Maria Alice de Carvalho – Redação UàE – 04/05/2018
Na madrugada do dia 1º de maio, terça-feira, o edifício Wilton Paes de Almeida, localizado no Largo do Paissandu (centro de São Paulo), desabou após incêndio que iniciou com um curto-circuito no 5º andar. O edifício era ocupado pelo Movimento Social de Luta por Moradia (MSLM), antigo Luta por Moradia Digna (LMD).
O prédio que desabou, de propriedade da União, havia sido cedido à prefeitura de São Paulo no ano passado para abrigar a Secretaria de Cultura e Educação, porém, como é uma construção abandonada já há tempos, vinha sendo ocupada por sem-tetos desde o ano de 2012. Os 24 andares do edifício abrigavam, até o desabamento, 455 pessoas, de 171 famílias.
O fogo iniciou, por volta da 1h30, com o curto-circuito de uma tomada que ligava três aparelhos em um cômodo onde vivia uma família de quatro pessoas – a mãe e o bebê conseguiram escapar, enquanto o pai e a filha de três anos estão no hospital com queimaduras graves. O fogo rapidamente se alastrou pela estrutura já antiga do edifício e a alta temperatura, estima-se que ultrapassou 1.000C, deformou os pilares que sustentavam a edificação, levando esta ao desabamento às 2h50.
Apesar de o desabamento ter sido gerado pelo incêndio, as precárias condições do edifício e riscos que este e as pessoas que o habitavam corriam já haviam sido denunciadas por vizinhos e, inclusive, um inquérito civil foi instaurado pelo Ministério Público em agosto de 2015 para avaliar a segurança do edifício. Na época, o Corpo de Bombeiros realizou vistoria no espaço e afirmou que as instalações elétricas não atendiam às normas técnicas, que não havia equipamentos de prevenção e combate a incêndio, corredores e rotas de fuga se encontravam obstruídas por lixos, além de andares que estavam repletos de materiais inflamáveis, como madeiras, utilizados para divisão de espaço.
Mesmo com as denúncias de vizinhos sobre a precariedade da construção e após o documento de vistoria realizado pelo Corpo de Bombeiros, órgãos de fiscalização, em especial a Defesa Civil de São Paulo e a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, concluíram que o edifício não corria riscos que justificassem a interdição do local. Diante disso, em março desse ano, o Ministério Público optou por arquivar o inquérito referente à investigação sobre o prédio.
Na tarde de terça-feira, após o desastre, o Ministério Público, o qual havia também recomendado à Superintendência do Patrimônio da União a reforma do prédio em novembro de 2017, se manifestou dizendo que reabrirá o inquérito arquivado e que os promotores irão apurar as causas do desabamento e, ainda, a veracidade dos relatórios técnicos que em 2015 isentaram o edifício de ser interditado.
O Prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), o qual visitou o local, anunciou que sua gestão está analisando quais são esses relatórios técnicos citados pelo Ministério Público e que a prefeitura, diferente de se ausentar da responsabilidade pelas condições do edifício, se reuniu seis vezes com os moradores este ano para “negociar” a evacuação do local. O prefeito anunciou, também, que diante deste ocorrido será realizado o mapeamento de risco em 70 prédios atualmente ocupados na cidade de São Paulo, no período de 45 dias.
Além de Bruno Covas, também visitaram o local o governador Márcio França (PSB) e o presidente Michel Temer (PMDB), tendo sido este último recebido pelos moradores com arremesso de pedras e chutes no carro em que se encontrava.
O ex-prefeito João Doria (PSDB), apesar de não ter visitado o local do desabamento, não nos preveniu de seu pronunciamento e, na tentativa de criminalizar as pessoas que ocupavam o edifício, disse que a ocupação foi financiada por uma facção criminosa e que há, inclusive, um centro de distribuição de drogas no local, informações que foram negadas pelo Secretário Municipal de Habitação, Fernando Chucre.
Com o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, outras cinco construções vizinhas a este foram interditadas.
Oficialmente, quatro pessoas se encontram desaparecidas, sendo elas: Ricardo, militante do MSLM que estava prestes a ser socorrido pelos bombeiros quando caiu em meio aos escombros; Selma Almeida da Silva, 38 anos, e seus filhos gêmeos de 9 anos, Wendel e Werner. O primeiro corpo foi encontrado no dia de hoje (04/05), porém ainda não foi identificado.
Apesar de essas quatro pessoas serem as oficialmente consideradas como desaparecidas, a prefeitura possui uma lista com 49 nomes de pessoas que residiam no local e que ainda possuem paradeiro incerto, portanto, é possível que ainda haja outras pessoas desaparecidas entre os escombros.
Das pessoas que se encontram agora desabrigadas, parte está acampada no Largo do Paissandu e outra parte se locomoveu para outras ocupações ou abrigos da prefeitura. O número exato de desabrigados ainda não nos é de conhecimento, porém cerca de cem pessoas que se apresentaram em centros municipais de acolhimento até o dia de ontem (03/05) declararam ser ex-moradores do edifício desabado, e 56 famílias que faziam parte da ocupação terão o pedido de auxílio-aluguel (R$ 400 por 12 meses, desvinculado à entrega de um imóvel posteriormente) realizado junto ao governo do estado.
O Corpo de Bombeiros continua nos trabalhos de resgate e, nesta quinta-feira (03/05), passou a utilizar, para além de esguichos de água, remoção manual de escombros e cães farejadores, escavadeiras para retirar os grandes blocos de concreto. Eles alegam ter mudado a estratégia de resgate pois não houve nenhum sinal de vida até agora e a chance de encontrar sobreviventes após 48h é muito pequena; além de a equipe ter confirmado que não há bolsões vitais no subsolo do edifício que permitiriam às vítimas respirar. Não há previsão de até quando durará o resgate.
As informações sobre o desabamento do edifício e sobre as pessoas envolvidas no desastre ainda são restritas, porém o ocorrido com o imóvel de posse da União e que atualmente se encontrava cedido à Prefeitura de São Paulo gera dúvidas entre a população: teria sido o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida um mero acidente ou o resultado de um descaso da prefeitura de São Paulo e total abandono, por parte desta, de uma construção histórica ocupada por sem-tetos?