Thiago Zandoná – Redação Universidade à Esquerda – 16/06/2020
Em dezembro de 2019, André Dala Possa concorreu ao posto de reitor do Instituto Federal de Santa Catarina. André perdeu a eleição mas foi nomeado ao cargo em maio deste ano. Para barrar a transição do reitor eleito e se manter no cargo, o interventor usa de manobras antidemocráticas que contrariam até mesmo decisões do próprio Conselho Superior da instituição.
Indicado pelo Ministério da Educação (MEC) para o cargo de reitor pro tempore (temporário) do IFSC, André não apenas têm barrado a transição da reitoria eleita, como suas ações acabam atravancando as discussões sobre o funcionamento do instituto durante a pandemia.
O Conselho Superior (Consup) é o órgão máximo deliberativo do IFSC, acima inclusive do reitor, segundo regulamentação. Mas por exercer a função de presidente do Conselho, o reitor-interventor tem conseguido dificultar as deliberações do órgão que reúne os representantes da comunidade acadêmica do instituto.
Na última quarta-feira (10), o Consup deliberou por reafirmar a autorização para que a equipe encabeçada pelo reitor eleito Maurício Gariba Júnior continue o processo de transição para a reitoria do IFSC. É a segunda vez que o órgão delibera pela retomada do processo.
A decisão já havia sido tomada há três semanas pelo Conselho, mas o interventor ignorou a deliberação e publicou uma portaria (nº 1.896) que contraria a decisão e suspende o processo de transição da equipe eleita.
Na medida, o reitor-interventor resolve “suspender as atividades de transição com a equipe de gestão indicada pelo professor Maurício Gariba Júnior, eleito para o cargo de Reitor, até que ocorra sua nomeação”. A nomeação depende do MEC, que já interferiu em ao menos 10 universidades e institutos federais desde 2019.
A medida, oficializada pelo interventor no dia 26 de maio, afrontou a decisão quase unânime do Conselho do IFSC. Um dia antes de publicar a portaria que suspende o processo de transição, 18 conselheiros votaram a favor da continuidade do processo de posse do reitor eleito enquanto 2 se abstiveram e apenas a presidência da reunião foi contrária.
Ao reafirmar a decisão, na última quarta-feira, três conselheiros se abstiveram e todos os demais votaram favoravelmente à retomada do processo de transição.
Segundo o reitor eleito, Gariba, “com a publicação desta portaria, o interventor mostrou que, além de não respeitar a democracia, também não respeita o funcionamento do Instituto, pois ignorou a decisão tomada pelo nosso órgão máximo, que é o Consup. Esperamos que com essa segunda votação, realizada quarta-feira, a Portaria 1896 seja tornada sem efeito pelo interventor”. Até a conclusão desta matéria a portaria não havia sido revogada.
Essa porém não foi a única manobra de André para se manter no cargo. Antes mesmo de suspender o processo de transição, o interventor e sua equipe têm tentado obstruir a troca de reitores. Em denúncia apresentada ao reitor eleito foi relatado que servidores responsáveis pelas áreas técnicas da reitoria estavam sendo coagidos pela equipe do interventor a não participarem das reuniões de transição. Essa denúncia, entre outras razões, motivou os conselheiros do Consup a autorizar o andamento do processo de transição.
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Para a equipe do reitor eleito, a transição é importante para tomar conhecimento de todos os processos relativos à gestão da instituição. Com a manobra do interventor André, a equipe de Gariba não tem acesso aos sistemas, documentos e comunicações oficiais.
André chegou a bloquear os e-mails do reitor eleito aos servidores dos 22 campi do IFSC. Com a portaria 1.896, o interventor impede que os 2,6 mil servidores da instituição acompanhem os trabalhos que a equipe eleita vem desenvolvendo e as novidades no que se refere à posse da nova gestão. Dessa forma, explica a equipe de Gariba, “André passa a ser a única referência de gestor a enviar informações aos servidores, dando um ar de normalidade à sua gestão (…) que é na verdade uma aberração institucional”.
