Editorial
Neste ano, mais uma vez, o drama vivido pelo povo palestino tomou a pauta dos grandes meios de mídia. Sua aparição foi efêmera, como se a violência que sofrem os palestinos pelas mãos do Estado israelense fosse episódica em sua história. No entanto sabemos que sua dor é constante, não se esvai quando as câmeras apontam a outra direção.
Já a Universidade permanecera silenciosa. Essa instituição tão antiga tem perdido cada dia mais sua vitalidade. As grandes questões de nosso tempo já não percorrem seus corredores, salas de aula, auditórios. As grandes questões do povo trabalhador estão apartadas da Universidade por muros, portões, pelo pragmatismo, pela miséria intelectual.
E a questão palestina é uma questão dos trabalhadores. O que sofrem em nome dos interesses mais espúrios, a violência que fundou e que sustenta o estado de Israel, a violência que lhes corta a carne é a mesma que corta, mata, desaparece o povo trabalhador de todas nacionalidades.
Por isso no dia 06 de novembro, nós do Coletivo UFSC à esquerda em conjunto com o Portal Desacato.info promovemos a palestra “Uma Judia na Palestina”, um relato da jornalista de origem judaica Tali Feld Gleiser sobre sua passagem pela Cisjordânia. Quando entramos no auditório para preparar o espaço o cheiro de mofo tomava conta do ambiente…
No entanto, depois de três horas de debate com o auditório lotado, três horas em que Tali nos contava as angústias do povo palestino, o auditório se encheu de vida. Pudemos sentir um pequeno estalar, uma rachadura nos portões que separam a Universidade dos dilemas de nosso tempo.
A todos os corajosos que lá estiveram, a todos que lá desejaram estar esse dossiê é uma contribuição. Reunimos aqui os materiais que utilizamos na preparação do UaE para a palestra, bem como os pequenos textos que elaboramos. Esperamos que essa possa ser uma ferramenta para orientar e instrumentalizar a luta por uma Outra Universidade. Por uma Outra sociedade.
Seguiremos com mais debates e próximos dossiês. Por uma UFSC à Esquerda. Por uma Universidade comprometida com o povo trabalhador. Pelo Socialismo.
Dossiê:
Texto 1 – 18.10.2014:
De tempos em tempos o conflito Israel-palestino aparece nos nossos grandes jornais, porém não se encerra quando as manchetes somem. Sistematicamente o ataque ao povo palestino continua, e com a desculpa de “medidas de segurança” Israel continua a promover um genocídio. No último dia 14, colonos judeus sionistas incendiaram uma mesquita na Cisjordânia, e nos últimos meses vimos um dos mais violentos ataques ao povo palestino, segundo a UNICEF foram mais de 400 crianças mortas e 2,5 mil feridas. Não podemos deixar que essa questão tenha sua importância diminuída ou esquecida, por isso, queremos convidá-los a participar do debate “Uma Judia na Palestina” que acontecerá no dia 06 de novembro, às 18h00, no mini-auditório da economia (CSE) com a jornalista Tali Feld Gleiser.
Texto 2 – 22.10.2014:
O conflito entre palestinos e israelenses vem de longa data, mas desde a proclamação do Estado de Israel em 1948 a população palestina vem sendo sistematicamente atacada e expulsa do território que historicamente habitava. Os ataques bélicos e os massacres contra o povo palestino passaram a acontecer com mais frequência graças ao apoio de países europeus e dos Estados Unidos ao Estado israelense. Dados da ONU apontam que hoje há 4,5 milhões de refugiados palestinos, e esses dados só tendem a crescer se observados os massacres desde o dia 8 de julho deste ano. O que tem acontecido é um genocídio palestino, e a conivência dos Estados pelo mundo só repetem o que já sabemos: novamente a história vem sendo contada pelos vencedores.
A Palestina Apagada do Mapa – Guilherme Boulos
Texto 3 – 26.10.2014:
Quando os grandes veículos de comunicação apresentam os conflitos entre Palestina e Israel, assim como as batalhas em geral no Oriente Médio, nos parece que a causa principal para sua existência é o fundamentalismo religioso e que os grupos de resistência islâmicos ambicionam a dominação do território em disputa. Sabemos que a religião cumpre um papel importante ideologicamente para sustentar a batalha, porém isso diz muito mais do lado dos vencedores do que dos que vêm sendo historicamente dizimados. Os grupos de resistência à ocupação do estado de Israel possuem sim vínculo com a religião islâmica, porém dominação territorial e a continuidade do conflito não são seus objetivos, muito pelo contrário. Responsabilizar o islamismo pelo conflito em andamento é uma forma de justificar e legitimar o genocídio sistemático da população palestina pelo estado israelense.
Ao analisar a questão historicamente, fica claro que o confronto é produto de interesses políticos. A proposta de restabelecimento de um lar aos judeus fornecida pelo imperialismo britânico aliado ao movimento sionista (e mais tarde apoiada pelo imperialismo estadunidense) é uma ocupação violenta que busca tomar a Palestina dos povos que ali já permaneciam, sem hesitar em realizar um extermínio da população local para isso. Ou seja, é um plano colonizador. Para compreender o motivo dessa disputa precisamos nos perguntar: Quem e o que se ganha com o prolongamento desse conflito?
