Apresentação do Programa Future-se. Fotos: Luis Fortes/MEC
Maria Alice de Carvalho – Redação UàE – 04/11/2019
Publicado originalmente em Universidade à Esquerda
Após o período de consulta pública às comunidades universitárias do país com relação ao Programa Future-se, encerrada no dia 29 de agosto, o Ministério da Educação (MEC) instituiu no dia 30 de setembro um grupo de trabalho (GT) composto por cinco juristas com a função de elaborar um Projeto de Lei, considerando o resultado da consulta realizada, para ser enviado ao Congresso ainda este ano.
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O Future-se, após ser apresentado pelo MEC em julho, teve rejeição de mais de 30 Universidades Federais através de Conselhos Universitários e Assembleias da Comunidade Universitária. Após grande rejeição e críticas apresentadas através da consulta pública, o MEC lança agora uma versão alterada do programa que incentiva a captação de recursos privados pelas universidades e institutos federais e a aproximação dessas instituições aos interesses da atividade econômica.
Essa nova minuta elaborada pelo grupo jurídico foi apresentada em outubro, porém, antes de ser enviada ao congresso, a proposta passará por nova consulta pública, como resultado de uma exigência do Ministério Público Federal (MPF) na justiça, alegando que a pasta não atendeu às exigências legais necessárias para o procedimento, por não ter incluído, dentre outras questões, estudos materiais técnicos para fundamentar o projeto.
Ainda assim, de acordo com o ministro Abraham Weintraub em coletiva de imprensa no dia 18 de outubro, o objetivo é que a nova proposta de minuta do Future-se seja enviada para análise dos parlamentares ainda no início do mês de novembro.
Dentre as principais alterações realizadas na nova versão do projeto do Future-se, sobre as quais devemos nos debruçar, estão:
1 – Gestão por Organizações Sociais (OSs) e Fundações de Apoio
Na proposta anterior estava colocada a assinatura de um contrato de gestão entre uma OS e a universidade para exercer funções de gerência, elaboração de planos de ensino, pesquisa e extensão, gestão patrimonial, entre outras. Na nova proposta, além das OSs já reconhecidas pelo MEC e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, podem também realizar contratos e convênios com as universidades as chamadas Fundações de Apoio, que já se encontram dentro das universidades, para desenvolver projetos científicos e tecnológicos.
Uma outra alteração com relação à gestão por OSs, é de que na proposta inicial seria estabelecido um plano de ação, diretrizes de governança e de gestão da política pessoal; agora, será estabelecido um contrato de desempenho, os quais irão prever metas avaliadas por lista de indicadores de desempenho elaboradas pelo próprio MEC em reunião com as instituições federais.
2- Redução de despesa com pessoal
No texto anterior, era exigido que as instituições assim que instaurado o Future-se deveriam reduzir a despesa com pessoal e que aquelas que alcançassem os indicadores de desempenho poderiam ter direito a bônus para os servidores públicos. Esses itens foram retirados. Porém, é importante pontuar que está também para entrar em tramitação a reforma administrativa, a qual influi diretamente na estabilidade e salário dos servidores públicos.
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3- Comitê Gestor
Um outro ponto excluído na nova versão do Future-se é a implementação de um Comitê Gestor que interferiria, dentre outras questões, até mesmo na escolha dos cargos de reitores das instituições.
4- Cobrança de atendimento nos Hospitais Universitários (HUs)
Foi retirada a cobrança de atendimento médico de pacientes com plano privado de saúde nos HUs, que antes era proposto como uma forma de as universidades obterem fontes adicionais de financiamento. Muitos HUs no país já possuem gestão pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH).
5- Os 3 eixos do programa
Foi realizada alteração no nome dos 3 eixos sobre os quais o programa se organiza. Antes chamados “governança, gestão e empreendedorismo; pesquisa e inovação e internacionalização”, agora são “pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação; empreendedorismo e internacionalização”. Foram retiradas as palavras governança e gestão, pontos que geraram grande discordância com as reitorias das universidades.
6- Fundo Patrimonial
A nova versão detalha mais esse ponto antes já presente na minuta. O “Fundo Patrimonial do Future-se” será constituído por um conjunto de ativos gerido por uma instituição privada sem fins lucrativos com o objetivo de gerar recursos a longo prazo. Enquanto o “Fundo Soberano do Conhecimento”, que ficará como responsabilidade de uma instituição financeira, será formado por diversos ativos financeiros, incluindo imobiliários, com objetivo de gerar receitas.
7- Alteração de leis exigidas pelo Future-se
A antiga versão do Future-se, para ser implantada, exigia a alteração de 17 leis; a atual exige 15. Quatro da relação das leis que exigiam alteração foram retiradas pelo MEC e outras duas foram incluídas. As leis 12.772/2012, que estrutura o Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal, e 11.196/2005, que define regras sobre regime especial de tributação, foram retiradas. Enquanto agora é incluída a lei 11.091/2005 como alvo de alteração, a qual diz sobre o Plano de Carreira dos Servidores Técnico-Administrativos das instituições federais; e a lei 13.800/2019, para tornar possível a doação de recursos públicos a fundos patrimoniais.
8- Autonomia Universitária
Na nova proposta de minuta, um dos princípios colocados logo no início passa a ser a “obediência à autonomia universitária”.
O respeito à autonomia universitária foi um dos principais pontos de divergência que levou à ampla rejeição do Future-se e, inclusive, grandes mobilizações estudantis como ocorreu na Greve na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). As alterações realizadas na nova proposta de minuta tentaram, através da modificação de pontos sensíveis, atenuar as cláusulas apresentadas como as que ferem a autonomia universitária, prevista na constituição.
As mudanças no projeto são parte da resposta do governo às negociações e disputas entre diferentes setores, desde sindicato patronal da educação superior até União Nacional dos Estudantes (UNE) e reitorias (estas através da ANDIFES). A nova proposta harmoniza alguns dos conflitos entre aqueles interessados no avanço da submissão da universidade brasileira ao interesse privado dos capitais. Por isso, não trata-se de um projeto novo propriamente, mas de meras adequações no projeto que segue pautando a vinculação da produção de conhecimento brasileiro ao setor privado.
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