Lucas Henrique da Silva e Luiz Costa – Redação UFSC à Esquerda – 07/06/2023
Os trabalhadores da Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF) deflagraram greve por tempo indeterminado no dia 31 de maio. Com quase 5 mil servidores na assembleia, a categoria deliberou paralisar após dois meses de negociações da data-base com o governo Topázio.
Sem respostas adequadas às reivindicações dos trabalhadores, a prefeitura negou avanços e investimentos para melhoria do serviço público na capital catarinense.
A prefeitura nega recursos ao setor que atende a população enquanto há uma previsão de aumento de 32% da arrecadação e superávit em caixa. Além disso, o executivo busca precarizar os serviços por meio de terceirizações e transferindo a gestão pública à Organizações Sociais.
O jornal UFSC à Esquerda entrevistou Tamara Siemann Lopes, economista do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), formada pela UFSC, e assessora do SINTRASEM (Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal de Florianópolis), para compreender melhor o cenário orçamentário da prefeitura.
Segundo Lopes, a prefeitura “não cumpre sequer com o mínimo exigido em termos de transparência”.
Há divergências não explicadas sobre o real quadro das receitas municipais, já que as informações apresentadas pela prefeitura não conferem com aqueles da Receita Corrente Líquida, que é o conjunto das receitas tributárias, de contribuições patrimoniais, industriais, agropecuárias e de serviços e outras receitas correntes, com as transferências correntes, destas excluídas as transferências intragovernamentais, segundo a lei complementar n. 96/1999.
Para Lopes, há um aumento da arrecadação devido a alta na receita tributária e das transferências correntes. No entanto, a prefeitura tem buscado restringir o orçamento à saúde e à educação, “transformando o mínimo a ser aplicado em máximo”.
Confira a entrevista na íntegra.
UFSCàE: O Prazo final para a apresentação dos dados financeiros da prefeitura, que era dia 31/05. A audiência pública que estava agendada para essa data foi cancelada. Isso implica na violação da Lei de Responsabilidade Fiscal?
Sim, a Lei de Responsabilidade Fiscal menciona penalidades para os entes que não cumprirem com a transparência. Contudo, ela é muito mais severa para exercer o controle dos limites da despesa de pessoal do que em garantir a transparência nos gastos com terceirizados, por exemplo, o que mostra que a PMF não cumpre sequer com o mínimo exigido em termos de transparência.
UFSCàE: Você mencionou, num vídeo que circula pelas redes, que a prefeitura divulgou informações incorretas, incompatíveis com os demonstrativos da receita corrente líquida. Que informações são essas? Poderia explicar o que está ocorrendo com as informações divulgadas pela prefeitura?
Trata-se do agregado de informações que a PMF apresentou na audiência pública realizada no 1º quadrimestre de 2022, no ano passado. As informações das receitas municipais não conferem com os dados dos demonstrativos da Receita Corrente Líquida. Isso pode ser devido a algum problema de agregação? Sim, pode, mas seria necessário esclarecimento do porquê desta diferença, porque essa diferença muda totalmente a análise dos dados.
UFSCàE: Você comenta que a arrecadação da prefeitura aumentou, ao que você considera que se deve esse aumento?
A prefeitura tem aumentado a arrecadação principalmente por causa da receita tributária (impostos, taxas e contribuições de melhoria) e das transferências correntes. Recentemente a PMF também ampliou a sua capacidade de arrecadação com a possibilidade do ente reter o IRRF pago pela prefeitura a terceiros para prestação de serviços.
UFSCàE: Segundo a constituição federal a prefeitura e os entes federativos devem aplicar parte da arrecadação com saúde e educação. Hoje a prefeitura de Florianópolis aplica corretamente os recursos, de acordo com a constituição?
Os dados do último quadrimestre apontam que a PMF ficou abaixo dos mínimos em educação (25%) e saúde (15%). O que ocorre em muitos municípios (precisaríamos verificar se é o caso de Florianópolis) é que a aplicação fica abaixo durante quase todo o exercício financeiro, alcançando o mínimo apenas no fim do exercício, ou seja, economizando ao máximo e transformando o mínimo a ser aplicado em máximo.
UFSCàE: Em relação às terceirizações, elas concorrem com as verbas destinadas a contratações de servidores próprios?
Também, os terceirizados incluídos nos limites da LRF são aquelas contratações decorrentes de substituição de servidores ou empregados públicos.
UFSCàE: Existe algum estudo relacionando gastos com terceirizações e qualidade do atendimento a população e qualidade dos serviços prestados?
Eu recomendo um livro lançado recentemente que mostra experiências pelo mundo todo onde foi realizada a remunicipalização ou ainda a criação de serviços públicos. Uma das principais motivações para remunicipalizar serviços é em função dos custos e da qualidade serem melhores com a gestão pública. Chama-se “O Futuro é Público”. Muitas vezes se pensa que a gestão privada pode ser mais barata do que a pública porque os trabalhadores não tem plano de carreira, custam menos do que os servidores públicos, mas se formos ver os contratos da PMF, os valores são bastante elevados para contratar mão de obra terceirizada. Além de pagar o lucro da empresa terceirizada e os custos administrativos, o setor público ainda assume o risco do serviço ser descontinuado caso a empresa terceirizada tenha problemas administrativos-financeiros, por exemplo.
Além disso, o que o empregador investe em planos de cargos e salários se converte em melhorias para a organização, os incentivos para reter a mão de obra tem uma finalidade, isso é praticado tanto no setor público quanto no privado. A diferença é que no órgão público pela característica de continuidade e busca pela economicidade e eficiência, um gasto maior no presente pode se converter em economias futuras, assim como o oposto: a redução ao máximo dos custos pode causar gastos maiores no futuro.