A Luta Pela Palestina – Luiz Bernardo Pericás
Fala da Professora Arlene Clemeisha no Debate da Folha de São Paulo sobre a questão palestina:
Texto 4 – 30.10.2014:
O conflito entre Israel e Palestina não pode ser entendido sem considerar o Imperialismo exercido pelos os Estados Unidos. Mas afinal, por que é tão importante o fato de os EUA apoiarem Israel?
Aos EUA e seus aliados europeus é muito valioso ter o Estado de Israel como ponto de apoio político, pois é central a esses países estarem tão próximos de uma área regada a petróleo. Exercem uma política de criminalização dos movimentos populares, tomados no discurso ideológico por “movimentos terroristas”. Tal política se intensifica depois do episódio de 11 de setembro de 2001, e permanecem desde então uma fala corrente nas produções das grandes corporações de mídia (internacional), e por aqueles que se beneficiam do genocídio do povo palestino.
Em 2006, há um acirramento do conflito quando os países do capitalismo central e Israel não reconhecem as eleições que levaram Hamas ao poder, mesmo que elas tenham sido consideradas democráticas segundo as comissões de controle que as acompanharam. Esses países passaram a apoiar o Fatah que perdeu a eleição e o reconhecer enquanto autoridade palestina, dividindo o povo palestino, os enfraquecendo interna e externamente.
Nessa história, a máxima “custe o que custar” é exemplarmente aplicada pelos Israelenses sionistas e seus aliados internacionais para alcançarem seus objetivos econômicos e políticos. No entanto “o que custa” custa e pesa aos palestinos que pagam com suas terras, sua pátria e as vidas de suas crianças, seus idosos, suas mulheres e seus homens.
Já Pouca Palestina Resta – Eduardo Galeano
A Velha Questão Palestina Hoje – Emir Sader
Palestina, até quando? – Urda Klueger
A Palestina Resistiu e Vencerá – Editorial de Odiario.info
Texto 5 – 03.11.2014:
Sejamos realistas, exijamos o impossível!
Terrorismo, religião, vitimização. As narrativas que percorrem o mundo sobre os conflitos entre o estado sionista de Israel e o povo palestino se estruturam em múltiplas variações de apagamentos. A princípio podemos pensar que esses discursos buscam velar os interesses pragmáticos, econômicos e políticos de capitalistas israelenses e seus aliados estados-unidenses, europeus, etc. o interesse pragmático no petróleo. Este pensamento, de fato, está correto. Mas, há algo a mais, algo que nos escapa, e que, no entanto, sabemos que ali está.
Esse incômodo, esse algo que percebemos e sentimos a cada vez que as manchetes dos jornais estampam a questão palestina, a cada vez que choramos os mortos e feridos no genocídio na faixa de Gaza ou na Cisjordânia. Esse incômodo não é apenas um sentimento humanitário vazio, ou a mera compaixão cristã, é um sentimento de irmandade. O nosso pesar quando vemos as cenas de destruição em Gaza é o pesar por um povo irmão. E talvez o que nos escapa seja exatamente o que nos irmana em laços profundos.
O que nos identifica tão fortemente com o povo palestino não é apenas nossa condição humana. Mas exatamente porque sua situação escancara, escracha o que vive o povo trabalhador em todo o mundo. A violência fundante do estado de Israel, a violência que perpetua a dominação dos palestinos, é em substância a mesma violência que funda a dominação que sofre nossos povos. É esse algo a mais, que tentam esconder, mas cujos vestígios não se apagam por completo.
Falam de terrorismo, para apagar a luta popular dos palestinos – especialmente os movimentos emancipatórios. Para apagar o próprio passado da ocupação israelense. Falam de religião, para apagar as questões econômicas e políticas que atravessam o conflito. Contudo, talvez o mais sutil e perverso seja o artifício da vitimização: Primeiro instrumentalizando o que sofreram os judeus no Holocausto, como se aquele sofrimento pudesse justificar o sofrimento que impõem aos palestinos; Depois vitimizam os palestinos, que sim são vítimas de um massacre, no entanto é um povo em luta por sua emancipação e isso também querem nos fazer esquecer…
Querem que esqueçamos da luta do povo trabalhador palestino, pois é sua luta renhida que mantém vivo o que querem apagar. Pois é sua luta que nos lembra de nossa própria condição, é sua luta que escancara ao mundo todo a violência do estado sionista de Israel – e que nos remete a própria violência que sofremos em nome dos interesses do grande capital. Então, lembremos: Os palestinos não são apenas um bando de desafortunados como querem nos fazer crer, os palestinos são um povo que resiste bravamente, lutando como podem, muitas vezes apenas atirando pedras, palavras, tinta, sonhos contra os muros de Israel.
