Imagem montagem UàE
Maria Fernandez – Publicado parcialmente em Universidade à Esquerda – 15/12/2021
A Instrução Normativa 65 de 30 de julho de 2020 (IN 65) do Ministério da Economia (ME) tem sido discutida por trabalhadores e gestores de várias instituições do serviço público pelo país. Vários órgãos se mobilizaram para esta discussão, incluindo as instituições de ensino como as universidades.
No momento em que o trabalho remoto emergencial por conta da pandemia tem o fim no horizonte essa IN tem aparecido como uma possibilidade de manutenção do trabalho de forma remota para alguns servidores públicos. Entretanto, a IN trata de questões bem mais complexas e de alterações mais profundas na própria lógica da gestão do trabalho no serviço público. Tentaremos abordar neste texto alguns destes aspectos da IN.
Sobre o que trata a IN 65?
Esta IN de 2020: “Estabelece orientações, critérios e procedimentos gerais a serem observados pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal – SIPEC relativos à implementação de Programa de Gestão.” Logo o foco é o programa de gestão a ser implementado e o teletrabalho é apenas um dos itens que aparece como uma possibilidade para o servidor.
Este fato fica evidente ao analisar os objetivos do programa de gestão listados no artigo 6º na IN. Entre eles estão: “promover a gestão da produtividade e da qualidade das entregas dos participantes”; “contribuir com a redução de custos no poder público” e “promover a cultura orientada a resultados, com foco no incremento da eficiência e da efetividade dos serviços prestados à sociedade”, entre outros.
O “programa de gestão” diz respeito ao disciplinamento da realização de atividades que possam ser mensuradas. Consolidando no serviço público uma lógica de “entregas” e resultados que além de diminuir a autonomia na definição das prioridades de trabalho dificulta o atendimento às reais necessidades da população, visto que passa a ser mais importante atender uma “meta” muitas vezes deslocada da realidade de trabalho. Desconsiderando também as atividades e serviços que não podem ser mensurados desta maneira. Logo a IN institui uma lógica do controle e vigilância do trabalho que tende a piorar o atendimento da população e as condições de trabalho dos servidores.
Diferença trabalho remoto emergência e teletrabalho previsto na IN 65
Durante a pandemia, grande parte dos servidores públicos passou a realizar seus trabalhos de forma remota. Esta medida emergencial foi implementada para garantir a segurança sanitária e a diminuição da circulação do Coronavírus e esta assegurado legalmente enquanto o estado de calamidade pública estiver vigente. Durante a pandemia houve uma adesão de cerca 95% dos servidores federais da educação ao trabalho remoto.
O trabalho de forma remota tende a ter simpatia de um conjunto de servidores, pois parece dar uma saída para diferentes problemas enfrentados por cada um. Nós escutamos diferentes argumentos dentre os principais estão a possibilidade de passar mais tempo em casa com a família (seja por prazer ou por necessidade de não ter com quem deixar filhos, idosos, etc.), diminuir os gastos com combustível e o tempo de deslocamento, ou ainda ter horários mais flexíveis.
As demandas dos trabalhadores são legítimas à medida que de fato há inúmeros problemas no cotidiano nos locais de trabalho e pode parecer que trabalhar de forma remota de fato minimize alguns deles. No entanto, essa suposta saída não atua sobre a raiz dos problemas que precisariam ser abordados de forma coletiva – como exemplo a demanda de redução da carga horária de trabalho; a garantia de vagas na educação infantil; a melhoria da mobilidade urbana e de outros equipamentos sociais, e a diminuição da especulação imobiliária no entorno dos campi, entre outros.
Entretanto, para os servidores que visualizam algum benefício pontual na adoção do trabalho remoto, não tem ficado claro para os a diferença desse período de trabalho remoto da proposta de teletrabalho presente na IN e as consequências a longo prazo para a própria manutenção da existência de seus cargos.
