[MANIFESTO COLETIVO Mães da UFSC] SUA MÃE É MINHA, OU DE COMO O MÊS É DAS MÃES MAS OS DIAS SÃO DE LUTA

Reproduzimos aqui o manifesto do coletivo de mães da UFSC maio de 2017

Todos os anos milhares de novos estudantes adentram os portões da Universidade Federal de Santa Catarina, seja para a graduação ou pós-graduação. Em sua maioria, possuem o sonho de percorrer o caminho que os levará à tão sonhada profissão.Dentre esses estudantes com seus sonhos, está uma categoria pouco comum no ambiente universitário, mas que vem crescendo ano a ano: as mães.Mãe é aquela pessoa que gesta, cuida, cria e educa todos os sujeitos que compõem uma sociedade e, ainda que não passe pela gestação – como o caso das mães adotivas – ou que as responsáveis legais por uma vida que se constrói social e politicamente se encontrem nas mais diversas formas de corpo, raça e modelo de família, são mães e portam o peso social e político de sua condição.Eis que às vésperas do segundo domingo de maio, o dia das mães no Brasil, um grupo de mães universitárias uniu-se em busca de visibilidade para as pautas de sua permanência na faculdade. Sim, pois não basta passar no vestibular para ser estudante universitária. É preciso cumprir carga horária, realizar trabalhos e provas etc, e isso tudo demanda tempo, dinheiro e rede de apoio, coisas que faltam para boa parte dessas mães das quais falo nesse texto.Para encadear os acontecimentos ocorridos ao longo e após o ato das mães, é preciso contextualizá-las socialmente.As mulheres sofrem dia após dia as violências do patriarcado, reforçadas pela questão de classes. Se para a teoria crítica o trabalho é o que identifica o sujeito, as mães que são mulheres preteridas pelo mercado de trabalho exatamente por serem mulheres que demandam licença maternidade, tempo para amamentação, saídas e faltas para consultas médicas, eventos escolares etc, estão em um lugar de não-identidade pois não produzem para o capital. Ao contrário: necessitam que a estrutura tenha pausas em sua produção para que suas demandas sejam contempladas e assim possam criar seus filhos e suas filhas de forma conciliatória aos seus empregos. Dado esse quadro, é possível entender como e porquê as mães são relegadas apenas à condição de donas de casa, tornando-se seres absolutamente dissonantes quanto à paisagem universitária.Pois bem. Retomando o ato realizado na sexta-feira véspera do dia das mães. Um grupo de mães reuniu-se em frente à Reitoria da UFSC e muitas trouxeram suas filhas. Todas agruparam-se e começaram uma produção de cartazes que traziam suas reivindicações de permanência, descreviam violências sofridas no ambiente universitário por serem mães e também pautas colocadas pelas crianças que, como sujeitos que também se apropriam do espaço universitário por direitos garantidos pelo próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, desejam de fato pertencer a esse espaço e usufruir daquilo que a universidade pode lhes proporcionar, especialmente se pensarmos no papel da universidade pública de manter diálogo com a comunidade.Durante a confecção de cartazes uma caixa de som com microfone foi instalada ao lado da porta da Reitoria com o objetivo de colocar músicas para as crianças e também trocar algumas palavras com a comunidade universitária de forma a sensibilizar para as causas das mães universitárias e visibilizar esse nicho bastante ignorado.Há uma urgência de reconhec imento para essas mães pois a universidade enquanto órgão responsável por censear seus alunos e suas demandas, afirma não ter conhecimento da existência de mães e pais de crianças maiores de 6 anos de idade, a idade limite para a qual os escassos auxílios financeiros universitários são despendidos. É preciso também lembrar aos responsáveis pelas políticas públicas que a continuidade da formação, como a pós-graduação, tem exigências tão potentes quanto as da graduação e por isso as mães pós-graduandas também precisam de auxílios e direitos.Porém isso não foi possível. No mês em que o reitor Cancerlier completa um ano de gestão, assim como no dia da Greve Geral, a energia do andar térreo da Reitoria foi desligada, de modo que nenhuma tomada pudesse funcionar. O reitor não quer manifestações em frente à Reitoria. Isso não reduziu o ato que seguiu com a colagem dos cartazes e o hasteamento de uma grande faixa nos mastros das bandeiras explicitando as pautas de luta das mães naquele ambiente e na sociedade como um todo. Transeuntes também paravam e conversavam com as mães e duas mídias do jornalismo universitário fizeram cobertura do ato. Apenas duas. Se considerarmos as coberturas realizadas durante atos de greve estudantil, manifestações estudantis de centros acadêmicos, diretórios e mesmo sindicatos de servidores, a cobertura foi minúscula em termos de visibilidade para o tema. A cobertura da mídia universitária reproduziu a sociedade além-muros da UFSC que ignora a função social e política das mães e suas demandas.No domingo, recebemos em nosso grupo de comunicação imagens dos cartazes retirados, rasgados e amassados dispostos ao chão e o áudio de uma das crianças que estava com a mãe no ato de sexta-feira, declarando sua indignação. Em sua inocência, ela esperava que nossas pautas fossem imediatamente atendidas após o singelo porém não simplório ato político.A hostilidade da recepção de simples cartazes que denunciam violências cotidianas e a tentativa da reitoria em calar as vozes das mães mostram como essas mulheres e suas pautas não são invisíveis. Ao contrário, são deliberadamente ignoradas.Mas da mesma forma como nossas bocas se abrem com as dores de nosso nascimento enquanto mães e nossos braços acolhem com força nossas filhas e nossos filhos em abraços, nossos dentes se mostram e nossas bocas escancaradas gritam por direitos e melhores condições, e nossos braços em riste puxam com vigor nossa marcha em luta para que a universidade nos reconheça social e politicamente, e que a sensibilidade que todas as pessoas possuem seja um veículo de empatia para as pautas maternas. O título desse texto remete à uma forma que os meninos usavam quando eu era criança, para ofenderem-se uns aos outros. Eles diziam “sua mãe é minha” em alusão ao ato sexual, de forma a encerrar uma disputa entre eles, e lembro-me como isso era profundamente ofensivo aos que eram o alvo dessa violência. Mas aqui utilizo-o não para mostrar que “a mãe do outro é minha” quando queremos violentar e nos apropriar do corpo e da autonomia da mulher, mas para dizer que as mães como um todo devem ser nossas, como nossas responsabilidades e representantes sociais e que precisam ter seus direitos reconhecidos.Desejamos que um dia as reivindicações sejam prontamente atendidas, como sonhou a filha de uma de nossas companheiras em sua inocência infantil. Enquanto isso não acontece, seguimos lutando contra esse sistema opressor e visibilizando nossa existência e nossas funções de educar aquelas e aqueles que combaterão as opressões capitalistas.Um dia em um mês ao longo de um ano é dedicado em nossa homenagem, mas enquanto esse dia ignorar sua origem na luta e servir ao consumismo desenfreado alimentando a roda capitalista e roubando-nos nosso reconhecimento e nossos direitos, inclusive de acesso à uma formação intelectual digna, lutaremos incansavelmente e resistindo bravamente, seguiremos re-existindo e nos fortalecendo. Somos o berço da sociedade, é através de nós que tudo se constitui e assim vamos adiante, como verdadeiras mães e filhas da luta! COLETIVO DE MÃES DA UFSC

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