Doralice Dias* – Redação UàE – 18/02/2020
Como o ano passado demonstrou, os cortes orçamentários na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) afetam diretamente o cotidiano dos estudantes e dos trabalhadores. Em 2019, o “contingenciamento” de 30% do orçamento já causou a demissão de 95 terceirizados da limpeza e segurança, o que tornou impossível a realização de certas aulas, facilitou furtos em laboratórios e exigiu um trabalho imenso para aqueles que não foram demitidos, tendo que limpar sozinhos, em alguns casos, um prédio inteiro. Além disso, foram suspensas as viagens acadêmicas e cancelada a Semana de Ensino, Pesquisa e Extensão (Sepex).
Ainda no semestre passado, a Reitoria alertou que medidas como o fechamento do Restaurante Universitário (RU) para não isentos, o corte das bolsas monitoria, estágio, pesquisa e extensão seriam tomadas caso não houvesse recomposição do orçamento cortado. A organização dos estudantes e a greve que foi desencadeada em 2019 foi a única coisa que segurou a Reitoria para manter o RU e as bolsas em funcionamento regular.
Em 2020, no entanto, a situação orçamentária é ainda mais preocupante do que no ano anterior. Para o orçamento de custeio, destinado aos contratos com empresas de limpeza e vigilância, bolsas de permanência, contas de luz, materiais para laboratórios e ao Restaurante Universitário, o corte será de aproximadamente 40% em relação ao ano de 2019, sendo R$ 145 milhões no ano passado e R$ 85 milhões nesse.
Para realizações de obras, compra de novos equipamentos ou imóveis a Universidade depende do orçamento de investimentos. Nesse caso, a situação é ainda mais gritante. Em 2019, o orçamento era R$ 8 milhões e em 2020 passa para R$ 8,8 milhões. O que pode parecer um aumento, no entanto, não é, se comparado com valor de 2015, que era de R$ 56 milhões. Ou seja, nos últimos cinco anos houve um corte de 85% do orçamento destinado à manutenção dos prédios do campus. Esse dado se confirma na realidade dos estudantes de todos os centros da Universidade, mas principalmente do Centro de Física e Matemática (CFM), onde a situação é tão insalubre que o corpo de bombeiros já alertou para o perigo de uso do bloco de salas de aula.
Porém, existe em contradição com essas informações e o orçamento global da UFSC para 2020, que apresentou um aumento de 2% em relação à 2019, de R$ 1.52bi para R$ 1.55bi. Isso é explicado porque, além desse orçamento conter as verbas discricionárias (custeio e investimento) e as verbas obrigatórias (pagamento de salários e aposentadorias), contém uma nova modalidade criada pelo Ministério da Educação: a reserva de contingência. Essa categoria diz respeito à um total de R$ 83 milhões que poderão ser liberados ou não, e não se sabe em qual situação serão realmente incluídos no orçamento.
Agora resta a questão. Qual o papel desta reserva? Relatar um aparente aumento do orçamento das Universidades ou um montante a ser liberado através de acordos e concessões políticas?
O modelo de rebaixar o orçamento discricionário das Universidades e cobrir o buraco com a reserva de contingência não acontece apenas na UFSC, mas está dado em todas as Universidades Federais no Brasil, com suas especificidades. É um fato que nenhuma delas vai conseguir finalizar o ano de 2019 em condições decentes sem uma reestruturação do orçamento planejado. Assim, tendo que continuar cortando o que é essencial para sua manutenção ou rompendo o caminho de destruição da Universidade por uma mobilização do corpo universitário.
O programa Future-se do governo para as Universidades, apresentado no ano passado, prevê um financiamento da Universidade pela iniciativa privada. No Rio de Janeiro, por exemplo, por uma falta de verbas, a UFRJ já está em processo de abrir terrenos dentro dos campi para concessões privadas. É preciso estar atento à saídas desse tipo que se apresentaram no caminho. Qual autonomia resta ao estudo, aos estudantes e aos trabalhadores se forem dependentes da iniciativa privada? Qual Universidade resta sem essa autonomia?
*Os textos de debate são de responsabilidade dos autores e podem não refletir a opinião do jornal