Já o chamado “teletrabalho” é o termo usado na IN 65/2020, que prevê uma regulamentação própria para ser autorizado, com exigências específicas que alteram a organização do trabalho do servidor que aderir a esta possibilidade. Nesta regulamentação a jornada de trabalho pode ser realizada fora do local de trabalho, de maneira parcial ou integral, desde que as atividades sejam submetidas a um controle a partir de metas com prazos e “entregas” previamente definidos.
Antes da IN alguns setores do serviço público, como INSS, CGU e Judiciário já tinham aderido a realidade do teletrabalho, mas certamente a experiência do trabalho remoto durante a pandemia acelerou as investidas do governo federal para implementação do teletrabalho de forma definitiva no serviço público.
Ainda que diversos problemas dos teletrabalho sejam comuns para todos, a adesão a essa modalidade de trabalho no contexto de diferentes setores do serviço público traz implicações diferentes. O contexto do Judiciário é distinto do contexto da educação federal. As universidades e institutos enfrentam uma forte crise e a atuação da classe dominante para extingui-los (ao menos como os conhecemos hoje), coloca na esteira a terceirização e automatização do trabalho, especialmente dos técnicos-administrativos em educação. O teletrabalho para essa categoria de servidores tende a acelerar esses processos.
Desresponsabiliza a universidade de prover estrutura física
Um dos aspectos que chama atenção nesta normativa é a atribuição de responsabilidade ao servidor de toda a responsabilidade de prover infraestrutura para a realização de seu trabalho. No artigo 13 destaca que o candidato selecionado pela unidade para participar do programa de gestão tem que entregar no plano de trabalho que, entre outras exigências, prevê a entrega de um termo de ciência e responsabilidade em o servidor concorda que têm:
d) o dever do participante de manter a infraestrutura necessária para o exercício de suas atribuições, inclusive aquelas relacionadas à segurança da informação, quando executar o programa de gestão na modalidade teletrabalho;
Já no Artigo 23 aparece claramente que:
Art. 23. Quando estiver em teletrabalho, caberá ao participante providenciar as estruturas física e tecnológica necessárias, mediante a utilização de equipamentos e mobiliários adequados e ergonômicos, assumindo, inclusive, os custos referentes à conexão à internet, à energia elétrica e ao telefone, entre outras despesas decorrentes do exercício de suas atribuições.
Nestes itens fica evidente uma desresponsabilização do governo de prover os meios necessários para a execução do serviço público. Além dessa regulamentação onerar o servidor, impactando de fato em uma diminuição do próprio salário, o coloca em uma situação jurídica de insegurança, visto que ele passa a ser responsável inclusive por problemas de saúde decorrente do seu trabalho. Outro aspecto é o progressivo desinvestimento do orçamento público para garantir o atendimento da função pública, contribuindo ainda mais para o desmonte do serviço público.
A função pública
Quando retomamos a função de existência do serviço público no atendimento às necessidades coletivas da população entendemos que a lógica de organização do trabalho não pode seguir a mesma lógica das atividades que tem o lucro como meta. Neste sentido não é possível, ou desejável, a reprodução dessa lógica produtivista no serviço público sem ferir a própria realização da razão de sua existência.
Em material de análise da IN 65 a FASUBRA (Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil. Institucional.) destaca que a Instrução aplica a visão da Administração Científica (Fordismo/Taylorismos) para o trabalho-produto, desconsiderando assim o foco no trabalho como processo. Estabelecendo uma avaliação produtivista do trabalho contrariando o processo de avaliação previsto no PCCTAE (Plano de Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos em Educação). A Fasubra ainda conclui indicando que essa IN é uma antecipação da proposta de Reforma Administrativa em tramitação, além disso, a adesão a ela significa uma renúncia à autonomia administrativa dos órgãos.
Além destes pontos a IN e o teletrabalho tem um impacto significativo na mobilização e organização coletiva dos trabalhadores, fator essencial para garantir reivindicações trabalhistas e a defesa da função pública no trabalho.
