Imagem retirada da página 379 do Relatório Final da Comissão Memória, e Verdade da UFSC

[Notícia] A ditadura na UFSC: memória da repressão ao movimento estudantil por João Soccas

Foto: Imagem do relatório da Comissão da Verdade UFSC – Foto de João Soccas – Arquivo pessoal

Maria Fernandez – Redação UàE – 01/04/2019

Esta texto foi adaptado por Maria Fernandez para UàE com base no Relatório Final da Comissão Memória e Verdade da UFSC apresentado em novembro de 2018.

 

A ditadura, iniciada em 64 com o golpe militar, teve consequências no cotidiano da Universidade Federal de Santa Catarina. Para relembrar e reforçar o repúdio aos que ousam comemorar a barbárie, resgatamos trechos publicados no Relatório Final da Comissão Memória e Verdade da UFSC.

A CMV publicou o resultado de seu trabalho em 2018, nesse relatório podemos encontrar relatos de repressão e impunidade aos estudantes e trabalhadores da Universidade. Nesse texto destacamos alguns fragmentos d e relatos de João Soccas, João foi estudante e professor na UFSC e presenciou momentos de repressão a seus colegas. Entrou na UFSC em 67 como estudante e foi membro do Diretório Acadêmico da Engenharia.

A história de João foi contada por Jéssica Duarte de Souza, bolsista da CMV-UFSC a partir da pesquisa que realizou e do estudo de Felipe Dutra Demetri, além de trechos  da entrevista concedida pelo depoente a Comissão da Memória e Verdade da UFSC em 25/06/2015.

João relata casos de colegas presos, como os de Gil Braz de Lima e de Cascaes. Ambos foram presos durante uma panfletagem com a Reforma Universitária no campus universitário do centro. A prisão dentro da universidade não foi suficiente para ocorrer manifestação da reitoria. Segundo o relato de João:

Ele (Gil) não voltou mais para  faculdade,  foi  uma  eliminação  de  certa  forma,  porque  foi  preso,  e  aí  ele  perdeu essa sequência toda. […] Esse menino, na época era menino, devia ter 19 ou 20 anos, ele foi tolhido. Não voltou mais a estudar, porque o período que ele ficou preso em Biguaçu somado o que ele ficou preso em Curitiba, simplesmente desvinculou ele da Universidade.

 

Quando João Soccas chegou ao local da panfletagem ambos já haviam sido presos.  Gil ficou alguns meses em Biguaçu e depois mais um ou dois anos preso em Curitiba. Em outro trecho, João relata a prisão de secundarista na cede do DCE. 

A segunda prisão presenciada por Soccas na Universidade foi no dia em que o AI-5 (Ato Institucional número 5) foi divulgado:“(…) eu estava com o carro do pai, eu liguei o rádio e começou a leitura do AI5. Eu disse: Pô, eu vou pro DCE tentar salvar qualquer documentação ou tirar quem tivesse lá ou tirar alguma coisa… eu morava na praça Getúlio Vargas na época, na casa do meu pai, e eu fui em direção ao DCE. Quando eu subi a Tenente Silveira eu vi vários carros já parados lá em cima da calçada, na frente da Secretaria de Segurança, e eu toquei embora, eu subi, quando eu desci a Álvaro de Carvalho os carros que estavam estacionados na frente da Secretaria passaram na minha frente e já bloquearam o DCE e eu passei direto. Foi outra escapada do destino, por questão de minutos, se eu tivesse estacionado o carro, descido e eles viessem, eu teria ido junto com o Cascais e esse outro menino que era enfermeiro, que era secundarista, os dois eram secundaristas. Não! Quem foi preso, o Cascaes não estava no DCE , quem foi preso foi o [Sérgio]  G r a n d o .”

João ficou um período afastado da universidade e retornou depois que a reforma já estava em vigor. Foi detido por conta da publicação de um jornal pelo qual estava encarregado da impressão e distribuição. O jornal “Universitários a procura de Universidade” (UPU) que denunciava a Reforma Universitária. Sofreu ameaças de tortura para confessar que era responsável pela organização do jornal.

Ao falar dessa detenção, João revela a presença de policiais que frequentavam a UFSC se passando por estudantes, sendo que foi presa por um desses policiais:

 esse pessoal entrava na universidade sem vestibular e entrava direto […]pelo DAE, sem passar no vestibular.

 João ainda lamenta por colegas do movimento estudantil que foram mortos e torturados durante a ditadura:

Então nós condenamos a morte crianças que seriam grandes homens, talvez grandes lideranças nacionais, foram mortos sob circunstâncias ainda que a gente nem sabe. O Honestino Guimarães não se  tem  nem  o  corpo  dele  ainda,  como  é  que  foi  morto,  ainda  não  se  sabe.  Ele  foi  para  a  história  pela  inteligência dele, pela articulação dele.

 Estes são apenas trechos do Relatório que permite resgatarmos um momento de forte repressão, mas também de resistência da comunidade universitária. Chama atenção ao longo do relatório a participação da estrutura universitária nessa repressão. Resgatar a história pode nos ajudar a não repeti-la.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *