[Notícia] Estudantes indígenas se manifestam com preocupação sobre a situação da UFSC frente o COVID-19

José Braga – Redação UàE – 26/06/2020

 

Os estudantes indígenas expressaram em carta suas preocupações frente as propostas de retomada a distância, bem como com sua situação de permanência na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) frente a pandemia. A sessão do órgão máximo de deliberação da universidade está debatendo a retomada via atividades à distância. A carta foi lida por Sérgio, conselheiro técnico administrativo em educação, mas foi interrompida devido ao tempo. Na carta relatam das dificuldades com o ensino à distância tendo em vista o isolamento social nas aldeias, bem como as precárias situações de permanência na universidade. Confira a carta na íntegra:

Nota COVID-19

Nós estudantes indígenas das etnias (Guarani, Kaingang, Xokleng, Parintintin, Xacriabá, Krenak, Yawalapiti, Baré) da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, regularmente matriculados no semestre 2020.1. Viemos respeitosamente, por meio deste apresentar ao Conselho Universitário da UFSC – instância máxima de deliberação desta Universidade, nossa preocupação mediantes medidas que poderão ser tomadas por esse Conselho devido a situação caótica que estamos vivendo neste momento de pandemia do COVID-19. Estamos preocupado com o nosso futuro na UFSC. Pensamos que as medidas a serem tomadas por esse conselho deverão ser pensadas e levadas em consideração, as condições de vulnerabilidade de grupos que só recentemente, pela primeira vez na história brasileira, tiveram acesso ao ensino superior, que é o nosso caso, fazemos parte de um desses grupos, somos indígenas, e agora estudantes universitários indígenas e enquanto grupo ao longa da história deste país, sempre estivemos à revelia das decisões do Estado brasileiro quanto a nossa própria existência. Graças ao processo de redemocratização do Estado conseguimos garantir 2 artigos na constituição de 88, graças a essa conquista se tornou possível hoje nosso acesso às universidades. Porém, esse conselho deve lembrar que nosso acesso às universidades públicas deste país é muito recente e deve ser visto pela perspectiva da democracia brasileira que visa o compromisso de sanar as desigualdades sociais. Vale ainda ressaltar, que nós somos a primeira geração de estudantes universitários a acessar o ensino público superior fazendo parte de uma política de Estado e as dificuldades e desafios que temos enfrentados são muitos, e uma das dificuldades vividas por nós aqui na UFSC é a falta de proximidade e também a falta de conhecimento que a comunidade universitária tem em relação a nós povos indígenas. Por isso a importância e a necessidade de estarmos aqui escrevendo esse documento para minimamente mostrar para os senhores e senhoras os problemas que estão ligados diretamente a nossa permanência na UFSC. Nossa perspectiva é muito pessimista quando pensamos, se esses problemas não forem minimamente resolvidos agora no presente, seremos inexistente aqui na UFSC em um futuro muito próximo. É com esse olhar que pedimos humildemente que este conselho olhem para nós quanto a tomadas de decisões ao nosso respeito. O nosso grande dilema que vivemos, enquanto um grupo que teve seu acesso ao ensino superior por ação afirmativas é a nossa permanência. Os problemas de permanência que nós enfrentamos é um leque de questões que vai desde das condições mínimas e dignas de um ser humano sobreviver, como moradia, alimentação, saúde, as questões do choque cultural, falta de domínio tecnológicos, diferença pedagógica de aprendizagem, como por exemplo, nossos conhecimento sobre nossas comunidades, de como se organizam, de como aprendemos, de como são passado o conhecimento, de como vemos e explicamos mundo, por milênios é passado para nós por oralidade. Já aqui tudo que aprendemos através da oralidade em nossas comunidades são passado através da escrita. A escrita para nós sem dúvida é um grande desafio, porém entendemos que necessário para continuar nossa existência. Nós elaboramos nossas preocupações por tópicos que seguem abaixo. Nós esperamos que esse conselho ouça nossa voz que tentamos minimamente expressar neste papel.

Ensino a distância;
As consequências do ensino a distância será vista mais para frente, as nossas dificuldades já são grandes na universidade, com essa pandemia essas dificuldades se tornaram ainda maiores, se antes da pandemia os estudantes já tinha notas ruins e por isso acabavam perdendo suas bolsas, com o ensino a distância a chance de perdê-las irão aumentar ainda mais, porque precisamos atingir o índice acadêmico, estabelecido pela UFSC, para continuar recebendo essas bolsas. E perguntamos, como será feita as nossas avaliações? Como será feito o calculo do nosso índice acadêmico? como serão avaliados o desempenho acadêmico dos calouros? O conselho deve pensar uma alternativa preventiva levando todas as nossas colocações em consideração que nos dê condições dignas para desenvolver um bom aprendizado acadêmico, do contrário, seremos mais uma vez banido de um processo que ao nosso ver embora muito sofredor e frustrante, mas também bonito quando falamos em democracia.

O resultado da pesquisa;
(A UFSC quer ouvir você), informou que 103 estudantes indígenas responderam ao questionário totalizando 100% dos estudantes matriculados. Porém temos o conhecimento de 10 pessoas que não responderam. Ficamos preocupados com esse resultado ser interpretado de que não temos dificuldades em acessar a internet e ao uso de recursos tecnológicos. A nossas dificuldades são muitas em relação a esse quesito. Não saberemos se teremos condições de ter aulas ou alguma atividade acadêmica a distância, tendo em vista que grande parte dos estudantes estão em isolamento social em suas aldeias, e muitas delas não pega nem sinal de telefonia. Que o caso da realidade do povo Xokleng por exemplo, que são a maioria dos estudantes indígenas da UFSC. A terra indígenas – TI, deles está dividida em 9 aldeias ao longo 40 quilômetros e tem apenas duas Escolas que ficam nos dois extremos da TI, são nas escolas que os estudantes e a comunidade têm acesso ao sinal de internet e também ao sinal de telefonia, para além disso, são poucos os de nós que temos computadores, o acesso da maioria dos estudantes indígenas se dá pelo celular, o que torna impossível desenvolver um trabalho acadêmico por esse recurso. A realidade das outras comunidades indígenas não são diferentes das dos Xokleng.

Calouros;
Informamos que até o momento os estudantes indígenas ingressantes do primeiro semestre de 2020 não foram contemplados com o PBP – Programa de Bolsa Permanência, que é concedido pelo Ministério da Educação com intuito de contribuir para a permanência dos estudantes indígenas e quilombola nas Universidades. Esses estudantes se encontram em situação financeira desfavorável. Por isso pedimos que Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis – PRAE da UFSC, prorrogue o auxílio emergencial, concedido em 3 parcelas aos calouros indígenas e quilombolas no início deste ano 2020.1, e que conceda também aos que vão integrar em 2020.2, enquanto aguardam a liberação do PBP/MEC. A prorrogação do auxílio emergencial/UFSC se faz necessário para a permanência desses estudantes enquanto as aulas acontecerem a distância, para auxiliar nas despesas necessárias tendo em vista que não há condição de trabalho fixo dentro das aldeias, além disso como já citado anteriormente nas comunidades os mesmos não possuem matérias didáticos necessário, aparelhos eletrônicos, notebook, tablets e acesso a operadoras, e internet é de difícil acesso. É importante também frisar que os calouros têm dificuldades em manusear os equipamento que nunca tivera antes, muitos não tem domínio sobre os recursos tecnológicos oferecidos pela UFSC que é caso do Moodle que é onde são colocados os trabalhos e tarefas oline para serem desenvolvidas pelos estudantes, esse recurso é usados por muitos professores e muito de nós, mesmos os que já estão há tempos, temos dificuldades.

Empréstimos de equipamentos;
Em relação a proposta dos Subcomitês para a retomada das aulas na UFSC, é nítido o trabalho que os Subcomitês tem feito para encontrar soluções para esse momento de pandemia e levamos em consideração e respeitamos o esforço de todas as equipes. De antemão queremos expressar nossos agradecimentos a Janaina da Pró-Reitoria de Graduação – PROGRAD, ao Pedro Pró-Reitor de Assuntos Estudantis – PRAE e a Elisani Assistente Social da Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidade – SAAD, que tem se colocado a nós ouvir nesse cenário de pandemia do covid-19. Entretanto deixamos aqui a pergunta para se pensar juntos e buscarmos uma solução. Com irão funcionar os empréstimos de equipamentos para os estudantes que se encontram em isolamento social nas aldeias?

Moradia
Esse é outro assunto que implica diretamente na nossa permanência. Hoje temos um alojamento provisório na antiga ala do Restaurante Universitário, que apelidamos de Maloca-UFSC. A maloca atualmente atende mais 40 estudantes indígenas,sem a maloca nenhum desses mais de 40 estariam hoje na UFSC. Entretanto a maloca está no seu limite e todos nós sabemos e de conhecimento da instituição a precariedade do espaço, considerado pelo próprio Reitor Ulbaldo Balthazar como insalubre. Não temos janelas nos quartos, não tem circulação de ar, não temos uma pia, lavamos louça no tanque de lavar os panos de chão que os servidores usam para a limpeza. Não temos bebedouro, não temos filtro de água, que tínhamos adquirido no patrimônio da UFSC estragou. São apenas 2 chuveiros e um vaso sanitário para os homens e ainda tem que dividirem com os funcionários da empresa de limpeza o mesmo acontece com os banheiros das mulheres. Não temos manutenção e nem favorecimento de produtos de limpeza e papel higiênicos para os banheiros, porque nem a UFSC e nem a empresa faz uso dos banheiros se responsabilizam. A limpeza tanto do banheiro e como do pátio que é dividido pelo terceirizados somos que fazemos com recursos próprios muitas vezes de doações. Nós queremos saber quando que vai sair a reforma do alojamento que foi licitado no começo deste ano?

Isolamento social dos estudantes indígenas que estão na maloca – UFSC;
Foram 9 estudantes indígenas e 4 crianças que não conseguiram voltar para suas aldeias e se encontram em isolamento social na maloca. A dificuldades são muitas para se manterem em segurança, embora estejam recebendo o auxílio emergencial da PRAE de R$200,00. Precisam de atenção à saúde principalmente mental, de alimentos, de produtos de limpeza de acool de mantimos que vai para além de cestas básicas que receberam vindo de várias iniciativas para além da universidade. Inclusive os estudantes isolados na maloca – UFSC lançou um campanha com essas demandas que é que tem ajudado a mantê-los no espaço. Para além disso para a segurança deles, por iniciativa própria, isolaram as entradas que davam acesso a maloca, a fim de evitar que os terceirizados circulassem no pátio e nos banheiros. Essa medida foi tomada pelos próprios estudantes por medida de segurança para evitar a contaminação pelo covid-19.

Essas foram nossas colocações apesar que temos muito mais. Esperamos não termos ofendido esse conselho com nossas palavras, lembrando que é primeira vez que é lido um documento
elaborado por nós próprios estudantes indígenas nesta instância. Desde já agradecemos e comprimentamos todos os conselheiros desta casa.

Florianópolis-SC, 26 de junho de 2020.

Assinado pelos Estudantes Indígenas da UFSC e representantes da maloca – UFSC.

Maria Lauri Prestes da Fonseca;  Cristhian Roberto Priprá; Solange Brisola; Tschucambang Ndili

 

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