[Notícia] ‘The Intercept’ pode ter entregado uma fonte sobre as interferências russas na eleição de Trump

Allan Kenji Seki para o UFSCàE – 07/06/2017

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos prendeu na última sexta-feira, 2 de junho, a analista de segurança, Reality Leigh Winner, por vazamento de documentos confidenciais que comprovam as interferências russas na campanha eleitoral para a presidência, no ano passado.

A analista presa é Reality Leigh Winner, 25 anos, que serviu na força aérea americana até o último ano e foi subcontratada pela Pluribus International, para prestar serviços terceirizados ao serviço secreto como linguista e tradutora, Winner realizava traduções em línguas faladas no Iran e Afeganistão, como Pashto, Farso e Dari.

A prisão aconteceu no último dia 2, mas o Departamento de Justiça a manteve sigilo até a segunda-feira, dia 5, mesmo dia no qual o The Intercept publicou a matéria baseada nos documentos supostamente vazados.

Os documentos vazados comprovam que os serviços da inteligência americana acompanharam as interferências russas a favor da campanha de Trump, fato que o governo americano se esforçava por negar, inclusive, com a demissão do diretor do FBI no início do ano.

Segundo as acusações, Winner teria sido uma das seis pessoas na agência, localizada na Georgia, a imprimir esses documentos e a única a ter entre seus contatos os jornalistas do The Intercept. O Departamento de Justiça informou que obteve uma confissão voluntária sobre o vazamento, mas são conhecidas as práticas de interrogatório praticadas pela justiça americana, levantando suspeitas sobre os fundamentos da acusação.

Um outro fato acabou por chamar a atenção da imprensa em todo o mundo: a velocidade com a qual a investigação sobre o vazamento resultou no indiciamento e prisão de Winner e, logo, as desconfianças voltaram-se para o The Intercept. Segundo o Departamento de Justiça, os jornalistas do The Intercept enviaram os documentos vazados para o serviço secreto americano, solicitando a confirmação das informações, e tendo nas mãos os documentos, levou apenas algumas horas até que Winner fosse considerada suspeita e submetida ao interrogatório. O artigo no The Intercept foi assinado por quatro jornalistas, Matthew Cole, Richard Esposito, Sam Biddle e Ryan Grim.

O vazamento de informações dos serviços de inteligência em todo o mundo tem sido as provas mais contundentes das ameaças à segurança dos meios de comunicação e do nível de violação de privacidade individual cometida pelos aparelhos de Estado. Em vazamentos anteriores, o Governo americano, durante a administração do presidente Barack Obama, passou pelo maior escândalo de violação de privacidade na internet, além de ter violado comunicações de empresas e governos – inclusive comunicações da presidenta Dilma Rousseff e de contratos da Petrobrás – em benefício do capital americano.

Por isso, a atitude do The Intercept é da maior gravidade, efetivamente um ato de traição cometido por jornalistas contra suas fontes. A confidencialidade sobre a fonte e o zelo pela sua segurança é o pilar fundamental da resistência popular contra os atos dos governos capitalistas, e o bastião de um tipo de jornalismo que tenta sobreviver diante do avanço do “noticialismo” comercial. Se for verdade, ao entregar os documentos para o serviço de inteligência, o The Intercept vendeu Reality Winner em troca de uma matéria e comprometeu substancialmente a obtenção de informações para todos os jornalistas ao redor do mundo. A violação da segurança e da integridade das fontes poderá ter dramáticas repercussões, tendo em vista que a relação com os jornalistas já estava estremecida pelas inúmeras incursões em tribunais e, inclusive, de tentativas de revisão nos textos constitucionais ao redor do mundo – inclusive no último mês, no Brasil, para obrigar a imprensa a entregar as fontes para as policias.

Hoje, o conteúdo em si da matéria publicada pelo The Intercept perdeu a relevância em relação à violência do governo contra os sujeitos envolvidos nesses vazamentos e a violação da confidencialidade da principal fonte da matéria pelo jornal. A resposta de inúmeros jornalistas à prisão, inclusive, piora substancialmente a situação do The Intercept, por tentarem responsabilizar a vítima pela prisão. Era obrigação dos jornalistas assegurar que a fonte estava protegida, inclusive contra falhas de confidencialidade no próprio vazamento, durante a redação e após a publicação da matéria. Se havia dúvidas, os documentos jamais deveriam ter sido confirmados e a matéria não poderia ser publicada.

Na entrega de Winner, é difícil acreditar na mera estupidez desses jornalistas. Esperavam honestamente que o serviço secreto americano reconhecesse que os documentos vazados eram autênticos?

Infelizmente, o The Intercept encerrou a história de uma iniciativa jornalística que propunha abrir espaço para a divulgação de informações sensíveis desde a sua fundação, que tem a participação de Glenn Greenwald – cofundador do jornal e que se tornou célebre pelos vazamentos de Snowden no The Guardian. A possível colaboração entre o The Intercept e o Serviço Secreto Americano resultou na confirmação da autenticidade dos documentos, mas o fez às custas da vida de Reality L. Winner.

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