A equipe de Gariba explica que ao tentar manter-se no cargo, André “compromete as gestões das unidades do IFSC em todo o estado, pois enquanto Gariba não for empossado, também os diretores eleitos em cada uma das unidades ficam no cargo de maneira pro tempore (temporariamente)”.
O interventor André Dala Possa foi pró-reitor de Extensão e Relações Externas da última gestão. A gestão anterior foi conduzida pela então reitora Maria Carla Schneider, que permaneceu no cargo durante dois mandatos (totalizando oito anos). Antes de tornar-se reitora, Schneider já esteve na gestão da instituição como diretora de Pesquisa e pró-reitora de Pesquisa. Ou seja, a eleição de Gariba para reitor representou uma renovação total no modelo de gestão da reitoria do IFSC.
“Ficou claro, para nós, que o discurso de que o interventor teria aceitado o cargo apenas para manter o funcionamento da instituição é uma mentira. Além de atrapalhar em processos naturais como o de transição, eles estão deixando as pessoas doentes devido ao medo instaurado na rotina de trabalho dos servidores”, destaca Gariba.
O embate que o reitor-interventor tem travado contra o Consup sobre a posse do reitor eleito tem dificultado o debate do conselho sobre os demais assuntos da instituição. Em especial, as discussões e decisões acerca do funcionamento do IFSC durante a pandemia. Desde a intervenção, todas as sessões do Conselho Superior têm despendido muito tempo para discutir a posse e confrontar o interventor. Segundo relatos de conselheiros, houve reuniões com seis horas para tratar das questões referentes à posse.
Nesse embate, não é apenas os conselheiros que têm se manifestado contrários à intervenção. Desde que André tomou posse, no dia 4 de maio, a comunidade acadêmica do IFSC têm se manifestado em repúdio à ação do MEC.
Em diversos campi do IFSC os alunos ergueram cartazes e faixas contra a nomeação. Uma ação virtual também foi realizada pelos estudantes. Um buzinaço próximo a reitoria também ocorreu como forma de repúdio à intervenção.
A comunidade do IFSC escolheu Gariba como reitor, no segundo turno, por 36,29% dos votos contra 26,08% do candidato André. Mas o MEC não nomeou o professor Gariba alegando que ele respondia a um processo administrativo no âmbito da Controladoria Geral da União (CGU).
Em abril, quando encerrou o período da gestão anterior, Abraham Weintraub nomeou Lucas Dominghini, professor do Câmpus Criciúma. Lucas, que sequer participou do processo eleitoral, abdicou da indicação por entender que o processo de escolha foi legítimo e democrático. Em seguida, o ministro então nomeou André, que não apenas aceitou o cargo, como tem feito de tudo para permanecer na cadeira de reitor.
Mesmo com o processo, Gariba continua apto a assumir o posto de reitor, de acordo com a legislação que orienta as eleições nos Institutos Federais e conforme os editais que nortearam o processo eleitoral.
O MEC também se utilizou da MP 914, medida que permitia o presidente da República escolher o reitor das Instituições Federais de Ensino Superior sem acatar o nome mais votado da lista tríplice de candidatos apresentada pela instituição. A MP perdeu validade no começo deste mês, por não ser apreciada pelo Congresso Nacional.
Intervir na nomeação dos dirigentes dos institutos e universidades federais tem se tornado uma política do governo Bolsonaro. Desde o começo do mandato, o governo federal já interferiu em ao menos 10 instituições.
Na semana passada, o governo publicou a Medida Provisória 979, nova medida que permitia ao ministro Weintraub escolher os reitores das instituições federais de ensino superior sem que houvesse processo democrático nas instituições. A medida poderia garantir ao governo a capacidade de intervir diretamente em 15 universidades e 4 institutos até dezembro de 2020. O Congresso porém rejeitou a MP.
Para a equipe de comunicação do reitor eleito, “o MEC usou essas duas “desculpas” (MP 914 e processo na CGU) como muletas para inviabilizar a posse, quando na verdade o que ocorre é uma perseguição ideológica, já que o prof. Gariba e sua equipe têm histórico de atuação sindical e de luta por ampliação de direitos dos trabalhadores da educação”.
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