Foto: Movimento “Contra a Normalização do Ensino a distância Educação Remota na UFRJ”
Maria Alice de Carvalho – Redação UàE – 22/05/2020
Publicado originalmente em Universidade à Esquerda.
No período de distanciamento social, como medida de prevenção à disseminação do coronavírus, tem sido apresentado pelo Ministério da Educação (MEC) a substituição das antes atividades presenciais, como pesquisa e ensino, pelo ensino remoto. A proposta é apresentada como uma solução para as Universidades Públicas, partindo da lógica de que mesmo na atual situação, a emissão de certificados não deve parar, como se fosse o compromisso da Universidade atuar como uma esteira de certificação, quando na verdade seu compromisso deve ser outro.
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Nesse sentido, e num contexto de luta contra a precarização da educação que já há anos viemos presenciando, foi criado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) o Movimento “Contra a Normalização do Ensino a Distância e Educação Remota na UFRJ”, que se encontra atuando em forma de campanha, a qual debaterá as implicações do projeto de Educação a Distância (EaD) nas Universidades Públicas e os diferentes motivos pelos quais deve-se ser contra o Ensino Remoto que, afirma o movimento, afeta negativamente toda a sociedade.
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“O MEC aproveita-se da crise sanitária que enfrentamos para empurrar agenda neoliberal já em curso, que requer o colapso da educação pública para o avanço do projeto de precarização e privatização do ensino superior, à serviço de interesses de grandes corporações e organizações empresariais que disputam pela monopolização dos meios tecnológicos da educação remota”, afirma o movimento, que lançou uma carta de campanha na tarde de hoje. Confira a carta na íntegra:
CARTA DA CAMPANHA CONTRA A NORMALIZAÇÃO DO ENSINO À DISTÂNCIA E EDUCAÇÃO REMOTA NA UFRJ – #EADNÃO!! #EDUCAÇÃOREMOTANÃO!!
Diante da alarmante expansão da pandemia da Covid-19 no Brasil – que em meados do mês de maio é o 3o país com maior número de mortes no mundo – o governo federal adota medidas que vão na contramão da garantia de vida digna, saúde e segurança da população: enquanto estimula a quebra do necessário isolamento social, negando o direito à quarentena e obrigando trabalhadoras(es) a se expor cotidianamente ao vírus, constrange as instituições da educação pública a aderirem ao nefasto modelo de ensino à distância (EaD) ou ao ainda mais excludente e precário modelo de Educação Remota, que, feito na base do improviso, sequer conta com o preparo profissional e formação curricular do EaD. No caso das universidades públicas, ainda que o modelo de EaD já exista parcialmente em alguns casos, o que quer-se implementar de forma apressada e sem preparo é a Educação Remota, forçando professores e estudantes a se adaptarem, em meio a uma pandemia, sem as mínimas condições necessárias para tal. Não há dúvidas dos objetivos por trás da pressão política para a implementação desse modelo, colocado para pavimentar uma expansão irrestrita e permanente do próprio EaD nas universidades públicas: a continuidade a contrarreforma do ensino superior e o aprofundamento da precarização das condições de ensino, de estudo e de trabalho nas redes de educação públicas. Por trás da proposta de Educação Remota e seu possível desdobramento em EaD, existe um modelo privatista nos moldes das Parcerias Público Privadas (PPPs), em que as empresas não estão nem um pouco preocupadas em promover a qualidade no ensino, mas sim ganhar pela quantidade de alunos que passam por suas plataformas. O projeto do ministério da educação de reservar o acesso das universidades públicas à uma “elite intelectual” é impulsionado pela implementação de um modelo que exige acesso a diversos recursos tecnológicos, que tem como efeito evidente a exclusão de parte significativa de estudantes que não têm tal acesso à equipamentos e à internet adequadas. De acordo com Observatório Social da COVID-19, 20% dos domicílios no Brasil, não possuem nenhum tipo de acesso a internet e mais de 40% das residências não possuem computador. Em uma sociedade extremamente desigual, a educação presencial diminui os privilégios com acesso igual a conteúdo, debates, dúvidas e outras dimensões concretas que os modelos de ensino remoto e à distância não contemplam. Enquanto trabalhadores(as) da ciência e estudantes de graduação e pós-graduação, vivemos na pele o colapso da educação pública superior, com a imposição de cortes progressivos no orçamento das universidade e de bolsas de pesquisa pelos diferentes governos nos últimos anos. Hoje a UFRJ acumula um déficit de mais de 170 milhões, ao passo em que mais de 12 mil bolsas de pós-graduação foram cortadas apenas esse ano em todo o país. A imposição da agenda neoliberal nas universidades públicas visa a apropriação do cada vez mais escasso investimento público e o controle da atuação de professores, da formação dos estudantes de graduação e das pesquisas da pós-graduação direcionando-as para fins de interesse privado, em detrimento das demandas da universidade – na sua totalidade e diversidade – e da dura realidade social do país. O projeto privatista em curso pretende esvaziar a universidade, impedindo o acesso com qualidade de permanência de pesquisadores e estudantes, a contratação com dignidade de professores e trabalhadores (suspensão de concursos público) e impondo a terceirização de seus serviços essenciais – limpeza, segurança e alimentação – em condições