Com tudo isso pensamos que não há solução pragmática para o conflito, para o massacre que sofrem os palestinos. Precisamos dar um passo largo à frente e exigir o que não está na ordem do dia, exigir o que parece distante, impossível. Exigir um único estado, um estado que pudesse unir as crenças, os sonhos, as esperanças do povo trabalhador israelense e palestino.
Pelo impossível oferecemos mais uma arma ao povo palestino: nossa solidariedade!
O Círculo de Giz de Jerusalém – Slavoj Zizek
Texto 6 – 6.11.2014:
A Universidade e a questão palestina
Talvez você tenha pensado com certo tédio que nosso evento “Uma Judia na Palestina, com Tali Feld Gleiser” nada tem a ver com você. Talvez você pense, com certa razão, que em meio a todas as atividades acadêmicas que tornam os fins de semestre dignos de suas péssimas reputações, não há tempo para ‘mais uma’ atividade. Ou então você pense que estamos atrasados, que as atrocidades cometidas por Israel nos últimos meses já se foram, não há mais nada nas páginas de jornais e aquelas postagens de dar nó em qualquer estômago e que apareciam no Facebook desapareceram.
No entanto, a realidade não é tosca como a sua ‘timeline’! A dor e o desespero do cerco imperialista realizado pelas mãos do Estado israelense não desaparecem efemeramente quando deixam de surgir no facebook ou nos grandes meios de comunicação. Aliás o desaparecimento das barbaridades realizadas nas últimas décadas contra os palestinos nunca se atenuou. Os jornais nunca nos mostraram o conflito de forma comprometida com a verdade. Por controverso que seja, foram as divulgações de corpos partidos, de crianças mortas ou dilaceradas, de denúncias de centenas de mulheres palestinas estupradas e violadas de todos os modos, que nos deram a conhecer uma pequena amostra de uma agonia que o povo palestino experimenta todos os dias.
Enquanto isso, temos mais uma amostra de que os grandes jornais não se comprometem com nenhuma verdade, e muito embora as redes sociais sejam hoje um pequeno espaço de resistência informacional, não são o bastante para vencer a força corruptora dos grandes meios de mídia. É preciso lutar contra todas as forças dominantes do capital e colocar abaixo essas instituições, para que o instituto da verdade seja renovado em nosso mundo. Há Outras informações, evidente, e o portal Desacato.info é uma delas e, por isso mesmo, nosso parceiro de braços dados. Esforços dessa ordem podem nos dar novos meios, enquanto lutamos contra aqueles perversamente mentirosos e encobridores.
Mas há outras instituições muito mais velhas que a imprensa capitalista e que perderam tanto a vitalidade, quanto igual compromisso com a verdade. Não é preciso ir muito mais longe, basta ver a universidade. Quando foi a última vez que você viu a universidade debater abertamente nas praças e auditórios os grandes temas atuais de nossa sociedade? Por que os temas nos nossos auditórios e salas de aula são sempre debatidos no pretérito-mais-que-perfeito?
Caminhando pelos corredores e pátios de nossas instituições, nos murais vemos apenas anúncios comerciais e, quando raro, algum debate sobre qualquer tema relevante. Mas esses temas são agora – quase todos – a busca de concordâncias e consensos. O elemento mais vital da Universidade, o motor de nosso espírito radicalmente comprometido com a verdade, é a negatividade. A constante crítica, sem qualquer compromisso imediato com o consenso, deveria ser os nossos óculos – ao menos nos anos em que passamos ali.
Por isso é tão vital trazer um debate como este, pois enquanto ainda estalam mísseis israelenses sobre casas, escolas e hospitais palestinos, a universidade pode e deve trazer para suas grandes salas esses temas atuais – e discuti-los no presente sob o olhar atento das fundamentais teorias que deveriam orientar uma escola superior.
Pois bem, e por que não fazê-lo dando voz justamente a uma judia considerada maldita? Maldita porque não aceita o Estado de Israel, porque dá voz aos debaixo e – maldita – porque não se cala para fazer justiça também às dezenas de judeus, inclusive israelenses, que são absolutamente contrários ao genocídio do povo palestino, mas que são violentamente perseguidos, torturados e silenciados mundo a fora. Por isso, a presença de Tali Feld Gleiser é tão urgente hoje. Este debate é, em si, um ato de coragem.
Mas deixamos aqui um aviso. Este é um debate aberto, mas não é para qualquer um. Se você é um covarde, não venha. Queremos estar somente entre aqueles que ainda guardam algo de um certo espírito da juventude que sempre foi radicalmente contestador das mentiras dos Outros.
Vídeo de Elaine Tavares com Tali Feld Glesser convidando para o debate “Uma Judia na Palestina”
Alguns documentários sobre a questão palestina:
http://vimeo.com/23631320
https://www.youtube.com/watch?v=c0-9zGrVQiE
https://www.youtube.com/watch?v=EYvOQHExhnY
https://www.youtube.com/watch?v=1MXBL0Mc6XM
Cartaz do debate realizado em 06.11.2014: