Maria Helena Vigo – Redação do Ufsc à Esquerda
A luta pela Revogação do Novo Ensino Médio (NEM) tem ganhado corpo pelo país nos últimos meses. Dia 15 de Março e 19 de abril foram dias de mobilizações e atos de rua convocados pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). Já no dia 26 de abril, está sendo organizada a Greve Nacional de Educação, convocada a partir da 4ª Plenária Intercongressual da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), para lutar pelo piso do magistério e pela revogação do NEM.
Diante disso, o jornal UFSC à Esquerda buscou dar voz à estudantes da grande Florianópolis sobre como tem sido a experiência nesse modelo, que está sendo implementado de forma obrigatória desde o ano de 2022 em todo o país.
Estudantes da Escola de Educação Básica Aníbal Nunes Pires, de Florianópolis, e da Escola de Educação Básica Benonívio João Martins, do município de Palhoça, enviaram seus relatos, a maioria de forma anônima.
Diversos estudantes abordam a insatisfação com o prolongamento do período na escola, que prejudica aqueles que necessitam trabalhar e estudar, assim como, a desorganização na implementação das mudanças. Além disso, esse tempo a mais na escola é ocupado com disciplinas rasas e desconexas:
O novo ensino médio é uma grande bobagem. Isso aumenta a mão de obra barata, já que a maioria dos estudantes do ensino médio trabalha. E isso é cansativo tanto para nós, alunos, quanto para os professores. O novo ensino médio retirou espaços de matérias importantes para colocar matérias banais, como as eletivas e o projeto de vida. A matéria de português é mais importante do que elas, mas só tenho duas aulas de português na semana, o que é um absurdo. Os alunos da noite serão obrigados a estudar até o 4º ano. Para mim, o novo ensino médio deveria ser banido. Estudar, trabalhar e fazer curso já é muito cansativo, ainda ter que vir para a escola e ficar até 6:45 é horrível. Nossa carga horária de estudo aumenta em duas horas e isso nos prejudica muito.
Aluna do primeiro ano do ensino médio da EEB Benonívio João Martins.
Esse novo ensino médio desde o ano passado foi apenas uma pura bagunça e desnecessário para todos nós, alunos e professores. Perdemos empregos pelos novos horários, aulas sem motivos, a diminuição de aulas como história e sociologia. Esse novo ensino só têm atrapalhado a todos.
Estudante da EEB Anibal Nunes Pires.
Minha escola se situa em uma zona de periferia, aí você tira a conclusão de que quem estuda lá tem uma baixa renda e precisa trabalhar para se sustentar, porém o novo ensino médio não permite que isso aconteça, pois a grade curricular está em turno integral. Desta forma,os empregadores não nos aceitam, por que o estudante pode chegar diversas vezes atrasado. Aí surgiu o bolsa estudante que era para evitar a evasão desses estudantes, no início todos com cadastro recebiam, agora cortaram até quem recebia ano passado. E isso é só uma pequena parte dos problemas desse novo ensino médio.
André, estudante representante do Conselho Deliberativo Escolar da EEB Benonívio João Martins.
Eu acho ruim ficar na escola o dia todo por causa que me cansa muito mentalmente e fisicamente, o resto da semana toda eu fico cansada por conta do tempo que fico na escola, também atrapalha compromissos importantes que eu tenho tanto na minha vida pessoal quanto com outras pessoas.
Estudante da EEB Anibal Nunes Pires.
O novo ensino médio veio com um intuito de trazer novos conhecimentos, trazer novas matérias e didáticas em sala de aula, a ideia é boa, porém a forma como isso está sendo na prática não é bem assim, entre 10 pessoas se 1 está se beneficiando com essa modalidade é muito. E nem citei a parte externa disso, se um aluno é chamado a uma entrevista de emprego tem que esclarecer que um dia da semana não pode contribuir com a empresa, e outro assunto ligado a isso é o auxílio, muitos alunos que não necessitam estão tirando proveito desse benefício, sendo que outros que realmente precisam não tem a aprovação. O novo ensino médio tem muitas oportunidades pra dar certo, mas com ideias mais inclusivas e práticas mais organizadas, e no momento não é essa a real situação. O que era pra ser algo benéfico, contribuir para o desenvolvimento e aprendizado dos alunos, diminuir a taxa de ausência escolar, está se tornando cansaço mental e físico todas as semanas.
