Foto: Estudante segura cartaz em homenagem/protesto pela morte de Marcus Vinícius, morto pela polícia enquanto ia para escola no Complexo da Maré; Rio de Janeiro/RJ, julho de 2018; por Maré Vive
José Braga – Redação UàE – 19/07/2018
No último domingo, 15 de julho, um jovem foi morto pela polícia no bairro Chico Mendes em Florianópolis. O assassinato de Kelvin, 16 anos, gerou revolta nos moradores do bairro, e em toda cidade. No dia seguinte, 16 de julho, houve protestos no bairro. No dia 18, coletivos de hip-hop da cidade lançaram uma nota pública, se posicionando contra o assassinato de Kelvin e contra o racismo da polícia, da justiça e da mídia. Confira na íntegra:
Nesse domingo (15/07/18), foi morto na Chico Mendes um jovem de 16 anos, baleado pela polícia. Foi um triste dia não só pra família e amigos do menino, mas pra toda cultura Hip Hop. O Kelvin, irmão de um mc da ilha, entrou para a estatística de jovens negros mortos por uma política de genocídio explícito. São 63 jovens negros mortos POR DIA no Brasil, ou seja, um jovem negro morto a cada 23 minutos.
Floripa, “a ilha da magia racista”, nega a existência de negros por aqui. No entanto, a polícia segue não errando o alvo quando o assunto é genocídio, e juntamente com a mídia, ocultam os índices e cadáveres dessa guerra injusta sob a justificativa de combate ao tráfico de drogas.
Com o Kelvin não foi diferente. Logo nas primeiras notícias, publicadas pelo G1, Notícia do Dia e Hora de Santa Catarina, as mentiras começaram a aparecer: descrevem que o jovem morto estava armado e tinha envolvimento com o tráfico. Algumas horas depois, outros portais pararam de relacioná-lo com o tráfico, mas seguiram afirmando que o adolescente portava uma pistola 9mm. Nenhum desses portais se dispôs a ouvir moradores da favela e a família.
A família e amigos garantem que o adolescente não estava armado. Também garantem que o menino não estava envolvido com o tráfico. Ou seja: mais uma vez a polícia plantando flagrantes para justificar a violência e seu caráter assassino. O racismo da polícia, da justiça e de muitas pessoas se apoia em uma antiga passagem no histórico do moleque e que ninguém falou até agora o motivo, para justificar a sua morte.
Quem são os infratores? Quem são os fora da lei? O Brasil assinou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, que responsabiliza o Estado por: proteção contra abuso e negligência; proteção contra a utilização e pelo tráfico de drogas; proteção em situação de conflito armado e reabilitação de vítimas desses conflitos; GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO PENAL, no caso de cometimento de ato infracional; entre outros. Sabemos que o art. 227 da Constituição Federal consagra, além da família, a sociedade e o Estado como responsáveis pela proteção dos direitos das crianças e adolescentes: Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o DIREITO À VIDA, à saúde, à alimentaçao, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de TODA FORMA de negligência, DISCRIMINAÇÃO, exploração, VIOLÊNCIA, CRUELDADE e opressão. Sabemos também que em 1990 entrou em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que tem como um dos seus princípios a PRIORIDADE ABSOLUTA dos direitos das crianças e adolescentes. Parece brincadeira, pois, na prática, no dia a dia das comunidades pobres, a polícia MATA, E MATA MENORES! NÃO EXISTE NENHUM PROCESSO LEGAL, EXISTE EXECUÇÃO SUMÁRIA – em seguida alegam troca de tiros, AUTO DE RESISTÊNCIA, sem a menor apresentação de provas. Na prática, ser um jovem pobre, negro é mais que suficiente para ser suspeito, para ser culpado, para ser morto!
E agora, quem são os infratores, quem são os fora da lei?
Estamos profundamente revoltados e revoltadas por perdermos mais um irmão preto. Não é a primeira vez no ano que sentimos a dor de viver nessa guerra histórica e cruel que é a criminalização das drogas e da pobreza. É mais que nunca hora de nos juntarmos, ficarmos próximos, produzir muito hip hop. O RAP nasceu pra não deixar ninguem esquecer que a guerra existe, e que devemos sempre lutar! Desistir não é uma opção, tamo fechados e fechadas, é pela favela, é pela vida das nossas crianças e jovens!
Kelvin, presente! Matheuzinho, presente!
ARTE NA GUERRA!
Assinam: Coletivo NEGA Sarau Mulheragens do Desterro Slam continente Slam Cruz e Souza Slam da Ilha Batalha da Central Batalha do Santinho Batalha do Norte Batalha da Costeira Batalha da Alfandega Batalha das Mina