extremamente precárias de trabalho. Também pretende a esvaziar a universidade da produção de conhecimento autônomo e crítico, projeto que culmina no constrangimento à implementação do ensino remoto como solução para que se continue o produtivismo desumano durante o período de quarentena, notável com a publicação do Ministério da Educação (MEC) da PORTARIA No 343, DE 17 DE MARÇO DE 2020, que dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia da COVID-19. O desmonte já em curso torna-se agora ainda mais transparente na forma de falta de apoio à produção científica voltada para a solução da questão sanitária, que não se limita somente às áreas de conhecimento que lidam diretamente com a cura da doença causada pelo vírus, mas a todas as áreas, tendo em vista que saúde não se trata só de cura de doenças, mas também de acesso a condições dignas de moradia e de vida, como o acesso a saneamento básico, água potável, alimentação, e que isso não está garantido nem mesmo a muitos trabalhadores da ciência que estão nas universidades. Pretende-se transformar a universidade em um laboratório para interesses privatistas e a educação uma mercadoria que sirva para movimentar um negócio extremamente lucrativo para grandes corporações e organização empresariais, que terão enorme alavancagem com a monopolização dos meios tecnológicos da educação remota. Aos trabalhadores da universidade (estudante também é trabalhador!) é relegada toda responsabilidade de aquisição e manutenção dos seus instrumentos de trabalho, diante de uma realidade socioeconômica que não garante sua permanência na universidade. Uma quantidade enorme de alunos lotam as bibliotecas dos quatro campi da UFRJ para usarem a internet e os computadores das bibliotecas. Nestas são realizadas pesquisas, redação de trabalhos e acesso a e-mails, sobretudo porque não possuem aparelhos e rede em seus domicílios. É fundamental que, para além de instalações físicas, a universidade proporcione o acesso à tecnologia e a sistemas de informação com transparência acerca da reprodução dos conteúdos produzidos bem como da privacidade de dados. Isso tem implicações concretas no desvio do caráter público da universidade, que se aprofundará com a implementação do ensino remoto e seus possíveis desdobramentos em EaD diante das atuais circunstâncias. Tais medidas que visam a introduzir a educação remota, enfraquecem e fragilizam relações trabalhistas dos profissionais da educação e pesquisa, com o interesse exclusivo na formação de capital humano para o trabalho simples e na expropriação do conhecimento dos professores. É também muito importante salientar a inviabilidade da realização de muitas pesquisas de forma remota, que serão excluídas pela normalização do ensino remoto. Tanto graduandos, quanto pós-graduandos e professores realizam estudos que demandam idas à arquivos, bibliotecas, centros de documentação, museus, além da realização de entrevistas, experimentos, trabalho de campo entre outros. Não é mais um tabu que a saúde mental dos estudantes e pesquisadores está comprometida e casos de suicídio se tornam comuns. A normalização do ensino à distância ou da educação remota como solução para o isolamento social exigido pela pandemia da Covid-19, implica na desumanização de estudantes e trabalhadores, ignorando suas condições de saúde física e mental que, além do sofrimento diante da fragilização dos vínculos empregatícios e do colapso da educação e da saúde públicas, ainda se sobrepõe o aumento da demanda de trabalho doméstico – que historicamente recai desproporcionalmente sobre as mulheres – e da necessidade de cuidados com familiares doentes, situação agravada pelo colapso no sistema de saúde. No Brasil, onde as mulheres são maioria na pós-graduação, discutir gênero se faz necessário, uma vez que grande parte dessas mulheres já possuem dupla, por vezes tripla ou múltiplas jornadas de trabalho e que esse quadro se intensifica durante o isolamento social devido à permanência em tempo integral em casa, à qual ainda se sobrepõe o grave aumento dos casos de violência doméstica. Diante de uma pandemia que apresenta alta letalidade na população, a universidade não deve prestar obediência a mais uma medida nociva e excludente imposta pelo projeto de desmonte e de precarização da educação pública. A universidade, no exercício de sua autonomia, deve estar preocupada com a saúde física e mental de seu corpo social e com a organização do conhecimento e da ciência produzidas na instituição para o atendimento das demandas concretas da população diante da pandemia. A universidade deve nesse momento voltar seus esforços para a contribuição com a construção de uma vida digna, e não se submeter aos absurdos da lógica produtivista a qualquer custo. Chamamos a participação de toda a comunidade universitária da UFRJ para contribuir com a campanha contra a normalização do ensino a distância e educação remota nas universidades públicas! #EaDNÃO !!! #EducaçãoRemotaNÃO !!! Para assinar a carta e contribuir com a Campanha contra a normalização do ensino à distância e educação remota na UFRJ envie um e-mail para eadnao.campanha@gmail.com ou entre em contato pela página do Facebook ou Instagram @nao.ead.educacao.remota.ufrj O Núcleo de pós-graduandos(as) do Fundão é uma forma de organização política autônoma de trabalhadores(as) da ciência, de variados programas do campus do Fundão da UFRJ, que atua pela base buscando a articulação política pela proximidade territorial do campus em defesa de um projeto de universidade pública e popular. |