Estudante da EEB Anibal Nunes Pires.
Os alunos ressaltam uma desconexão do ensino oferecido com a sua realidade. O Novo Ensino Médio havia sido propagandeado como uma possibilidade de maior liberdade de escolha para os estudantes, como uma forma de ter acesso a conhecimentos que fossem úteis tanto para a vida, quanto para o trabalho. Contudo, os estudantes se deparam com a substituição de disciplinas de conhecimentos de base crítica por disciplinas superficiais.
Nós, do Grêmio Estudantil da escola Professor Aníbal Nunes Pires, temos o pensamento de que este novo sistema de ensino vem apenas prejudicando os alunos. Nós vemos, todos os dias, estudantes exaustos pela carga horária aumentada e matérias que nem os alunos e nem os professores compreendem. Matérias essas que muitas vezes não contribuem em nada para a nossa vida estudantil e trabalhista. Além de diversas oportunidades de trabalho perdidas por conta da carga horária maior, o que prejudica diretamente naqueles que tem que ajudar em casa com as necessidades. Esse novo ensino médio apenas tirou o pouco que já tínhamos e necessita de uma estrutura que o nosso país não tem e não oferece. A revogação do NEM é essencial para que os alunos tenham, de volta, uma base mínimamente boa para o mercado de trabalho e para a vida. Precisamos continuar lutando pela revogação do novo ensino médio e lutando pelos direito estudantis.
Grêmio estudantil da EEB Anibal Nunes Pires.
As aulas são completamente sem sentido, não sei pra que vou usar “diálogos e juventudes” na minha vida.
Estudante da EEB Anibal Nunes Pires.
Eu particularmente não gosto da proposta do novo ensino médio, pois a gente está perdendo o nosso tempo de lazer/trabalho para termos matérias que não nos auxiliam nem a passar no vestibular.
Ficamos quase 12 horas na escola para não estudar redação, fazer simulados ou coisas que não irão auxiliar nosso futuro.
Estudante da EEB Anibal Nunes Pires.
Os relatos sobre a precariedade do ensino oferecido, sobre a pobreza de conteúdo até mesmo em relação à expectativa de formação para o trabalho, evidenciam como esse é um projeto que retira qualquer aposta da juventude, que a joga em um abandono, em uma falta de perspectiva. É preciso atentar que esse é um fato alinhado com a realidade do trabalho no Brasil hoje, também extremamente precarizado.
Leia também: O Novo Ensino Médio reflete a precariedade do trabalho no Brasil hoje
Os estudantes destacam ainda os problemas com a infraestrutura que é oferecida nas escolas e as condições de trabalho para os professores:
Nossa escola, EEB Benonivio João Martins, localizada em Palhoça, não tem estrutura para a realização das aulas. A escola está se virando como pode quanto ao novo ensino médio, mas é desgastante tanto para alunos quanto para professores. Muitas vezes, os professores precisam sair de suas matérias para dar aulas sobre assuntos totalmente diferentes. Os alunos estão desgastados com o horário, e muitos dependem do bolsa estudante para complementar a renda familiar. Esses são alguns dos principais problemas enfrentados pelos estudantes e professores de nossa escola.
Coletivo dos Estudantes da EEB Benonívio João Martins.
Na minha sala tem um aluno com deficiência visual,a escola já pediu o computador e os recursos para ele é até agora nada, nossa escola não tem laboratório, não tem informática, não tem nada. Isso é um descaso com nós alunos.
Estudante da EEB Benonívio João Martins
Com a implementação obrigatória do NEM em todo o país, os alertas de trabalhadores e pesquisadores da educação sobre a precariedade e desconexão desse projeto educativo com a realidade da juventude brasileira vêm se confirmando. O NEM vêm se mostrando deletério para a educação dos jovens, marcado pela oferta de disciplinas como “diálogos e juventudes”, “empreendedorismo” e “projeto de vida”. Este modelo de educação se confirma como um abandono da perspectiva de vida e de um futuro efetivamente diferente para a juventude.
Por isso, tem se mostrado necessário e urgente derrotar o Novo Ensino Médio, assim como construir uma proposta a partir da base, a partir dos estudantes, trabalhadores, pesquisadores e movimentos sociais da educação pública. É preciso unir estudantes e trabalhadores na tarefa de construção de um outro projeto de educação.