu curso, seguiram com esse déficit.
O resultado do fracasso de uma gestão encabeçada por organizações, que não estão honestamente comprometidas com a Universidade, é a criação de uma névoa de marasmo no Movimento Estudantil, por fazer acreditar que esta seria uma gestão de esquerda, que esta levantaria, de fato, as pautas do movimento estudantil, que esta mudaria o atual quadro de imobilismo na UFSC. Mas não foi.
Rebaixando diversas pautas que são tão caras para nós da esquerda, como através das posições vacilantes sobre as Empresas Juniores, o DCE infelizmente exibe aos estudantes uma imagem fracassada da esquerda. Mas como dito logo no início deste texto: essa não é a única opção de esquerda.
Porém, a contrapeso da ruína de um DCE de “esquerda”, as organizações que nunca estiveram vinculadas realmente com estas pautas, cumprem seu objetivo. Conseguem se legitimar novamente, ganhando nova vida, quando pouco tempo antes sofriam com a ilegitimidade e o peso de seu histórico de traições. Voltam a crescer, recrutando estudantes para suas fileiras, como se tivessem feito algum tipo de autocrítica.
Esse novo suspiro permite à organizações como a JCA ganhar força novamente para atuar a seu bel-prazer. Uma das características ações dessa organização é de tentar instituir um certo controle através de um burocratismo excessivo. Por exemplo, com a tentativa de regimentar um organismo de controle político como o Conselho de Entidades de Base (CEB).
A tentativa de restringir a ação dos representantes discentes, sob o discurso da necessidade de controle, através de procedimentos burocráticos, é nitidamente um empecilho à boa atuação dos representantes discentes nos diferentes órgãos de deliberação da universidade. Mas isso, até o momento, foi característico apenas nas atividades dos órgãos formais da instituição. É a primeira vez, entretanto, que se vê a tentativa de burocratizar um conselho exclusivo do movimento estudantil que reúne as entidades de base.
As dificuldades são inúmeras e vão desde o tempo demandado para regulamentar o representante até alguns impedimentos como: apenas um ou um número restrito de estudantes poderem ser os titulares das cadeiras de representação; e um estudante não poder representar em mais de um colegiado ou órgão – isso repete a imposição que a administração central faz aos representantes discentes nos órgãos colegiados, como o CUn, as câmaras de graduação e de extensão, até aos colegiados de curso e de departamento.
A fim de exemplificar como a burocracia ao movimento estudantil historicamente é imposta objetivando a restrição e complexificação da articulação estudantil, vejamos onde surgiu a necessidade das entidades homologarem seus representantes na pró-reitoria de assuntos estudantis (PRAE): em pleno debate, no Conselho de Universitário da UFSC (CUn), sobre a implantação do REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), os estudantes representantes no conselho, que faziam frente, foram retirados de cena, quando o então reitor Alvaro Toubes Prata exige que os representantes devam ser regulamentados na PRAE, através de homologação. Foi nesse cenário, onde os estudantes tentavam ganhar tempo pedindo vistas no processo, que surgiu, com o intuito de reprimir a organização estudantil, essa restrição burocrática para melhor controle.
Não é à toa que antecedendo a sessão do CEB (no dia 27/04/18) sobre a proposta de regimento interno do próprio conselho, várias entidades fizeram destaques em praticamente todos os artigos do regimento. Com exceção dos primeiros artigos, que regem sobre aquilo que já é de costume no CEB, os demais artigos que seguem servem apenas como mecanismo de controle e restrição burocratizante, transformando aquilo que de mais rico poderia existir no movimento estudantil – o debate político – em disputas burocráticas sobre normas escritas em um regimento.
A proposta de registrar com o DCE a composição de sua diretoria dos Centros Acadêmicos, por exemplo, não tem pé nem cabeça, sabendo que a fluidez de membros é uma característica marcante das entidades estudantis. Além disso, caberia ao DCE registrar quais CAs participam do CEB, que por sua vez é uma instância superior ao Diretório? Caberia, como quer outro artigo, voto de minerva ao DCE? Haveria a necessidade de quórum diferente para pautas diferentes? A garantia de que o DCE cumpra com que prometeu em campanha se dará pela obrigatoriedade de apresentar um relato semestralmente, como quer o art. 13? A criação de um grupo restrito no Facebook com apenas dois membros de cada entidade, para evitar a “zueirização”, seria a garantia de disciplinar o movimento estudantil? Mas será que a extinção de fato do grupo como o CEB acabaria com a “zueirização” ou isso é um reflexo mais profundo, político do movimento atual?
No fim esse é o ponto chave: velado por uma tentativa de organizar o conselho, a proposta de regimento ao CEB é na aparência relevante, mas na essência ele é prejudicial, pois dá mecanismos artificiais de controle para um problema que é político e não apenas formal.
Neste contexto de duros ataques a tudo que há de público, onde a própria Universidade também se encontra na mira, um DCE que não somente é incapaz de se desdobrar sobre as mínimas questões de relevância da vida estudantil, mas se agarra à burocracia desta forma, não será capaz de defendê-la nos momentos mais decisivos para todos nós. Atuando dessa forma, a única coisa que estão conseguindo é destruir o movimento estudantil!
Evidenciar os equívocos e debater os erros é a única postura séria nesse momento que nos permitirá conseguir apontar para uma real alternativa de esquerda, que vá além do comodismo que está posto, que seja capaz de pensar política para a massa da Universidade e não para o mero crescimento das fileiras de partidos e organizações com amplo histórico de traição.
Uma alternativa que não reduza os efeitos do conjunto de problemas que vivemos a questões regimentais, como já é feito pelos professores burocratas que controlam a seu desejo os colegiados e conselhos da Universidade. Que seja capaz de defender à Universidade Pública em seu sentido mais profundo e não vacile diante dos momentos imprescindíveis para nós.
*Este texto não necessariamente reflete a opinião do jornal.
¹ Leia nos editoriais: Os independentes e as eleições do DCE e Sobre o editorial do UàE, de 29 de maio: polêmica e uma contribuição adiante.
² JCA como escola de quadros, em: http://jcabrasil.org/a-jca-como-escola-de-quadros/.
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A JA foi contra a ocupação de 2007/8. Tavam se cagando de medo de ocupar. No final acabaram participando, mas foram a reboque. Lembro do Otávio defendendo contra a ocupação.