Flora Gomes – Publicado Originalmente no Universidade à Esquerda– 03/12/2019
Na madrugada do último domingo (1), a Polícia Militar (PM) invadiu um evento de funk que estava ocorrendo em Paraisópolis, bairro pobre da zona sul da cidade de São Paulo, recorrendo a meios extremamente violentos para dar fim à atividade cultural. Ao todo, foram nove jovens assassinados e diversos feridos fisicamente pelos policiais, além dos moradores que testemunharam a traumática violência da polícia, também vítimas dessa ação do Estado. Centenas de moradores do bairro realizaram um protesto contra a ação da polícia no dia de domingo.
Diversos vídeos que circularam pela internet demonstram os policiais militares invadindo a atividade e encurralando jovens em vielas próximas ao local para espancá-los e executá-los. Um dos vídeos exibe o nível absurdo da agressividade dos policiais, que utilizaram de armas de fogo para dispersar os participantes do evento.
Segundo moradores entrevistados pelo jornal Ponte, após a morte do sargento Ronald Ruas Silva ocorrida em 1º de novembro deste ano durante troca de tiros nas imediações de Paraisópolis, os policiais militares passaram ameaçar diariamente os moradores do local. Após essa morte, o coronel Marcelo Vieira Salles postou em suas redes sociais que a comunidade seria alvo de uma “Operação Saturação”, ações que contam com a presença massiva de policiais militares. Segundo os moradores, os policiais passaram a afirmar cotidianamente que iriam “tocar o terror em Paraisópolis” e haviam recebido áudios via Whatsapp afirmando que os PMs iriam realizar trágica operação de vingança no bairro.
Segundo informaram moradores ao jornal Via Mundo, a versão inicialmente divulgada pela mídia de que as vítimas teriam sido mortas pisoteadas ou por asfixia não condiz com a realidade. Os entrevistados afirmaram que a maioria dos jovens mortos não eram residentes de Paraisópolis e por isso teriam corrido para uma viela sem saída durante a dispersão, o que fez com que ficassem encurralados para serem executados pela PM. Testemunha afirma que os PMs espancaram os participantes do evento, “mataram na porrada e com spray de pimenta e bombas de gás. Não foram pisoteados”.
Marcos Paulo de Oliveira dos Santos, de 16 anos, foi a primeira vítima a ser reconhecida. Ele era estudante e morador da zona norte da capital paulista. Gustavo Cruz Xavier, de apenas 14 anos, foi o mais jovem executado durante esta ação da PM. Era morador de Capão Redondo e, segundo o padrinho, havia sido aconselhado pela família a não comparecer ao evento devido a questões de segurança. Bruno Gabriel dos Santos foi assassinado durante a comemoração de seu 22º aniversário no baile de Paraisópolis. Denys Henrique Quirino da Silva, de 16 anos, trabalhava, estudava e morava com a família na zona oeste da capital. Seus familiares contestam o atestado de óbito de que o jovem teria morrido pisoteado, já que suas roupas não tinham marcas de sapato. Dennys Guilherme dos Santos Franca, também de 16 anos, era da zona leste da capital, foi aluno da Escola Estadual José Talarico e fazia administração da Universidade Paulista (Unip). Luara Victoria de Oliveira foi a única vítima do sexo feminino da chacina de Paraisópolis. Com apenas 18 anos, ela morava na casa de uma amiga pois seus pais haviam morrido recentemente. Gabriel Rogério de Moraes, de 20 anos, morava em Mogi das Cruzes, cidade próxima da capital. Eduardo da Silva, tinha 21 anos e morava com os pais, irmã e seu filho em Carapicuíba, Trabalhava em uma oficina de carros e não possuía antecedentes criminais. Mateus dos Santos, de 23 anos, era natural da Bahía e também morador de Carapicuíba há cinco anos.
Vítimas da ação da PM como esses nove jovens são absurdamente comuns no bairro de Paraisópolis. Segundo moradora que vive no bairro há 38 anos, em 2010 havia um grupo extermínio conhecido como “bonde dos Carecas” ligado à Polícia Militar.
João Dória (PSDB), atual governador de São Paulo, afirmou lamentar o ocorrido mas que as ações da PM irão continuar na região de Paraisópolis. As Operações Pancadão ocorrem desde o início do ano, e, segundo policial militar, teriam como objetivo “garantir o direito de ir e vir do cidadão e impedir a perturbação do sossego”. Objetivamente, essas operações visam impedir a ocorrência de Baile Funk em bairros pobres de São Paulo.
Dória elogiou a atuação da PM, afirmando que teria sido uma ação bem planejada e orientada, e que o estado de São Paulo possuiria o melhor sistema de segurança preventiva do Brasil, apesar de cometer seus erros. Em reportagem da Folha de São Paulo durante o período eleitoral em outubro de 2018, Dória havia afirmado que policiais teriam autorização para matar a partir do dia 1º de janeiro de 2019.
João Campos, atual secretário de Segurança Pública de São Paulo, afirmou que o “tumulto” ocorrido na madrugada de domingo não teria sido causado pela ação da polícia para dar fim ao baile funk, mas sim gerado por ação de bandidos que tentaram fugir pelo local, atirando nos policiais. Moradores do bairro contestam essa afirmação relatando que nenhuma moto havia passado pelo local quando a PM chegou.
É notável que o cruel massacre de Paraisópolis ocorreu enquanto tramita o Projeto de Lei enviado pelo Presidente Jair Bolsonaro ao Congresso, dia 21 de novembro, pautando excludente de ilicitude para ações de Garantias da Lei e da Ordem. Se aprovado, massacres como o ocorrido em Paraisópolis e infelizmente extremamente comuns em bairros pobres brasileiros poderão ser justificados, já que possibilitaria ao aparelho repressivo do Estado fazer uso mais aberto e abusivo da força.
Foto: Protesto realizado no Domingo – Reprodução