Montagem: Universidade à Esquerda
Nina Matos – Redação Universidade à Esquerda – 05/11/2020
Na última terça-feira (3), o desdobramento do caso de Mariana Ferrer causou comoção em todo o Brasil. André de Camargo Aranha, acusado de estupro pela jovem, foi absolvido sob alegação de falta de provas.
A decisão judicial que inocentou Aranha, no dia 9 de setembro, provocou revolta nas redes sociais. Em várias postagens, pessoas relembram os fatos ocorridos, além de ressaltarem a possível interferência das relações de Aranha com pessoas influentes — tendo em vista que seu pai, o advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, já representou a rede Globo.
O jornal The Intercept Brasil divulgou gravações que obteve da audiência em que Aranha foi inocentado. No vídeo, o advogado de Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho, questiona a índole da jovem, dizendo que não teria uma filha como ela, chegando ao cúmulo de repreender o choro da jovem, acusando-a de estar sendo dissimulada e falsa.
A divulgação do vídeo gerou revolta. Postagens exigindo justiça e questionando o termo “estupro culposo” — uma síntese do argumento utilizado pelo promotor Thiago Carriço de Oliveira, do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC), para absolver Aranha.
A revolta também levou a organização de atos em todo o país. Na capital catarinense, Florianópolis, um ato ocorreu na tarde de ontem (4), em frente ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), em marcha pelo centro da cidade. Em outras cidades — como Porto Alegre (RS), Manaus (AM) e São Paulo (SP) —, os atos estão sendo marcados para domingo (8).
Repercussão da divulgação do vídeo
Após a publicação do vídeo pelo The Intercept Brasil e a comoção nas redes sociais, o MP-SC veio à público, na terça (3) e na quarta-feira (4), em defesa da conduta do promotor Thiago Carriço de Oliveira.
Em uma das notas divulgadas pelo órgão, reafirma-se que não seria possível julgar alguém por um crime que não cometeu, que seria a tese do “estupro culposo”. Dessa maneira, reafirmando o entendimento do órgão de que não há provas de que houve estupro de vulnerável.
Já em outra nota, o MP-SC afirma requerer “levantamento do sigilo do vídeo de instrução e julgamento para esclarecer informações inverídicas apresentadas por veículo de imprensa no caso Mariana Ferrer”.
Ambas as notas foram recebidas com indignação nas redes sociais. Os comentários questionam a atuação do promotor, que calou frente a agressão sofrida por Mariana.
Com a publicação das notas do MP-SC, o jornal The Intercept editou, em dois momentos, a matéria veiculada. Agora, nela consta um trecho escrito das alegações finais do promotor.
Nesta cópia, Oliveira alega haver “erro sobre o elemento constitutivo do tipo legal”, argumentando que é possível eliminar o dolo do crime cometido por Aranha ao fazer uma analogia com a eliminação de dolo no caso de crianças menores de 14 anos.
“Se a confusão acerca da idade pode eliminar o dolo, por que não aplicar-se a mesma interpretação com aquele que mantém relação com pessoa maior de idade, cuja suposta incapacidade não é do seu conhecimento?”
O caso Mariana Ferrer, que arrastava-se desde 2018, tornou-se conhecido em todo o país após a jovem, em maio de 2019, divulgar nas redes sociais a inação do poder judiciário em dar andamento ao caso.
Diferente da maioria dos casos de estupro que chegam à justiça, o caso de Mariana Ferrer contava com diversas provas materiais do crime, como imagens onde Aranha aparece guiando a jovem, sangue em suas roupas e até mesmo esperma de Aranha foi encontrado.
Mariana sofreu diversas violências ao longo do processo, tendo imagens suas de antes do acontecido sendo usadas diversas vezes para justificar a inocência de seu agressor. Fotos suas foram até mesmo adulteradas, de modo que parecesse que Mariana posasse nua — como se isso justificasse qualquer estupro.
A triste história de Mariana Ferrer é tida um exemplo trágico para muitas feministas, pois é a prova de que não é possível que mulheres estejam seguras plenamente enquanto vigorar uma sociedade onde se possa ter a propriedade de um corpo que não seja o seu próprio.