Foto: UFSC à Esquerda
Marcelo Ferro– Redação UàE – 26/10/2018
A Arquitetura e Urbanismo da UFSC lançou um manifesto reafirmando o “apreço profundo à democracia, à dignidade humana, aos valores civilizatórios elementares e à manutenção dos direitos civis básicos”, refletindo a preocupação do curso com o dilema colocado no segundo turno das eleições presidenciais. No dia seguinte ao primeiro turno o corpo estudantil já estava reunido, e os estudantes lançaram uma manifestação pelo voto 13 no segundo turno para derrotar Bolsonaro.
A mobilização do curso culminou na paralisação das aulas durante esta semana para realizar aulas públicas e atuações dentro e fora da universidade, seguindo decisão tirada em assembléia de curso na sexta passada.
Confira o manifesto na íntegra:
Carta aberta à sociedade brasileira Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
“Mudaram os nomes às coisas para as coisas se esquecerem do que eram. Assim a desigualdade passou a chamar-se mérito; miséria, austeridade; hipocrisia, direitos humanos; guerra civil descontrolada, intervenção humanitária; guerra civil mitigada, democracia. A própria guerra passou a chamar-se paz para poder ser infinita.” (Boaventura de Souza Santos, A difícil democracia, 2016.)
O momento atual no Brasil está marcado por uma delicada combinação entre crise econômica, instabilidade política, fragilidade das instituições democráticas, emergência de ações e discursos autoritários e violentos. Vivemos um período turbulento, no qual o diálogo pode tornar-se insulto, quando não se admite mais as diferenças, não se aceita mais a reflexão, não se enxerga mais a humanidade.
Quando olhamos para trás e aprendemos com a História, percebemos que a marcha rumo à barbárie, depois de iniciada tende a se intensificar e se tornar irreversível. E a barbárie pode ter muitas faces: intolerância, fanatismo, racismo, xenofobia, homofobia, que levam inexoravelmente à ampliação das desigualdades, à miséria social e ética e ao sofrimento.
A arquitetura e o urbanismo, assim como a política, podem ser capazes de muitas coisas: aproximar ou segregar; sensibilizar ou brutalizar; desvelar ou esconder as contradições. Cada traço, cada forma, cada espacialidade que produzimos transmite valores éticos, compartilham critérios sociais, respondem a visões de mundo.
A arquitetura e o urbanismo em que acreditamos e que desejamos continuar praticando têm compromisso com a criação de novas espacialidades que colaborem na revitalização da discussão política, na valorização da liberdade, no aprofundamento da igualdade e na sedimentação da solidariedade como valor primeiro da vida em sociedade. Espacialidades capazes de abrigar, generosamente, novas formas de vida, com respeito à diversidade de orientações sexuais, de etnias e credos, de organização familiar e comunitária.
Assim, coerentes com nossa trajetória histórica, reafirmamos nosso apreço profundo à democracia, à dignidade humana, aos valores civilizatórios elementares e à manutenção dos direitos civis básicos.
Entendemos que a beleza da arquitetura e do urbanismo está na possibilidade de oferecer outras moradas e abrigos possíveis para o ser humano, outras cidades, outros mundos. Faz parte do nosso ofício projetar esse futuro desejado e sonhado que ainda não nasceu. Os caminhos da História não estão desenhados de antemão. Por mais sombrio e ameaçador que possa se configurar, o presente está prenhe de inúmeros futuros possíveis, que cabe a nós, juntos, construir.
Florianópolis, outubro de 2018.