[Notícia] Para quem serve a cidade? Confira como foi o último Çirculação!

Evento compõe agenda de debates sobre a questão patrimonial 

Imagem: elaboração de Luiza Bertin em seu Trabalho Final de Graduação apresentado no Çirculação da Balbúrdia 

Flora Gomes Redação UàE – 21/09/2021

O último Circulação da Balbúrdia, ocorrido no dia 15/09, tratou da mercantilização das terras públicas e do direito à moradia. O espaço contou com a participação da Luiza Bertin, arquiteta e urbanista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cujo Trabalho Final de Graduação (TFG) debateu os conflitos urbanos e os atuais projetos especulativos na cidade do Rio. Este evento compõe a agenda de debates organizada pela Escola de Formação Política da Classe Trabalhadora (EFoP) em torno da questão patrimonial. A próxima discussão ocorrerá dia 30/09, às 18:30, em um espaço aberto que contará com a presença de Cláudio Ribeiro e Sara Granemann debatendo patrimônio público, urbanismo e sanha capitalista. 

Confira  Çirculação da Balbúrdia com Luiza Bertin na íntegra

Inicialmente, Luiza apresenta uma questão acerca da elaboração de seu trabalho. Apenas recentemente a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da UFRJ passou a aceitar trabalhos teóricos como TFG. Antes, apenas elaborações projetuais eram permitidas.

A motivação inicial do seu trabalho foi: a quem as terras públicas têm servido? Inicialmente, para pensar o direito à habitação, realizou um levantamento de múltiplos instrumentos legislativos nas quais ele está previsto, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1976) da Organização das Nações Unidas (ONU); o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1976); o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU (1991); a Constituição Federal de 1988, com a Emenda à Constituição n˚ 26 (2000) e o Estatuto da Cidade (Lei Federal n˚ 10257/2001). 

Além destes, foram levantadas legislações específicas do Rio de Janeiro, estado no qual a pesquisadora optou por desenvolver seu trabalho. A constituição Estadual do Rio de Janeiro estabelece que “terras públicas estaduais não utilizadas, subutilizadas e discriminadas serão prioritariamente destinadas a assentamentos de população de baixa renda”. 

Este levantamento dos aspectos jurídicos coloca uma questão sobre a violência presente na estrutura urbana do Rio de Janeiro, que perpassa a divisão dos bairros, o transporte público, o acesso à cultura e lazer. Esta, não seria resolvida apenas pela via da legalidade, já que há diversas normativas que prevêem o direito à habitação.  

Outros instrumentos legais foram apresentados a fim de demonstrar os aspectos contraditórios em relação ao direito à moradia. No Brasil, segundo levantamento realizado pela Campanha Despejo Zero, entre os períodos de março de 2020 a fevereiro de 2021 – ou seja, no meio da pandemia da Covid-19 – quase 10 mil famílias foram despejadas de suas casas. 

A Lei 14011/2020 prevê a facilitação da alienação de imóveis pertencentes à União, que abre a oportunidade para a realização de leilões virtuais e vendas diretas por corretores imobiliários do patrimônio público. 

Em um texto de Helena Lima para o UàE este tema é diretamente tratado:

Já em 2020, no primeiro Meeting Avalia SPU, os representantes da Secretaria se glorificaram como a “maior imobiliária do mundo, dada a diversidade, complexidade, ampliação e completude da nossa carta imobiliária.

De todos os lugares do país, o centro do Rio de Janeiro foi selecionado com prioridade para dar início a alienação acelerada do patrimônio público. Segundo Eduardo Paes (PSD), prefeito da cidade e presente no evento de divulgação, é necessário reviver o centro da cidade, onde se encontram muitos imóveis abandonados em áreas degradadas.”

Confira o texto na íntegra para compreender as minúcias do projeto de aceleramento das vendas e barateamento do valor dos imóveis da união.

Além desta legislação, Luiza traz a Lei 13465/2017, que já trazia a proposta de tornar mais ágeis as vendas dos imóveis da União. Esta lei também alterou o Estatuto da Cidade, alterando a concepção de regularização fundiária urbana. Outra proposta normativa é o Projeto de Emenda Constitucional 80/2019, de autoria do Senador Flávio Bolsonaro e em tramitação no Senado. A proposta é de findar a Função Social da Propriedade, elemento legislativo bastante relevante para as disputas urbanas e agrárias.

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No Rio de Janeiro, a Lei 9227 dispõe sobre a destinação dos imóveis pertencentes ao estado do Rio, permitindo a doação destes a servidores de segurança pública que ganham até sete salários mínimos, sob o argumento de destinação de imóveis públicos para habitação social. 

Na cidade do Rio, a prefeitura foi responsável pela expulsão de mais de 80 mil famílias de territórios centrais para os bairros periféricos da cidade. Atualmente, o prefeito Eduardo Paes (PSD) organiza o Programa Reviver Centro, projeto que aumenta a especulação imobiliária dentro das áreas centrais, principalmente nas zonas já valorizadas, como a sul. Por fim, no âmbito municipal há o Decreto n˚ 48806,  que criminaliza o comércio ambulante na cidade.