Outras mudanças:
A IN altera a forma de cumprimento da jornada de trabalho e considera a suspensão do pagamento de algumas vantagens e indenizações, a exemplo do adicional de insalubridade e auxílio transporte (arts. 29 a 36, da IN nº 65/2020), enquanto estiver sob esse regime.
O acompanhamento de produtividade e o cumprimento de prazos e metas previstos pela IN nº 65 submete o trabalhador a um controle de metas e prazos que desconsidera as condições de realização da mesma.
O telebralho também contribui para o isolamento e individualização do trabalho do servidor, que perde o vínculo com seu local de trabalho, mas também com seus colegas e assim também há um prejuízo para as mobilizações coletivas que visam resolver problemas comuns entre os servidores. Certamente isso impactará nos processos de organização coletiva dos trabalhadores.
Entre outros aspectos que você pode conferir no texto completo da IN 65: Instrução Normativa Nº 65, DE 30 DE julho DE 2020.
Movimento dos trabalhadores das universidades
A Comissão Nacional de Supervisão de Carreira da Fasubra, analisou os impactos da Instrução Normativa a partir do ponto de vista dos técnico-administrativos em educação ainda em setembro de 2020. Nesta analise apontou como essa proposta antecipa pontos da reforma administrativa em tramitação. Você pode acessar o material completo.
Outros sindicatos e movimentos nas universidades já promoveram debates, seminários e congressos debatendo o tema. Segue algumas destas análises e materiais produzidos pelos trabalhadores sobre o tema:
UFRGS: “Teletrabalho: analisamos a IN 65 e comparamos com a IN 01, já revogada”. https://www.assufrgs.org.br/2020/08/03/teletrabalho-analisamos-a-in-65-e-comparamos-com-a-in-1-ja-revogada/
Seminário Virtual organizado pelo Assufrgs Sindicato “IN 65: Trabalho Remoto x Teletrabalho”;
UFSC: IN 65 e trabalho remoto em discussão na UFSC.
UFSJ: QUAIS OS RISCOS DA IN65 À CARREIRA DE SERVIDORES PÚBLICOS?;
UFRJ: “Debate alerta para os perigos da IN 65 para todos os servidores da UFRJ”;
CIS Nacional: Comissões Internas de Supervisão de Carreira: “Teletrabalho e o PCCTAE – Os impactos da IN 65” .
UFSC
Na UFSC os trabalhadores já indicaram em assembleia anterior uma posição contrária a adesão à IN 65 por entenderem que essa lógica de gestão precariza o trabalho e estabelece uma forma de controle do trabalho que não favorece a realização da função pública do mesmo.
Entretanto, a reitoria formou uma grupo de trabalho em que integrou membros da direção sindical (Karine Ker e Humberto Martins) para discutir a possibilidade de adesão da UFSC à instrução. O Grupo de Trabalho formado foi instituído pela Portaria n° 83/2021/PRODEGESP com objetivo de estudo da viabilidade da implementação do Programa de Gestão instituído pela Instrução Normativa nº 65/2020, do Ministério da Economia, na Universidade Federal de Santa Catarina.
O grupo de trabalho publicou em 13/12/2021 um formulário que prevê a realização de uma consulta neste período de final de ano, em que muitos então de férias ou em recesso de trabalho. O formulário esta disponível até 07 de janeiro.
O sindicato (SINTUFSC) fez uma sequência de reuniões setoriais para discutir o tema entre os trabalhadores novamente. Durante várias das reuniões foi possível conhecer os argumentos que sustentam uma posição crítica em relação ao conteúdo desta proposta, mesmo por aqueles que acreditam que há vantagens na possibilidade de manutenção de algum tipo de trabalho remoto.
Na próxima quinta-feira (16/12 às 13h30) ocorrerá uma assembleia entre os TAEs da UFSC para discutir este tema, nesse sentido a participação categoria é fundamental para garantir que a posição crítica em relação a IN seja mantida e que se construa um enfrentamento efetivo em relação ao sistema de gestão que é parte de um projeto nacional e que a UFSC tem aderido de forma acrítica.