Para aprofundar seus estudos sobre direito à moradia e patrimônio público, a pesquisadora realizou um levantamento dos imóveis cadastrados no Sistema de Patrimônio da União (SPU), vinculado ao Ministério da Economia. Este cadastro, contudo, segundo Luiza, apresenta informações errôneas e pouco precisas sobre os imóveis. Devido às inconsistências e restrição das informações, a pesquisadora avançou suas investigações comparando estes com os dados fornecidos pela Administração Pública Federal (APF).

Os  estados de Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco possuem juntos mais de 46% do total de imóveis cadastrados.  Nos dados do SPU, a maioria dos imóveis estão localizados em territórios litorâneos, com exceção do Distrito Federal (situação que é autoexplicativa) e da cidade de Barueri, em São Paulo. Esta situação foi elucidada posteriormente por Luiza. A predominância no litoral justifica-se pelo fato de se tratarem de terrenos da Marinha ou acrescidos de Marinha.

Sobre a situação de Barueri, a pesquisadora elucida que nela localizava-se o maior aldeamento indígena paulista até 1829, momento que a família Penteado expulsou com extrema violência os indígenas que lá moravam. Neste local, construções luxuosas como o Alphaville aumentaram o valor da região. A União, posteriormente, reivindicou a propriedade sobre essas terras que, antigamente, eram dos indígenas. 

Já nos dados do APF, a predominância litorânea não é a regra, sendo destacados Distrito Federal, São Paulo, Rio, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Isso porque os imóveis geridos pelo SPU tratam de imóveis de Uso Especial, destinados à execução de serviços administrativos ou prestação de serviços públicos em geral. 

No estado do Rio, a capital fluminense é a segunda cidade com maior concentração de imóveis geridos pela União. Este fato se explica tanto por ela ser litorânea, quanto por ter sido a capital do Brasil até a década de 1960. 

Em relação à capital, Luiza realizou um importante levantamento: 

Imagem: Elaboração de Luiza Bertin

Mapa 1: Imóveis da APF no município do Rio de Janeiro

Mapa 2: Produção do Programa Minha Casa Minha Vida no município do Rio de Janeiro

Conforme é possível observar nos mapas, na Zona Sul localizam-se diversos prédios públicos. Neste local, onde o valor da terra é mais alto, estão concentrados os imóveis de maior valor registrados na APF.  

Apesar da concentração de imóveis públicos no Centro e Zona Sul do Rio, é na Zona Oeste onde se  localizam grande parte das habitações vinculadas ao Programa Minha Casa Minha Vida. Nesta região, segundo dados levantados pela pesquisadora, concentra-se maioria da população autodeclarada preta e parda, com quantidade menor de empregos e rendimento mensal inferior, a média de idade de falecimento das pessoas é menor (ou seja, morre-se mais jovem), há pouca concentração de salas de cinema e museus e o peso da tarifa do transporte público na renda mensal é maior. Ou seja, ali onde já se localiza uma população marginalizada em relação à infraestrutura urbana, são construídas as casas vinculadas a programas habitacionais sociais. Ao passo que os diversos prédios públicos localizados em zonas centrais não são destinados para habitação destas populações. 

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Alguns movimentos populares se colocam mais diretamente em relação a essas contradições. Luiza citou duas ocupações urbanas na cidade do Rio. A Ocupação Vito Giannotti e a Ocupação Mariana Crioula. A primeira, foi fundada em 2016 em um antigo hotel do INSS que estava abandonado há mais de 20 anos. Está ligada ao Movimento de Luta nos Bairros (MLB), Central dos Movimentos Populares (CMP) e União por Moradia Popular (UMP). Apesar de ter vencido o edital de chamamento público da Caixa Econômica Federal para que o prédio seja reformado, ainda não receberam a verba e continuam sofrendo constantes ameaças. Já a segunda foi organizada pelo Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), e ocupa terrenos na Gamboa desde 2011. Atualmente está ligado ao Programa Minha Casa Minha Vida mas também não recebeu verba.

Por fim, a pesquisadora conclui que não faltam leis ou terras públicas para resolver a questão da moradia, mas sim, ausência de interesse público. 

Durante o debate, foram levantadas outras questões sobre o tema, como o valor dos aluguéis próximo às universidades – pensando questões de especulação imobiliária -, o atual projeto da prefeitura do Rio – o Reviver Centro -, as ocupações em diferentes cidades, entre outras. 

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No dia 30 de setembro, às 18h30, a Escola de Formação Política da Classe Trabalhadora Vânia Bambirra (EFoP) irá organizar um debate com Cláudio Ribeiro e Sara Granemann, professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sobre Patrimônio público, urbanismo e a sanha capitalista.

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